Edila Maria Romao da Silva 1

Ecos do silêncio: A violência paterna e a omissão materna na infância como raízes da dor que perdura na vida adulta

Postado em 12 de novembro de 2025 Por Edila Maria Romão da Silva Acadêmica em Direito pela Faculdade Estácio

1. INTRODUÇÃO

A violência doméstica e familiar é uma das expressões mais devastadoras das falhas sociais e afetivas do núcleo familiar. No contexto brasileiro, a figura paterna historicamente foi associada à autoridade, muitas vezes legitimando comportamentos abusivos em nome da disciplina e do poder. Ao mesmo tempo, a omissão materna seja por medo, dependência emocional ou submissão social reforça a perpetuação dessa violência.

A criança que cresce sob tais condições opressivas e violentas, experimenta uma ruptura em sua estrutura emocional, o que tem comprometido o desenvolvimento da confiança básica e da capacidade de se relacionar de forma saudável. Na vida adulta, esse trauma se manifesta sob diferentes formas: transtornos emocionais, isolamento social, relacionamentos abusivos, dificuldades afetivas e, em diversos casos, comportamentos autodestrutivos ou delituosos.

O Direito Penal, tem se mostrado por sua vez, limitado ao tratar da violência doméstica como um ato isolado, sem considerar o impacto da omissão e da violência combinadas como um fenômeno continuado. Este artigo propõe refletir sobre essa continuidade, buscando compreender o eco do silêncio que transforma a dor infantil em sofrimento adulto e por consequência evidenciar a necessidade de respostas penais mais severas que rompam o ciclo da impunidade e da negligência estatal.

2. A INFÂNCIA MARCADA PELA DOR

A violência paterna tem se tornado uma das formas mais destrutivas de violação do afeto e da segurança emocional da criança e do adolescente.  Quando a figura do pai é associada à proteção e se torna o agressor, ocorre um prejuízo irreparável que desestrutura o desenvolvimento psíquico e social na vítima. Essa violência pode assumir formas físicas, psicológicas, morais, patrimoniais e até simbólicas, todas com potencial de deixar marcas profundas.

A omissão materna, por outro lado, opera de modo silencioso, mas igualmente devastador, quando a genitora não intervém diante da violência contra o filho ainda que movida por medo ou dependência financeira e emocional, acaba que participando involuntariamente do ciclo de violência e opressão. Tal omissão impede o rompimento do vínculo abusivo e contribui para a naturalização da dor, sofrimento, tortura física  e psicológica no ambiente doméstico.

A Lei nº 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima de violência, reconhece a necessidade de uma abordagem integral. No entanto, a aplicação prática ainda é limitada, especialmente quando há conivência ou negligência de um dos genitores. O Estado tende a intervir apenas após o dano consumado, perpetuando a lógica da reparação tardia.

3. O ECO DA VIOLÊNCIA: A PERSISTÊNCIA DO TRAUMA NA VIDA ADULTA

A infância é o alicerce da identidade. Quando marcada pela dor e pelo medo, ela molda um adulto fragmentado, que frequentemente reproduz padrões de violência  seja como vítima, seja como agressor, o trauma que na infância não foi  tratado se transforma em gatilhos, revividos em situações de vulnerabilidade.

Na vida adulta, a vítima de violência paterna e omissão materna podem desenvolver transtornos de ansiedade, depressão e dependência emocional normalizando em muitas vezes o sofrimento passado e se culpando por sua existência. Em muitos casos, essas vítimas permanecem presas a vínculos abusivos por não reconhecer outras formas de afeto. Do ponto de vista jurídico, essa continuidade delitiva da violência doméstica e familiar com pais agressores levantam questionamentos sobre a responsabilidade penal e a tutela da dignidade humana.

A vítima marcada pelo trauma da infância não pode ser vista apenas como objeto da lei, mas como um ser humano que clama por acolhimento, escuta e cuidado.

4. O OLHAR JURÍDICO: RESPONSABILIDADE E SILÊNCIO INSTITUCIONAL

A Constituição Federal de 1988 consagra, em seu art. 227, o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e à proteção contra qualquer forma de violência. Entretanto, a realidade evidencia um abismo entre o que a Constituição assegura e o que, de fato, é vivenciado pela sociedade.

A violência paterna, somada à omissão materna, revela uma violação dupla do dever familiar: o de proteger e o de cuidar. Do ponto de vista penal, o pai agressor deve responder pelos crimes de lesão corporal, maus-tratos ou abuso conforme os artigos 129 e 136 do Código Penal, e em alguns casos torturas físicas e psicológicas. Já a mãe omissa pode incorrer em omissão imprópria (art. 13, §2º, CP), quando, tendo o dever de agir, se abstém de impedir o resultado danoso.

Apesar das normas existentes, o sistema jurídico raramente alcança a profundidade emocional e estrutural que essas situações exigem. Falta empatia e preparo nas instâncias investigativas e de acolhimento, enquanto sobram estigmas, burocracias e silêncios que perpetuam a dor das vítimas.

5. A URGÊNCIA DE LEIS MAIS SEVERAS E POLÍTICAS PÚBLICAS EFICAZES

A violência doméstica e familiar exige não apenas empatia, mas também rigor jurídico. O Estado, enquanto garantidor dos direitos fundamentais, não pode se manter neutro diante de crimes cometidos no ambiente familiar. É necessária a criação e a aplicação de leis mais severas para punir agressores paternos e responsabilizar mães omissas, especialmente quando a omissão contribui para a continuidade do dano.

A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) já estabelecem princípios protetivos, mas a prática demonstra a ineficácia das penas brandas e a demora processual. A ausência de mecanismos efetivos de execução penal e acompanhamento psicológico das vítimas perpetua o sofrimento.

Defende-se, portanto, a criação de agravantes penais específicas para casos em que o agressor seja o genitor, reconhecendo a violação do dever de cuidado como circunstância que justifica a punição mais severa. Além disso, é imprescindível ampliar políticas de prevenção, fiscalização em escolas (local em que as vítimas estão longe dos agressores e tem dialogado com colegas e professores sobre as violências sofridas), programas de proteção familiar integrado, para que o Direito Penal não atue apenas após a destruição do afeto, mas como instrumento de prevenção e transformação social.

6. CAMINHOS DE SUPERAÇÃO: POR UMA JUSTIÇA HUMANIZADA

Romper o ciclo da violência doméstica e familiar exige mais do que punição: requer escuta, acolhimento e reconstrução de vínculos. O fortalecimento das políticas públicas de apoio psicológico, educação parental e mediação familiar devem caminhar lado a lado com a responsabilização dos agressores. Apenas assim será possível transformar o eco do silêncio em voz de resistência e reconstrução.

7. CONCLUSÃO

A violência paterna e a omissão materna na infância não são eventos isolados, mas processos contínuos de destruição emocional que repercutem por toda a vida da vítima. Quando o Estado, por inércia ou insensibilidade, não intervém de forma adequada, ele também se torna omisso.

É necessário um endurecimento das leis e uma atuação penal firme e proporcional contra os responsáveis por atos de violência e omissão, reconhecendo que tais condutas rompem o dever de proteção mais sagrado: o da paternidade e maternidade.

O eco do silêncio que acompanha a vítima até a vida adulta é um chamado à reflexão ética e política: enquanto o Estado for conivente com a impunidade, a violência continuará a se perpetuar nas sombras da família e da lei. Somente com uma justiça sensível e severa será possível transformar a dor em esperança e o silêncio em libertação.

REFERÊNCIAS

  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
  • BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União, 1990.
  • BRASIL. Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Diário Oficial da União, 2017.

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