A violência doméstica e familiar é uma das expressões mais devastadoras das falhas sociais e afetivas do núcleo familiar. No contexto brasileiro, a figura paterna historicamente foi associada à autoridade, muitas vezes legitimando comportamentos abusivos em nome da disciplina e do poder. Ao mesmo tempo, a omissão materna seja por medo, dependência emocional ou submissão social reforça a perpetuação dessa violência.
A criança que cresce sob tais condições opressivas e violentas, experimenta uma ruptura em sua estrutura emocional, o que tem comprometido o desenvolvimento da confiança básica e da capacidade de se relacionar de forma saudável. Na vida adulta, esse trauma se manifesta sob diferentes formas: transtornos emocionais, isolamento social, relacionamentos abusivos, dificuldades afetivas e, em diversos casos, comportamentos autodestrutivos ou delituosos.
O Direito Penal, tem se mostrado por sua vez, limitado ao tratar da violência doméstica como um ato isolado, sem considerar o impacto da omissão e da violência combinadas como um fenômeno continuado. Este artigo propõe refletir sobre essa continuidade, buscando compreender o eco do silêncio que transforma a dor infantil em sofrimento adulto e por consequência evidenciar a necessidade de respostas penais mais severas que rompam o ciclo da impunidade e da negligência estatal.
A violência paterna tem se tornado uma das formas mais destrutivas de violação do afeto e da segurança emocional da criança e do adolescente. Quando a figura do pai é associada à proteção e se torna o agressor, ocorre um prejuízo irreparável que desestrutura o desenvolvimento psíquico e social na vítima. Essa violência pode assumir formas físicas, psicológicas, morais, patrimoniais e até simbólicas, todas com potencial de deixar marcas profundas.
A omissão materna, por outro lado, opera de modo silencioso, mas igualmente devastador, quando a genitora não intervém diante da violência contra o filho ainda que movida por medo ou dependência financeira e emocional, acaba que participando involuntariamente do ciclo de violência e opressão. Tal omissão impede o rompimento do vínculo abusivo e contribui para a naturalização da dor, sofrimento, tortura física e psicológica no ambiente doméstico.
A Lei nº 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima de violência, reconhece a necessidade de uma abordagem integral. No entanto, a aplicação prática ainda é limitada, especialmente quando há conivência ou negligência de um dos genitores. O Estado tende a intervir apenas após o dano consumado, perpetuando a lógica da reparação tardia.
A infância é o alicerce da identidade. Quando marcada pela dor e pelo medo, ela molda um adulto fragmentado, que frequentemente reproduz padrões de violência seja como vítima, seja como agressor, o trauma que na infância não foi tratado se transforma em gatilhos, revividos em situações de vulnerabilidade.
Na vida adulta, a vítima de violência paterna e omissão materna podem desenvolver transtornos de ansiedade, depressão e dependência emocional normalizando em muitas vezes o sofrimento passado e se culpando por sua existência. Em muitos casos, essas vítimas permanecem presas a vínculos abusivos por não reconhecer outras formas de afeto. Do ponto de vista jurídico, essa continuidade delitiva da violência doméstica e familiar com pais agressores levantam questionamentos sobre a responsabilidade penal e a tutela da dignidade humana.
A vítima marcada pelo trauma da infância não pode ser vista apenas como objeto da lei, mas como um ser humano que clama por acolhimento, escuta e cuidado.
A Constituição Federal de 1988 consagra, em seu art. 227, o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e à proteção contra qualquer forma de violência. Entretanto, a realidade evidencia um abismo entre o que a Constituição assegura e o que, de fato, é vivenciado pela sociedade.
A violência paterna, somada à omissão materna, revela uma violação dupla do dever familiar: o de proteger e o de cuidar. Do ponto de vista penal, o pai agressor deve responder pelos crimes de lesão corporal, maus-tratos ou abuso conforme os artigos 129 e 136 do Código Penal, e em alguns casos torturas físicas e psicológicas. Já a mãe omissa pode incorrer em omissão imprópria (art. 13, §2º, CP), quando, tendo o dever de agir, se abstém de impedir o resultado danoso.
Apesar das normas existentes, o sistema jurídico raramente alcança a profundidade emocional e estrutural que essas situações exigem. Falta empatia e preparo nas instâncias investigativas e de acolhimento, enquanto sobram estigmas, burocracias e silêncios que perpetuam a dor das vítimas.
A violência doméstica e familiar exige não apenas empatia, mas também rigor jurídico. O Estado, enquanto garantidor dos direitos fundamentais, não pode se manter neutro diante de crimes cometidos no ambiente familiar. É necessária a criação e a aplicação de leis mais severas para punir agressores paternos e responsabilizar mães omissas, especialmente quando a omissão contribui para a continuidade do dano.
A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) já estabelecem princípios protetivos, mas a prática demonstra a ineficácia das penas brandas e a demora processual. A ausência de mecanismos efetivos de execução penal e acompanhamento psicológico das vítimas perpetua o sofrimento.
Defende-se, portanto, a criação de agravantes penais específicas para casos em que o agressor seja o genitor, reconhecendo a violação do dever de cuidado como circunstância que justifica a punição mais severa. Além disso, é imprescindível ampliar políticas de prevenção, fiscalização em escolas (local em que as vítimas estão longe dos agressores e tem dialogado com colegas e professores sobre as violências sofridas), programas de proteção familiar integrado, para que o Direito Penal não atue apenas após a destruição do afeto, mas como instrumento de prevenção e transformação social.
Romper o ciclo da violência doméstica e familiar exige mais do que punição: requer escuta, acolhimento e reconstrução de vínculos. O fortalecimento das políticas públicas de apoio psicológico, educação parental e mediação familiar devem caminhar lado a lado com a responsabilização dos agressores. Apenas assim será possível transformar o eco do silêncio em voz de resistência e reconstrução.
A violência paterna e a omissão materna na infância não são eventos isolados, mas processos contínuos de destruição emocional que repercutem por toda a vida da vítima. Quando o Estado, por inércia ou insensibilidade, não intervém de forma adequada, ele também se torna omisso.
É necessário um endurecimento das leis e uma atuação penal firme e proporcional contra os responsáveis por atos de violência e omissão, reconhecendo que tais condutas rompem o dever de proteção mais sagrado: o da paternidade e maternidade.
O eco do silêncio que acompanha a vítima até a vida adulta é um chamado à reflexão ética e política: enquanto o Estado for conivente com a impunidade, a violência continuará a se perpetuar nas sombras da família e da lei. Somente com uma justiça sensível e severa será possível transformar a dor em esperança e o silêncio em libertação.
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