O presente artigo tem por objetivo contribuir com a análise e compreensão das cláusulas gerais do art. 139, IV, do CPC/15, que tratam sobre as medidas executivas atípicas e sua aplicabilidade no direito processual do trabalho, e buscam o cumprimento de decisões judiciais, forçando o devedor a adimplir a obrigação objeto da execução, através de medidas diversas daquelas especificamente previstas em lei.
Vigorou durante bastante tempo no direito processual civil e trabalhista a premissa de que o magistrado somente poderia se valer dos meios executivos típicos previstos em lei, para fazer o devedor cumprir a obrigação determinada no comando sentencial e garantir, assim, a efetividade da execução.
A antiga técnica processual era vista como uma forma de coibir arbitrariedades do órgão julgador, assegurando a liberdade e integridade do jurisdicionado. Os sistemas processuais anteriores, assim como o Código de Processo Civil de 1973 adotavam o princípio da tipicidade da execução, a limitar os meios executórios apenas àqueles previstos em lei, pois então vigorante espírito positivista vinculava o juiz aos estritos limites impostos pelo texto legal.
Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o modelo de processo por este empreendido alterou profundamente a relação entre os sujeitos processuais da forma que era conhecida anteriormente. O tradicional modelo adversarial estabelecido no direito processual brasileiro deu lugar à uma nova mentalidade, na qual as partes e o juiz devem cooperar entre si para o processo alcançar um bom resultado com duração de tempo razoável, incluída a atividade satisfativa.
Modernamente, com clara influência do direito processual europeu, tem-se que o processo exige uma relação cooperativa triangular, envolvendo o juiz, o autor e o réu, sujeitos processuais que devem agir com a máxima lealdade e boa-fé, afastando o individualismo do processo. Em sendo assim, assume o magistrado importante papel, pois, além do poder-dever de conduzir e impulsionar o processo, deve proporcionar uma comunicação clara com os litigantes, com o fito de proporcionar uma solução justa do litígio e obter a paz social.
PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO.
Todo cidadão tem direito a um processo efetivo e eficiente. Esse direito tem fundamento constitucional (art. 37 da Constituição Federal de 1988), e é consubstanciado, também, no princípio do devido processo legal, ou princípio da legalidade, resultando do art. 5º, LIV, da CF/88: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Desse princípio derivam todos os demais, como os princípios da duração razoável do processo e da celeridade (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal), por conseguinte se afirma tratar-se de um superprincípio a balizar toda a interpretação e aplicação dos outros princípios do processo. A Constituição preserva a liberdade e os bens, garantindo que o seu titular não os perca por atos não jurisdicionais do Estado.
Por força do princípio da efetividade da execução, deve o órgão julgador envidar todos os esforços possíveis na busca da satisfação do débito, principalmente em razão da natureza alimentar do crédito trabalhista. Sendo assim, a fim de não frustrar totalmente a execução, deve ampliar sobremaneira os meios executivos, ainda que não previstos expressamente na lei para obrigador o devedor a satisfazer a obrigação determinada no comando sentencial. Embora respeitadas certas limitações à penhora, como se verá mais adiante.
Deve-se atentar para o fato de a execução se pautar pela satisfação do direito do credor, embora, tendo como freio, o princípio da menor onerosidade ao devedor, que tem o direito de ver seu patrimônio assegurado, inclusive como princípio fundamental à dignidade da pessoa humana. Porém, não pode esse limite servir de anteparo ao devedor de má-fé.
Dessa forma, procurou o Código de Processo Civil equalizar a efetividade da execução com o princípio da menor onerosidade ao devedor. Assim, o art. 805, parágrafo único, atribui ao devedor o ônus de apresentar meios eficazes de execução, quando este alegar maior gravosidade da medida executiva imposta, da seguinte maneira.
Inovou o CPC de 2015 nesse sentido, em clara manifestação do princípio da cooperação (art. 6º), buscando também evitar medidas processuais protelatórias do devedor.
Portanto, a efetividade do processo não se resume a uma célere instrução probatória e rápido julgamento do processo – com a sentença de mérito favorável ao trabalhador. Ao revés, ainda remanesce a problemática sobre como garantir a efetiva satisfação executiva dos direitos alcançados pelo autor da ação, pois muitas vezes a execução em face da empresa não alcança resultados satisfatórios, ao não se encontrar bens para a realização da penhora.
As medidas atípicas possuem corolário com o princípio da efetividade da execução, tendo em vista serem aquelas uma tentativa de disponibilizar ao magistrado e ao credor meios para que a tutela executiva pretendida seja eficazmente satisfeita, com o cumprimento da obrigação determinada no título executivo, tornando-se fundamentais para a efetividade do processo.
BREVES REFLEXÕES SOBRE A ATIVIDADE EXECUTIVA
A jurisdição de execução representa uma consequência do exaurimento da jurisdição de conhecimento, quando fundada em título executivo judicial. Sendo, com isso, o credor o destinatário da prestação jurisdicional.
O processo deve atender plenamente ao seu escopo pacificador e deve estar apto tanto a certificação de direitos, como para o seu cumprimento. Desta forma, o acesso à justiça não se resume ao direito de ingressar com uma demanda perante o Judiciário e dele extrair uma sentença que afirme a existência de um direito a uma prestação. Ele também envolve a garantia de obter o bem da vida perseguido.
Nos casos de não cumprimento da obrigação pelo devedor, o Estado, por meio da lei, mune o Poder Judiciário de poderes para impor o cumprimento, ainda que contra a vontade do devedor, no intuito de satisfazer o credor/trabalhador. Caso contrário, o litígio só seria solucionado por meio da autotutela/autodefesa, o que não se admite nos Estados modernos, salvo poucas exceções.
A fase de execução tem por finalidade a satisfação do titular do direito material, consubstanciado em um título executivo. O objeto da tutela executiva, em especial na execução por quantia certa, mas também na execução de obrigação de pagar, fazer, não-fazer ou entrega de coisa, será a expropriação de bens do executado, como meio adequado para satisfação integral da obrigação fixada no título executivo, de acordo com o art. 824 do CPC.
Portanto, o objetivo da tutela executiva é satisfazer o direito subjetivo do credor, materializado no título executivo, quando não há o cumprimento da obrigação pelo devedor de maneira espontânea. Para isso, o julgador dispõe de medidas ou técnicas executivas a serem aplicadas no caso concreto, agrupadas em duas categorias: as de sub-rogação e as de coerção.
As primeiras medidas executivas são aquelas em que o Estado-juiz substitui o devedor no cumprimento da obrigação. É o que ocorre quando o Estado apreende bens do devedor e com o produto da expropriação ou do desapossamento, paga ao credor.
A coerção, por outro, traduz-se por atividades de coerção aplicadas pelo Estado-juiz com a finalidade de obrigar o devedor a cumprir a obrigação. A fixação de multas diárias, que forcem o devedor ao cumprimento, é um exemplo de medida coercitiva. Quando se aplicam tais medidas, caracteriza-se a chamada execução indireta.
MEDIDAS EXECUTIVAS TÍPICAS.
As medidas executivas típicas, são aquelas previstas no ordenamento jurídico brasileiro, e que, por bastante tempo, entendia-se que apenas delas poderia o juiz fazer uso na busca pela satisfação plena e integral da obrigação contida no título executivo, seja judicial ou extrajudicial.
Dentre os meios executivos típicos previstos na lei processual, pode-se destacar a penhora virtual de dinheiro (art.855, CPC), a penhora de créditos do devedor (art. 871, CPC), a possibilidade de inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes (BNDT) ou até mesmo a penhora de percentual de faturamento de empresas. Também a prisão civil, nos casos de obrigação de prestação alimentícia, é meio típico de execução (medida de execução indireta), sendo a única forma de restrição da liberdade em razão de dívida, nos termos do art. 5° LXVII da Constituição Federal
Atualmente, porém entende-se ser improvável, quiçá impossível, que o legislador preveja todas as medidas executivas a promover a tutela jurisdicional executiva. Os meios executivos típicos sofrem uma incompletude quanto à eficácia satisfativa, posto haver uma falta de adequação entre o meio executivo previsto em lei, e a prestação da tutela jurisdicional executiva, bem como, não abarcam todas as peculiaridades e diversidades da obrigação levada ao processo, sendo necessária uma flexibilização procedimental.
MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS:
O Código de Processo Civil de 2015, em uma de suas grandes inovações, trouxe a possibilidade de aplicação de medidas executivas atípicas, isto é, medidas que auxiliam a satisfação da tutela executiva que não estejam previstas expressamente na legislação. Diferenciando-se, assim, das medidas executivas típicas previstas na legislação processual, em especial aquelas constantes no §1º, do art. 536, do CPC, que prevê “a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva” – além de outras previstas expressamente ao longo do CPC.
O rol de medidas executivas constantes desse artigo do CPC não é exaustivo, como se verifica da expressão “entre outras medidas”, presente no texto legal, o que autoriza o emprego de medidas executivas atípicas.
A cláusula geral do art. 139, IV do CPC consagra a atipicidade de meios executivos. Cláusula geral é uma norma contendo caráter indeterminado, que não apresenta diretamente uma solução jurídica ou consequência. A norma processual tem uma constituição intencionalmente aberta, possuindo ampla extensão semântica. As cláusulas gerais servem para o órgão julgador aplicar a justiça ao caso concreto. Portanto, cabe ao intérprete da lei buscar os reais objetivos da norma, para aplicar na concretude do caso prático.
Como visto, o art. 139, IV, do CPC incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. Faz-se importante, com isso, diferenciar as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais e sub-rogatórias, embora alguns doutrinadores não as diferencie.
As medidas indutivas, são aquelas destinadas a induzir o sujeito a adotar determinada conduta. A indução negativa foi referida especificamente no art. 139, IV, como medida coercitiva. A medida coercitiva deve se constituir em uma coação apta a motivar o executado a cumprir espontaneamente a obrigação.
O art. 139, IV, do CPC dispõe também sobre a possibilidade de o juiz adotar medidas mandamentais, concretizadas em ordens judiciais, para a efetivação das decisões, inclusive aquelas envolvendo obrigação de pagar quantia certa. As medidas mandamentais são mais úteis nas obrigações de fazer ou não fazer de natureza infungível. Por fim, as medidas sub-rogatórias são próprias das obrigações fungíveis, pois através delas outrem poderá realizar a atividade que deveria ter sido realizada pelo executado. São típicas da atividade satisfativa do juiz, pois, em sua atividade substitutiva o juiz se coloca na posição do devedor na busca por satisfazer o direito do exequente. Trata-se de uma sanção premial ou positiva.
A atipicidade ainda é alvo de controvérsia entre os operadores do direito e a jurisprudência, por sua vez, também é oscilante quanto à possibilidade de aplicar as medidas executivas atípicas em sua inteireza.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ, em julgamento de recurso especial pela 3ª Turma, estabeleceu que os meios executivos atípicos têm caráter subsidiário em relação aos meios executivos típicos, devendo juiz, por conseguinte, observar alguns pressupostos para autorizá-los. Determinou o STJ que, antes de adotar a atipicidade executiva. Deve o juiz intimar o executado para pagar o débito ou apresentar bens destinados a saldá-lo. Só após esgotados os meios típicos, estaria autorizado o uso dos meios atípicos
O mesmo STJ aponta, objetivamente, alguns requisitos para se adotar as medidas executivas atípicas, tais como: i) existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir com a obrigação a ele imposta; ii) decisão devidamente fundamentada com base nas especificidades constatadas; iii) a medida atípica deve ser utilizada de forma subsidiária, dada a menção de que foram promovidas diligências à exaustão para a satisfação do crédito; e iv) observância do contraditório e o postulado da proporcionalidade.
O Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, do TST, em julgado da Seção de Dissídios Individuais – 2, daquele Tribunal Superior, entendeu que medidas executivas atípicas só podem ser aplicadas em caráter excepcional, especialmente quando há indícios de ocultação de bens. Portanto, em casos de não haver provas de ocultação de bens ou mesmo um padrão de vida elevado que revele a existência de patrimônio que lhes permita a satisfação do crédito, não é possível manter o bloqueio de cartões de crédito do sócio da empresa executada, como drástica medida a satisfazer a execução
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com efeito, as medidas executivas atípicas podem, eventualmente, ser bastante invasivas à esfera privada do devedor, ao revés das medidas típicas, que resguardam a liberdade individual e estão ligadas ao princípio da legalidade, com expressa previsão constitucional (art. 5°, II, da CF).
Verifica-se, por conseguinte, que apesar de não ser um tema pacificado na doutrina e na jurisprudência, posto ser ainda um instituto recente, já existem várias decisões permitindo, por exemplo, a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), uma vez que tal conduta, em regra, não violaria o princípio da menor onerosidade para o executado.
Uma preocupação recorrente deste autor, diz respeito ao limites e a conveniência da implementação de medidas indutivas, coercitivas e sub-rogatórias previstas no CPC (art. 139, IV), para que não sejam discricionárias ou até mesmo autoritárias, posto o dever do magistrado de equalizar o preceito processual fundamental do direito à solução do mérito e à atividade satisfativa em tempo razoável, com a efetividade da execução, pois, o art. 4º do CPC/15 preconiza que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
A utilização de métodos de coerção é um caminho mais fácil para o Estado fazer cumprir suas sentenças, porém, não se pode transformá-las em instrumento de vingança, em contrariedade a pretensão democrática do direito processual do trabalho de ser garantia de direitos fundamentais. Posto que a aplicação do artigo 139, IV do CPC não afasta o princípio da responsabilidade patrimonial do devedor.
Para além de ser uma grande inovação a possibilidade de uso das medidas atípicas na execução, seja de título judicial, como também de título extrajudicial, e sua perfeita adequação à principiologia que rege o processo do trabalho, devem ser respeitados os limites constitucionais do processo e que não se tornem excessivamente onerosas ao devedor, conforme impõe a principiologia do processo de execução e, principalmente, sejam tais medidas amparadas pelo princípio da dignidade da pessoa humana e do direito fundamental de liberdade de locomoção.
Portanto, ainda há um longo caminho até a consolidação das medidas executivas atípicas no sistema processual brasileiro, fazendo-se necessário um maior amadurecimento da cultura litigiosa no país, para construir bases mais sólidas do atual modelo de prestação da tutela satisfativa. Devendo os juízes do trabalho aplicar o inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil na execução trabalhista, apenas quando do exaurimento de todos os demais atos executórios, como flexibilização dos meios e do procedimento executivo, a sanar a incompletude e, por vezes, ineficácia dos meios executivos típicos. E não com a finalidade de ferir a dignidade ou locomoção do devedor, mas para obter a satisfação do título executivo.
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