Aldem Johnston Barbosa Araujo

O incoerente e incompatível art. 81, § 2º da Lei das Estatais

Postado em 12 de novembro de 2025 Por Aldem Johnston Barbosa Araújo Advogado de Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão Especial de Saneamento e da Comissão de Direito Administrativo da OAB/PE. Membro da Coordenação de Direito Público da Editora da OAB/PE. Pós-Graduado em Direito Público.

Nos termos da Lei nº 8.666/1993 (o revogado marco legal das licitações e contratações públicas), nenhum acréscimo ou supressão poderia exceder 25% (vinte e cinco por cento) e 50% (cinquenta por cento) do valor inicial atualizado do contrato exceto no caso de supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes (art. 65, § 2º, II).

A Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) praticamente replicou o texto da Lei nº 8.666/1993, e também estabeleceu que nenhum acréscimo ou supressão poderia exceder 25% e 50% do valor inicial atualizado do contrato exceto no caso de supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes (art. 81, § 2º).

Já a Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei Geral de Licitações e Contratos – NLGLC), não trouxe qualquer dispositivo que imponha limites – desde que evidentemente não ocorra transfiguração do objeto da contratação – às alterações quantitativas consensuais.

Em razão de tal omissão legislativa (verdadeiro silêncio eloquente), o TCE/MG entendeu que “no caso de acordo entre as partes, não há limitação expressa quanto ao percentual a ser acrescido ou diminuído ao contrato, sendo possível a alteração das quantidades indispensáveis à consecução do objeto, desde que comprovado o interesse público e a necessidade da alteração para a eficiente execução contratual. O acréscimo, contudo, não pode ser manifestamente desproporcional ao quantitativo inicialmente contratado, em respeito aos princípios do planejamento, da isonomia e da vinculação ao edital, cabendo à Administração comprovar, fundamentadamente, a vantajosidade da alteração em relação à realização de novo certame ou procedimento de contratação direta, observando os princípios e dispositivos contidos na Lei 14.133/2021[i].” tendo sido antecedido pela Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos da Consultoria Geral da União que entendeu que “as alterações consensuais não devem ser interpretadas da mesma forma que foram sedimentadas para a Lei nº 8.666/1993. Além disso, infere-se da leitura do texto da Lei nº 14.133/2021 que ela não contém nenhum dispositivo que estabeleça expressamente limites para as alterações quantitativas consensuais ou para as alterações qualitativas, sejam elas unilaterais ou consensuais, o contrário do que existia na Lei nº 8.666/1993[ii]”.

Agora, vejam que situação curiosa: enquanto a Lei das Estatais estabelece que o “contratado poderá aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos” (art. 81, § 1º) a NLGLC estabelece que o “o contratado será obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato que se fizerem nas obras, nos serviços ou nas compras, e, no caso de reforma de edifício ou de equipamento, o limite para os acréscimos será de 50% (cinquenta por cento)” (art. 125), ou seja, na Lei nº 13.303/2016 onde as alterações quantitativas são consensuais, apenas as supressões decorrentes de acordo entre as partes podem exceder 25% e 50% do valor inicial atualizado do contrato, ao passo que na Lei nº 14.133/2021, onde as alterações quantitativas são imponíveis ao contratado, tanto as supressões como os acréscimos decorrentes de acordo entre as partes podem exceder 25% e 50% do valor inicial atualizado do contrato.

Trata-se, portanto, de uma situação contraditória, vez que no ambiente contratual tipicamente consensual da Lei das Estatais as alterações quantitativas decorrentes de acordo entre as partes encontram limite, enquanto no ambiente contratual da supremacia do interesse público e das cláusulas exorbitantes, as alterações quantitativas consensuais – desde que não transfigurem o objeto do contrato – não encontram um limite predefinido.

Em tal cenário, revela-se claramente incoerente o art. 81, § 2º da Lei nº 13.303/2016 quando confrontado com o que prescreve a Lei nº 14.133/2021, pois um regime jurídico que era para ser mais flexível que o aplicável às licitações e contratações dos órgãos e entidades da Administração Pública, findou por restar mais restritivo.

Tal limitação contida art. 81, § 2º da Lei das Estatais – inexistente no âmbito da NLGLC, repita-se – finda por ser um imenso obstáculo no ambiente competitivo onde podem se inserir as empresas públicas e sociedades de economia mista.

Bom, considerando que o “elemento sistemático é aquele que preconiza que cada norma jurídica deve ser interpretada com consideração de todas as demais, e não de forma isolada[iii]” e que a “interpretação teleológica é a que busca a finalidade subjacente ao preceito a ser interpretado[iv]”, nos parece forçoso defender que, ante ao que dispõe o silêncio eloquente na Lei nº 14.133/2021, o limite estabelecido no art. 81, § 2º da Lei nº 13.303/2016 não pode, sob pena de violar a coerência do regime jurídico das licitações e contratações das empresas públicas e sociedades de economia mista, subsistir.

Mas, para que não se aguarde indefinidamente uma alteração legislativa no art. 81, § 2º da Lei das Estatais, é curial que empresas públicas e sociedades de economia mista busquem tentar afastar a aplicabilidade do limite previsto em tal dispositivo por meio de pareceres de procuradorias jurídicas e de consultas aos Tribunais de Contas.

E veja, para finalizar, o que se defende aqui não é que as empresas públicas e sociedades de economia mista se socorram ao chefe do respectivo Poder Executivo para exercer um controle de constitucionalidade e negar a aplicação do art. 81, § 2º da Lei nº 13.303/2016, algo vedado pelo STF (vide ADI 5297), o que se propõe é que, tendo em vista a Lei nº 14.133/2021, que se atenda aos fins sociais (art. 5º da LINDB) dos arts. 68 e 81, § 1º da Lei das Estatais e, numa interpretação sistêmica e teleológica, reconheça-se a incompatibilidade da limitação às alterações quantitativas decorrentes de acordo entre as partes até que haja a alteração legislativa do art. 81, § 2º da Lei nº 13.303/2016.


[i] TCE/MG, Consulta nº. 1188209. Rel. Cons. em exercício Telmo Passareli. Sessão do dia 06/08/25, Disponibilizada no DOC do dia 11/08/25. Colegiado. Pleno.

[ii] Nota nº 00004/2024/CNLCA/CGU/AGU.

[iii] Souza Neto, Cláudio Pereira de e Sarmento, Daniel, Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho, Belo Horizonte: Fórum, 2012, pág. 340.

[iv] Souza Neto, Cláudio Pereira de e Sarmento, Daniel, Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho, Belo Horizonte: Fórum, 2012, pág. 341.

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