Aldem Johnston Barbosa Araujo

Os parâmetros de responsabilização do fiscal do contrato pelos Tribunais de Contas

Postado em 24 de setembro de 2025 Por Aldem Johnston Barbosa Araújo Advogado de Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão Especial de Saneamento e da Comissão de Direito Administrativo da OAB/PE. Membro da Coordenação de Direito Público da Editora da OAB/PE. Pós-Graduado em Direito Público.

No regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista a figura do fiscal do contrato encontra, por força do art. 40, VII da Lei nº 13.303/2016, o desenho do seu figurino institucional no âmbito dos respectivos Regulamentos Internos de Licitações e Contratos.

Por outro lado, no regime geral das contratações da administração pública, a Lei nº 14.133/2021 se preocupou em detalhar o papel do fiscal do contrato. Pois, em contraste com a singeleza do revogado marco legal das licitações e contratos (art. 67 da Lei nº 8.666/1993), a Nova Lei Geral de Licitações e Contratos estabelece em seu art. 117 que um ou mais agentes públicos[i] exercerão a função de fiscal do contrato cabendo-lhes: (i) anotar em registro próprio todas as ocorrências relacionadas à execução do contrato, determinando o que for necessário para a regularização das faltas ou dos defeitos observados e informar a seus superiores, em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes, a situação que demandar decisão ou providência que ultrapasse sua competência.

O art. 117 da Lei nº 14.133/2021 ainda estabelece que o fiscal do contrato será auxiliado pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração, que deverão dirimir dúvidas e subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual, sendo possível ainda a contratação de empresa ou profissional para assistir e subsidiar o fiscal do contrato.

Assim, como bem resume Joel de Menezes Niebuhr, “o representante da Administração é o fiscal do contrato, quem está na linha de frente, acompanhando a execução do contrato e interagindo com o representante do contratado[ii]” e, cabe a ele “averiguar se o objeto é executado de acordo com as especificações do contrato e com os termos da proposta apresentada pelo contratado durante o processo de licitação pública. Aliado a isso, o fiscal deve acompanhar o cronograma de execução do contrato, especialmente em relação aos denominados contratos de escopo, a fim de evitar que o cronograma de execução não seja respeitado. Se o fiscal constata atraso considerável, deve comunicar à autoridade competente ou superior, sugerindo, se for o caso, que referido cronograma seja prorrogado[iii][iv]”.

E mais, como adequadamente pontuam Christianne Stroppa e Cristiana Fortini, “a eficiência de um contrato está diretamente relacionada ao acompanhamento de sua execução. O fiscal do contrato tem grande responsabilidade pelos seus resultados, devendo observar o cumprimento, pelo contratado, das regras técnicas, científicas ou artísticas previstas no instrumento contratual. Deverá adotar as providências necessárias ao fiel cumprimento do ajuste, tendo por parâmetro os resultados previstos no contrato. As decisões e providências que ultrapassarem a sua competência deverão ser encaminhadas a seus superiores, em tempo hábil, para a adoção das medidas convenientes[v]”.

Sendo, portanto, uma figura de extrema importância na execução contratual, é pertinente estudar os parâmetros utilizados pelos Tribunais de Contas para responsabilizar o fiscal do contrato.

Comecemos com um recente acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que destacou a condição do fiscal do contrato como um técnico especializado para ser responsabilizado em razão do pagamento de serviços não executados: “a responsabilidade pelo débito por pagamento de serviços não executados deve recair sobre o fiscal da obra, que, como técnico especializado, tem o dever de acompanhar e atestar sua execução, e sobre a empresa contratada, beneficiária dos recebimentos a maior, sendo indevida a responsabilização do gestor que autoriza os pagamentos quando a distorção entre o valor pago e o serviço efetivamente realizado for de difícil constatação por quem não tem conhecimentos técnicos específicos[vi]”.

O TCU também já responsabilizou fiscal de contrato em razão de problemas no ritmo da obra: “o fiscal de contrato, especialmente designado para o acompanhamento da obra, pode ser responsabilizado quando se omite na adoção de medidas necessárias à manutenção do ritmo de execução normal do empreendimento[vii]”.

No âmbito das Cortes de Contas dos entes subnacionais, o TCE/PI já multou fiscal de contrato por, dentre outros motivos, não fazer constar no processo de pagamento a emissão dos boletins de medição da obra que embasaram pagamentos[viii].

Para o TCE/RJ, mesmo não sendo ordenador de despesas, se o fiscal do contrato atestar a execução de serviços de forma diversa ao efetivamente executado, redundando em pagamentos indevidos, ficará responsável pelo ressarcimento ao erário[ix].

Voltando ao TCU, diga-se que, sob pena de multa, cabe ao fiscal do contrato notificar seus superiores sobre a necessidade de realizar o devido aditivo contratual[x].

Veja, diante do cenário aqui exposto, o fiscal do contrato deve atuar com extremo esmero, pois está atuando numa função (a qual não pode recusar destaque-se[xi]) que pode, como visto, redundar em severas consequências, razão pela qual, “diante da sobrecarga de trabalho para exercer adequadamente suas competências, em razão de elevado número de contratos já sob sua fiscalização, deve comunicar a situação a seus superiores, para adoção das medidas pertinentes[xii]”, cabendo-lhe ainda, por precaução, evidenciar eventuais condições precárias de trabalho[xiii] e, caso entenda não possuir conhecimento técnico para exercer suas competências, alegar o fato ao seu superior em tempo hábil, para adoção das medidas pertinentes [xiv].

[i] Que sejam, preferencialmente, servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública; que tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e que não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.

[ii] Niebuhr, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo, 5ª. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022, pág. 1.013.

[iii] Niebuhr, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo, 5ª. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022, pág. 1.014.

[iv] Niebuhr ainda elenca com exatidão algumas das preocupações que devem ser objeto de atenção por parte do fiscal do contrato no exercício do seu mister: “É muito importante que o fiscal esteja atento a algumas peculiaridades da Lei n. 14.133/2021, como o inciso XVI do caput do artigo 92 da Lei n. 14.133/2021, cujo teor exige que os contratados mantenham as suas condições de habilitação durante toda a execução do contrato. Por isso, o fiscal deve requerer e averiguar os documentos de habilitação do contratado periodicamente. É necessário, nesse passo, verificar se o contratado mantém situação de regularidade fiscal, mantém a sua capacidade técnica, especialmente se os profissionais indicados por ele na licitação participam efetivamente da execução do contrato, e se mantém as condições econômicas e financeiras para a execução do contrato, mormente no que tange à liquidez nos contratos de médio e longo prazo. Isso é mais e mais fundamental em relação aos contratos de terceirização de serviços em que o contratado disponibiliza à Administração empregados seus em regime de dedicação exclusiva. Ocorre que, se o contratado não cumpre as suas obrigações trabalhistas e previdenciárias, nos termos do §3º do artigo 121 da Lei n. 14.133/2021 e do Enunciado n. 331 do TST, a Administração corre o risco de ser responsabilizada solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas, arcando com prejuízo vultoso. Também, nesse contexto, é relevante que o fiscal atente a respeito do cumprimento de normas trabalhistas por parte do contratado, como, por exemplo, jornada de trabalho, limitações de horas extras e descanso semanal. Ocorre que a desobediência a tais normas trabalhistas também pode onerar a Administração no futuro, diante da aludida responsabilidade subsidiária. Ainda, o fiscal também deve verificar se o contratado obedece às normas relativas à segurança do trabalho, a fim de evitar acidentes, quer com agentes administrativos, quer com empregados do contratado, quer com terceiros, e a consequente responsabilização da Administração. O fiscal, afora essa questão trabalhista e previdenciária, deve averiguar se é o contratado, e não terceiro, quem executa o contrato. É preciso apurar se há cessão ou subcontratação fora das hipóteses legais.” (Niebuhr, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo, 5ª. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022, pág. 1.015)

[v] Stroppa, Christianne e Fortini, Cristiana, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, Fortini, Cristiana; Oliveira, Rafael Sérgio Lima de; Camarão, Tatiana (Coords.), Belo Horizonte: Fórum, 2022, pág. 355.

[vi] Acórdão 6138/2025 – Primeira Câmara

[vii] Acórdão 2.296/2019 – Plenário

[viii] “Constatado o descumprimento do art. 60, parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993, ao não se celebrarem aditivos contratuais e, ainda, descumprimento do art. 1º da Lei nº 6.496/77, ao não emitir ART de fiscalização de obras; bem como descumprimento dos arts. 62 e 63 da lei 4.320/64, ao não fazer constar no processo de pagamento a emissão dos boletins de medição da obra que embasaram pagamentos; pugna-se pela aplicação de multa ao fiscal do contrato” (TCE/PI, Controle Social. Processo TC/021124/2019– Relatora: Cons.ª Flora Izabel Nobre Rodrigues. Primeira Câmara. Decisão Unânime. Acórdão nº 536/2023-publicado no DOE/TCE-PI º 208/2023)

[ix] “O fiscal de contrato que realiza indevida atestação da execução de serviços, deixando de refletir a realidade da prestação contratual e dando causa a pagamentos indevidos que culminaram em vultoso dano aos cofres municipais, fica responsável pelo ressarcimento ao erário, a despeito de não ter atuado como ordenadores de despesa” (TCE/RJ, Acórdão nº 078527/2024 – Plen, Processo TCE-RJ nº 230.154-0/2014, Relator: Conselheiro Marcio Henrique Cruz Pacheco, em 29/10/2024)

[x] “O fiscal do contrato tem o dever de conhecer os limites e as regras para alterações contratuais definidos na Lei de Licitações, e, por conseguinte, a obrigação de notificar seus superiores sobre a necessidade de realizar o devido aditivo contratual, evitando a atestação da execução de itens não previstos no ajuste, sob pena de ser-lhe aplicada a multa do art. 58, inciso II, da Lei 8.443/1992” (Acórdão 43/2015 – Plenário)

[xi] “O servidor designado para exercer o encargo de fiscal não pode oferecer recusa, porquanto não se trata de ordem ilegal. Entretanto, tem a opção de expor ao superior hierárquico as deficiências e limitações que possam impedi-lo de cumprir diligentemente suas obrigações. A opção que não se aceita é uma atuação a esmo (com imprudência, negligência, omissão, ausência de cautela e de zelo profissional), sob pena de configurar grave infração à norma legal” (TCU, Acórdão 2.971/2010 – Plenário)

[xii] “O fiscal de contrato designado, diante da sobrecarga de trabalho para exercer adequadamente suas competências, em razão de elevado número de contratos já sob sua fiscalização, deve comunicar a situação a seus superiores, para adoção das medidas pertinentes, sob risco de vir a responder por eventual prejuízo causado ao erário” (TCU, Acórdão 3053/2025 – Segunda Câmara)

[xiii] “Demonstrado nos autos que a responsável pela fiscalização do contrato tinha condições precárias para realizar seu trabalho, elide-se sua responsabilidade” (TCU, Acórdão 839/2011 – Plenário)

[xiv] “O fiscal de contrato designado, caso entenda não possuir conhecimento técnico para exercer suas competências, deve alegar o fato ao seu superior em tempo hábil, para adoção das medidas pertinentes, sob risco de vir a responder por eventual prejuízo causado ao erário (art. 67, § 2⁰, da Lei 8.666/1993)” (TCU, Acórdão 10.868/2018 – Segunda Câmara)

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