Desde sua introdução pela Lei Federal nº 13.964/2019, o chamado “Pacote Anticrime”, o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) transformou-se em uma das mais relevantes ferramentas de justiça negociada no Brasil. O instituto não apenas responde à crise de sobrecarga do sistema penal, mas reflete uma mudança paradigmática em direção a um modelo mais eficiente, proporcional e comprometido com as garantias fundamentais.
O ANPP evoluiu dogmaticamente ao consolidar-se como instrumento de proteção de direitos. Inicialmente concebido como medida pré-processual, sua aplicação foi ampliada pelo Supremo Tribunal Federal (STF, Plenário, HC 185.913), que admitiu sua celebração até o trânsito em julgado da sentença condenatória, reforçando o compromisso do sistema jurídico com a máxima efetividade das garantias constitucionais.
Contudo, não se pode ignorar as inquietações que permeiam o instituto. Entre as principais críticas, destacam-se: (i) a recusa não fundamentada ou com motivação inidônea por parte do Ministério Público; (ii) a exigência de confissão como requisito indispensável, em afronta ao princípio nemo tenetur se detegere; e (iii) as incertezas interpretativas em hipóteses de concurso de crimes ou causas de aumento de pena.
A ausência de fundamentação na recusa compromete não apenas o devido processo legal, mas também a própria dignidade do investigado, ao submeter o indivíduo a constrangimentos desnecessários e desproporcionais. Ainda mais grave é a exigência de confissão formal e circunstanciada como condição para o acordo. Tal imposição viola frontalmente a garantia de não autoincriminação, prevista na Constituição e em tratados internacionais, como o Pacto de San José da Costa Rica, pilares de uma justiça penal democrática e humanizada.
A recente Resolução nº 289/2024 do CNMP, ao dispor que “a denúncia poderá basear-se na confissão formal e circunstanciada do investigado”, agrava esse cenário. Ao aproximar a confissão negocial (art. 28-A, CPP) daquela prevista nos arts. 197 a 200 do mesmo código, a norma desvirtua o caráter meramente negocial do ANPP. O legislador foi claro ao determinar que o cumprimento do acordo extingue a punibilidade e não gera antecedentes (§§ 12 e 13 do art. 28-A). Transformar a confissão em prova de culpa esvazia o acordo de seu propósito original e desequilibra a paridade entre acusação e defesa.
Diante disso, impõe-se à advocacia criminal um papel proativo e coletivo: resistir à banalização da confissão negocial e reafirmar que sem defesa efetiva, não há acordo legítimo, não há consenso, e não há justiça. Cabe à classe, nas tribunas, nas comissões e nos tribunais, resguardar o ANPP como instrumento de garantias, não de submissão.
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