A construção de identidades maternas simbólicas por meio da interação com bonecos, como os bebês reborn, levanta uma questão sensível: até que ponto o Direito pode — ou deve — intervir nessas práticas?
Embora o fenômeno possa parecer inofensivo ou restrito à esfera privada, o debate jurídico ganha força quando essas identidades começam a reivindicar benefícios reservados a mães e filhos reais, como atendimento médico, prioridade em filas, inclusão em campanhas de vacinação e até guarda compartilhada ou pensão alimentícia.
Do ponto de vista legal, não há respaldo para essas demandas. Por se tratar da relação com um objeto, e não com uma pessoa, o ordenamento jurídico brasileiro não reconhece direitos como filiação, adoção ou pensão nesse contexto. Quando há tentativa de acessar benefícios públicos com base nessas relações simbólicas, pode-se configurar fraude, má-fé ou lesão ao interesse coletivo, especialmente com o uso indevido do SUS ou a ocupação de leitos hospitalares.
Em resposta a esses casos, discute-se a criação de projetos de lei que prevejam multas, restrição de atendimentos públicos e, por outro lado, o desenvolvimento de programas de saúde mental voltados às mulheres que manifestam esse tipo de vínculo afetivo.
O debate, porém, vai além da letra da lei. Reflete uma sociedade marcada pela espetacularização das afetividades e pela perda de referências racionais diante das tecnologias e redes sociais. Estaríamos diante de um modismo, de uma carência afetiva extrema, ou de um sintoma mais profundo de fragilidade emocional?
A maternidade simbólica pode até ser respeitada como expressão individual. Mas, quando busca reconhecimento legal ou interfere na esfera pública, o Direito precisa agir para preservar a racionalidade jurídica, o bom uso dos recursos estatais e o equilíbrio entre liberdade pessoal e responsabilidade coletiva.
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