Jose Durval de Oliveira Queiroz dos Santos E Joao Pedro de Albuquerque Moura

Conversão de sociedade empresária em associação: Aspectos societários e tributários

Postado em 13 de agosto de 2025 Por José Durval de Oliveira Queiroz dos Santos Acadêmico de Direito, atualmente no 8º período da Universidade Católica de Pernambuco, atuando na área de Direito Tributário no Escritório Da Fonte Advogados, com ênfase em tributos municipais. Participa de competições acadêmicas nacionais, como a CAMARB, voltada ao Direito Societário e Processo Arbitral, e a Tax Moot, sobre Direito Tributário. Pelo segundo ano consecutivo, desenvolve pesquisa no PIBIC sob a orientação do professor Lúcio Grassi de Gouveia.Por João Pedro de Albuquerque Moura Acadêmico de Direito, cursando o 6º período na Uninassau, também atuando no Escritório Da Fonte Advogados na área de Direito Tributário, com foco em tributos municipais. Ao longo da graduação, participou de competições acadêmicas como a CAMARB, voltada ao Direito Societário e ao Processo Arbitral.

Introdução 

A conversão de uma sociedade empresária em associação sem fins lucrativos é uma operação ainda pouco tratada no direito brasileiro. A mudança envolve não apenas a alteração do tipo societário, mas sobretudo uma mudança de finalidade institucional: abandona-se a lógica da finalidade lucrativa e da distribuição de resultados entre os sócios para adotar um modelo voltado à promoção de objetivos não econômicos. Diante das marcantes distinções entre essas duas formas, no plano da finalidade, da estrutura organizacional, do regime jurídico e do tratamento tributário, a operação suscita relevantes questionamentos sobre sua viabilidade legal e os impactos que dela decorrem, especialmente no campo societário e fiscal.

Para ilustrar a complexidade e os desdobramentos práticos dessa conversão, analisa-se o caso da Roncador Imobiliário Ltda., cuja solicitação de transformação foi inicialmente indeferida pelo Registro Civil das Pessoas Jurídicas, sob alegação de incompatibilidade dentre os tipos jurídicos. Posteriormente, contudo, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a validade da operação, sendo observadas as exigências legais do novo regime associativo.

Este estudo tem como objetivos específicos: (i) analisar os fundamentos legais e doutrinários que autorizam a conversão de sociedade em associação, com ênfase na preservação da personalidade jurídica e na adaptação ao novo regime; (ii) identificar os limites e desafios práticos da operação, à luz do caso Roncador, especialmente no que se refere à compatibilidade dentre os tipos jurídicos, à adaptação dos atos constitutivos e às exigências registrais; e (iii) avaliar os impactos tributários da conversão, considerando o princípio da substância sobre a forma e a vedação a planejamentos abusivos.

1. Aspectos societários da transformação de sociedade em uma associação 

A conversão de uma sociedade empresária em associação sem fins lucrativos é a operação pela qual a pessoa jurídica altera sua forma organizacional e sua finalidade institucional, deixando de ter o lucro distribuível como escopo e passando a atuar em prol de objetivos não lucrativos. Apesar da mudança de tipo societário, a personalidade jurídica é mantida, sem dissolução ou liquidação¹, conforme o artigo 1.113 (C.C.).  

Modesto Carvalhosa observa que a conversão depende do consentimento de todos os sócios, devendo prevalecer a unanimidade sempre que a mudança afetar a essência do ente jurídico, como se dá na transição para entidade sem fins lucrativos⁴, sendo assegurados os direitos dos credores2.  

A Instrução Normativa DREI nº 81/2020, com redação da IN DREI/ME nº 88/2022, regulamenta a matéria no art. 85, permitindo a conversão de empresário individual, sociedade empresária ou cooperativa em sociedade simples ou associação, também para outra unidade da federação. Nesses casos, o instrumento de conversão deve ser arquivado na Junta Comercial da sede e, depois, inscrito no Registro Civil com as formalidades aplicáveis⁶.

A operação, na prática, representa uma conversão funcional e finalística: altera o regime jurídico e a finalidade institucional. Apesar de formalmente classificada como conversão, envolve elementos típicos de reorganização estrutural e deve, portanto, refletir uma mudança material legítima3, com nova missão estatutária, estrutura de governança e afetação patrimonial a fins não econômicos.

Um dos principais desafios é a ausência de capital social nas associações. O patrimônio da sociedade deve ser integralmente destinado à nova entidade, sem qualquer distribuição a sócios. Caso pretendam retirar valores, os sócios devem previamente aprovar a redução do capital. Como observa Maria Helena Diniz, não há necessidade de dissolução ou liquidação prévia nesse tipo de conversão¹.

A mudança também afeta o modelo de governança e o regime de responsabilização: nas sociedades, os sócios votam conforme sua participação no capital; nas associações, vigora o princípio da igualdade entre associados, alterando a dinâmica decisória e impactando o perfil de controle e financiamento da entidade.

Em suma, não é aceitável uma conversão “para inglês ver”. Prevalece a substância sobre a forma. Portanto, uma conversão de sociedade em associação é uma mudança na essência da pessoa jurídica.  

2. Reconhecimento da Conversão no caso Roncador Imobiliário Ltda

O caso em análise trata da possibilidade jurídica de conversão de uma sociedade empresária em associação sem fins lucrativos. O pedido foi inicialmente indeferido pelo Registro Civil de Pessoas Jurídicas, alegando que não seria possível transpor a distinção ontológica dentre os dois tipos jurídicos.

Segundo o entendimento do registrador, a sociedade empresária é orientada pela finalidade lucrativa e pela distribuição de resultados dentre os sócios (art. 981 do C.C), enquanto a associação se estrutura pela ausência de finalidade lucrativa e pela vedação à distribuição de excedentes dentre os associados (art. 53 do C.C). Essa diferença substancial, para ele, caracterizaria uma incompatibilidade normativa e ontológica, dada a submissão a regimes jurídicos e tributários distintos.

Após o indeferimento, o caso foi submetido à Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo4, que afastou a tese de incompatibilidade absoluta. Embora reconheça as diferenças entre os tipos jurídicos, o órgão concluiu que não há impedimento para a conversão, se os atos constitutivos sejam adequados ao regime associativo e observem os requisitos legais.

De fato, o art. 85 da Instrução Normativa DREI nº 81/2020 admite expressamente a conversão de sociedade empresária em associação, se o novo ato constitutivo esteja consolidado e em conformidade com as normas aplicáveis ao novo tipo jurídico.

Ademais, a operação inversa (conversão de associação em sociedade empresária) já é admitida em contextos específicos, como nas instituições de ensino superior (art. 13 da Lei nº 11.096/2005) e nos clubes esportivos (art. 2º da Lei nº 14.193/2021). Se o ordenamento admite, a conversão de associações em sociedades empresárias, não há fundamento legítimo para vedar o caminho inverso, se respeitados os princípios da legalidade, segurança jurídica e função social da personalidade jurídica.

Assim, ainda que a conversão exija um procedimento mais complexo, com a adaptação da estrutura e da finalidade da pessoa jurídica, inexiste vedação legal à sua realização. A diferença dentre os tipos societários não impede a conversão, se cumpridos os requisitos legais e finalísticos.

Dessa forma, a CGJ/SP autorizou a conversão perante o 1º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Capital. Entendeu-se que não há impedimento legal para que os sócios de uma sociedade renunciem voluntariamente ao lucro e convertam a entidade em uma associação sem fins lucrativos, sobretudo porque tal operação, assim como sua inversa, encontra respaldo na legislação vigente.

3. Impactos tributários da conversão de sociedade empresária em associação: Relevância para o planejamento tributário  

A conversão de uma sociedade empresária em associação sem fins lucrativos pode configurar uma estratégia legítima de reorganização institucional, com impactos relevantes no campo fiscal. Trata-se de uma mudança de modo societária que modifica substancialmente o regime jurídico e tributário da entidade, exigindo análise criteriosa no contexto do planejamento tributário.

O planejamento fiscal, nesse sentido, consiste na organização do contribuinte mediante escolhas estratégicas, como a definição da estrutura jurídica mais adequada à atividade exercida ou a adoção do regime fiscal mais vantajoso, com o objetivo de reduzir legalmente a carga tributária e preservar a viabilidade econômica do empreendimento5.

Essas estratégias podem ser lícitas ou ilícitas, estas sujeitas à desconsideração e a sanções administrativas e penais, e normalmente se traduzem em condutas voltadas à redução, à postergação ou à exclusão da incidência do tributo. Antônio Fernandes de Oliveira sustenta que é legítimo aos sócios e às pessoas jurídicas organizarem-se da forma que melhor lhes convenha, se paguem apenas os tributos efetivamente devidos6.

No caso da conversão, a nova natureza jurídica da associação pode ensejar a fruição de imunidades e isenções relevantes, como IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e ISS, se cumpridos os requisitos constitucionais e legais. Esses benefícios estão condicionados à ausência de finalidade lucrativa, à aplicação integral dos recursos nas atividades institucionais e ao cumprimento de obrigações estatutárias e contábeis específicas (CF, art. 150, VI, “c”; Lei nº 9.532/1997).

A operação demanda análise técnica de variáveis estratégicas, como: existência de lucros acumulados, continuidade da personalidade jurídica, afetação do patrimônio à finalidade institucional, responsabilidade por passivos tributários e adequação contábil ao novo regime. No estudo de Moraes (2021), uma sociedade empresária do setor educacional foi convertida em associação, gerando economia superior a R$ 312 mil por ano em tributos federais7. O sucesso da operação decorreu da efetiva alteração da missão institucional, com adoção de novo estatuto e reestruturação da governança.

Contudo, esse benefício não pode ser analisado de modo isolada. A conversão implica mudança estrutural de finalidade. No exemplo citado, a economia tributária decorreu de uma conversão autêntica, e não de um expediente meramente formal. O planejamento só será legítimo quando refletir uma mudança real de finalidade.

Além disso, operações simuladas ou sem propósito negocial legítimo podem ser requalificadas pela Receita Federal, com exigência de tributos, aplicação de multas e eventual responsabilização dos administradores8. A conversão, portanto, precisa estar fundada em objetivos institucionais compatíveis com o novo regime jurídico9.

A responsabilidade tributária da associação, por outro lado, permanece quanto a débitos anteriores à conversão, em razão da continuidade da personalidade jurídica, conforme observam Souza e Zancanella (2023)10. Ademais, o desenvolvimento de atividades alheias às finalidades estatutárias pode acarretar a perda das imunidades, sujeitando a entidade à tributação sobre as receitas específicas envolvidas, como PIS, COFINS e ISS.

Em síntese, a conversão pode integrar estratégias legítimas de planejamento tributário, se conduzida com seriedade institucional, aderência à lógica do terceiro setor e efetiva mudança de finalidade. Os ganhos fiscais devem ser consequência da nova estrutura jurídica, e não sua motivação exclusiva. Quando estruturada com transparência, governança e finalidade social genuína, a operação pode representar uma convergência virtuosa entre atividade econômica e impacto social.

Conclusão  

A conversão de sociedade empresária em associação sem fins lucrativos é juridicamente admitida, se cumpridos os requisitos legais e estatutários. No entanto, sua viabilidade prática exige análise rigorosa, sobretudo quando associada a estratégias de reorganização institucional e planejamento tributário.

Mais do que uma alteração formal, a conversão demanda mudança real de finalidade: abandono do lucro distribuível e adoção de objetivos não econômicos, com governança compatível com o regime associativo. Os benefícios fiscais, como imunidades e isenções de IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e ISS, apenas são válidos se refletirem uma transformação autêntica da finalidade institucional. A forma jurídica, isoladamente, não basta.

Por isso, a viabilidade da conversão deve considerar fatores como destinação de lucros acumulados, continuidade da personalidade jurídica e dos passivos, vinculação do patrimônio à nova finalidade, adaptação contábil e risco de desqualificação fiscal. Operações com foco exclusivo em redução tributária, sem adesão material ao novo regime, podem ser consideradas abusivas e sujeitas à cobrança de tributos, multas e sanções.

Assim, embora legítima, a conversão requer comprometimento concreto com a nova lógica institucional. Os benefícios fiscais devem ser consequência, não causa da mudança. Quando há aderência real à missão do terceiro setor, a operação representa não apenas eficiência tributária, mas um redesenho jurídico comprometido com a função social da entidade.

Referências 

DINIZ, Maria H. Tratado teórico e prático dos contratos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 4, p. 159–1611.

CARVALHOSA, Modesto; AZEVEDO, A. J. de (coord.). Comentários ao Código Civil: Do Direito de Empresa (arts. 1.052 a 1.195). 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 13, p. 4952.

RUIZ, Luísa T. Aspectos societários da transformação de associações sem fins lucrativos em sociedades empresárias. São Paulo: Insper, 20213.

SÃO PAULO. CGJ. Recurso Adm. n. 1066812-95.2023.8.26.0100. Rel. Des. Fernando A. T. Garcia, j. 13 mar. 20244.

COURA, Larissa A. P. Operações de reestruturação empresarial e planejamento fiscal. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Coimbra, 20215.

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MORAES, Pedro H. L. Transformação societária como instrumento de planejamento tributário: estudo de caso de empresa transformada em associação sem fins lucrativos. Dissertação (Mestrado em Direito Tributário) – USP 202 1⁷.

PINTO, Ricardo M. O. Planejamento tributário e legalidade. São Paulo: Dialética, 2022⁸.

MELO, Thiago C. Transformação de sociedades e planejamento tributário: limites e possibilidades à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Revista de Direito Tributário Contemporâneo, v. 8, n. 2, p. 143–159, 2023 ⁹.

SOUZA, Daniel; ZANCANELLA, Luiz C. Continuidade jurídica e responsabilidade tributária na transformação de pessoas jurídicas. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 320, p. 67–84, jan. 2023 ¹⁰.

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