No mundo em que vivemos, o espaço digital se tornou inevitável extensão da realidade analógica — onde convivem relações pessoais, transações econômicas, termos de uso, disputas por tempo e atenção dos usuários, além do cometimento crimes e abusos de todos os tipos.
Assim como os meios tradicionais de comunicação — emissoras de rádio e TV exercem suas atividades empresariais estritamente reguladas pelas leis brasileiras para garantir pluralidade, decoro e respeito aos direitos individuais —, as plataformas digitais não podem operar à margem do Estado de Direito.
Por trás de cada feed personalizado, há algoritmos capazes de moldar percepções, influenciar escolhas e até manipular vontades, em uma mediação que executa verdadeira e agressiva censura. O sigilo dos algoritmos – e de seus filtros e comandos que levam à maior ou menor exposição de cada conteúdo – permite que as empresas de comunicação – equivocadamente tratadas como do ramo da tecnologia – efetivamente definam as regras do jogo por meio de seus termos de uso, operando em suposto vácuo regulatório, por se considerarem imunes às normas jurídicas dos Estados Soberanos em que desenvolvem suas atividades empresariais, é dizer, se furtam à responsabilidade de resguardar os direitos individuais dos cidadãos e de garantir um ambiente digital saudável, em respeito aos princípios democráticos.
A equivocada ideia de que cada uma destas plataformas, por força de seus termos de uso, detém poderes exclusivos quanto às funções de criar as regras (os termos de uso), interpretá-las e aplicá-las aos casos concretos (moderadores humanos ou algorítimicos), e executá-las na administração da plataforma oferecida ao público, levaria à absurda tolerância de entidades com poderes despóticos e absolutistas, criando verdadeiros feudos digitais.
Recordemos a herança civilizatória da Revolução Francesa, a separação de Poderes do Estado como salvaguarda essencial contra o despotismo e a tirania. Montesquieu, ao argumentar que o Poder Político deveria ser dividido para evitar a concentração excessiva de autoridade, estabeleceu as bases do Constitucionalismo Democrático, a exigir equilíbrio e limitação entre os Poderes do Governo, para garantir a liberdade individual e a proteção dos direitos civis.
O mesmo se deve aplicar ao que acontece no ambiente digital, pois que extensão do mundo analógico, não se afigurando possível o monopólio de empresas privadas sobre as decisões do que deve ser lido, visto ou discutido – e por quem – além do que deve ser tolerado , excluído ou punido – e em qual extensão – e como isso deve ser implementado no ambiente oferecido ao público. O leitor que prestou mais atenção identificou as competências dos três Poderes do Estado.
No Brasil, a Constituição garante os Direitos à Cidadania, Dignidade, Pluralismo Político, Privacidade (inclusive à Segurança de Dados), Liberdade de Expressão, Propriedade Intelectual e Proteção contra Discriminação e Assédio. Qualquer empresa com atividade em território nacional os deve respeitar. Neste contexto, necessário concluir que a adequada programação dos algoritmos digitais não está excluída da ordem normativa genérica.
Cabe, neste momento, ao Congresso Nacional elaborar regulação mais específica e adaptada à atividade nos meios digitais, a reafirmar que nenhuma entidade — pública ou privada — está acima da lei, nem mesmo quando disfarçada de inovação tecnológica.
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