Valdilene Luiza da Silva

Do abstrato ao concreto: O processo estrutural na defesa da dignidade sexual feminina

Postado em 29 de outubro de 2025 Por Valdilene Luiza da Silva Advogada na ONG Mapa do Acolhimento, Pós-graduada em Direito Processual Civil, em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, Pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal, Membra da Comissão de Direito Penal na OAB/PE, Graduanda de Licenciatura em Filosofia (UFPE). (81) 99727-1569 99824-4625

Introdução

A dignidade da pessoa humana se apresenta como a base inegociável e o valor mais elevado que rege todo o sistema legal, um princípio fundamental endossado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (ALVES, 2011). É um conceito com diversas camadas, ancorado em pilares filosóficos, históricos e jurídicos, sendo a sustentação da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Diferente da perspectiva jusnaturalista, que defende a existência de direitos universais e inalteráveis, a dignidade humana e os Direitos Humanos são hoje entendidos como uma construção social que evoluiu ao longo do tempo, fruto de inúmeras lutas contra regimes opressores, como foi a superação das antigas Ordenações Filipinas. No contexto brasileiro, esse conceito de dignidade não é apenas um ideal, mas um fundamento essencial do Estado Democrático de Direito e uma cláusula pétrea da Constituição. Apesar de ser um valor universal e ter um status legal privilegiado, notamos uma distância notável entre a dignidade humana: o conceito em sua forma mais abstrata e a dignidade sexual feminina aexperiência em sua realidade concreta (HUNT, 2009 p. 26). Essa contradição se manifesta no choque entre o valor inerente de cada indivíduo e a realidade histórica de objetificação e controle que tem sido imposta ao corpo da mulher. Este resumo expandido tem o propósito de debater essa lacuna, argumentando que a falha em garantir a plena dignidade sexual feminina se deve a uma crise na proteção desses direitos, na linha do que aponta Norberto Bobbio (2004), e a uma falha estrutural, tanto  de empatia na sociedade quanto dos instrumentos estatais utilizados que parece andar em círculo, insistindo nas mesmas práticas judiciais políticas públicas, sem avanço, ferindo a dignidade feminina, direito fundamental essencial de valor absoluto (HUNT, 2009).

Metodologia

O estudo partiu de uma análise bibliográfica qualitativa para estabelecer o diagnóstico do problema, utilizando os métodos de análise documental e bibliográfica (BOBBIO, 2004; HUNT, 2009), textos que exploram os alicerces sociais da justiça e da comunicação (ROSENBERG, 2006; ZEHR, 2008; PRANIS, 2010), além de material conceitual de apoio. Em seguida, a pesquisa avançou para uma análise documental: o texto do Projeto de Lei nº 03/2025 e da Ação de Descumpriment de Preceito Fundamental ADPF 1242 que está em fase inicial de tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar se há omissão estatal no combate à violência doméstica, especialmente o descumprimento de deveres por parte do poder público.   

Resultados e Discussão

Os resultados permitem destacar as seguintes observações: 1. A lacuna entre a norma e a realidade. Seu primeiro resultado é a constatação da distância notável entre o conceito abstrato de dignidade humana e a experiência concreta da dignidade sexual feminina. 2. O problema é de proteção, não de fundamentação. Com base em Bobbio, é possivel identificar que a falha não reside na falta de um fundamento teórico para o direito, mas sim na ineficácia da sua proteção 3. A persistência da violência e da objetificação do corpo da mulher é a prova de que o sistema falha em proteger esse direito específico. 4. A causa raiz é uma falha estrutural de empatia. A negação da dignidade sexual feminina se origina de uma “falha estrutural de empatia na sociedade”, que permite a objetificação e impede o reconhecimento da mulher como sujeito de plenos direitos. 5. Diante da insuficiência do modelo de justiça tradicional, e os índices alarmantes de mulheres vítimas da violência, foi identificada uma tendência no debate jurídico-legislativo brasileiro que busca criar ferramentas para lidar com problemas complexos e sistêmicos, como a omissão estatal na proteção dos direitos das mulheres: o Projeto de Lei nº 3 de 2025, cujo objeto visa disciplinar os “processos estruturais”, uma modalidade de ação judicial destinada a resolver  “problemas complexos e de grande impacto social”  para os quais as soluções tradicionais são insuficientes. 6. A “falha estrutural de empatia” e a “crise na proteção”  são exatamente o tipo de  “problema complexo” que o PL 3/2025 que visa regulamentar os chamados “processos estruturais” busca endereçar, visto que propõe disciplinar ações judiciais voltadas a solucionar  “problemas complexos e de grande impacto social”, como a violência contra a mulher, propondo “aumento da participação e do diálogo entre as partes envolvidas e os grupos impactados, promovendo decisões mais inclusivas”, evidenciando-se, a busca pelo respeito e empatia. A violência contra a mulher, alimentada por uma omissão estatal recorrente, é um exemplo claro de uma falha estrutural que demanda soluções igualmente estruturais. 7. os resultados parciais indicam que, enquanto a Justiça Restaurativa e a Comunicação Não Violenta oferecem uma abordagem microssocial para reconstruir a empatia. Os achados iniciais demonstram que o desafio para a efetivação da dignidade sexual feminina não reside em sua fundamentação teórica, mas em uma grave crise de proteção. Essa falha se manifesta na persistência da objetificação do corpo feminino e é causada por uma falha estrutural de empatia na sociedade, que impede o reconhecimento da mulher como um sujeito de plenos direitos.

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Conclusão

A dignidade da pessoa humana, enquanto princípio basilar do sistema de Direitos Humanos, encontra um obstáculo considerável para ser plenamente concretizada no campo da dignidade sexual feminina. A questão central não se encontra mais em sua declaração, ou na sua fundamentação teórica, mas sim na insuficiência de respostas de proteção e efetividade no âmbito jurídico e social, exatamente como apontou Bobbio. A objetificação e o controle da sexualidade feminina, em sociedade, que negam a autonomia da mulher enquanto sujeito de direitos, demonstram uma grave omissão estrutural do Estado. Somente a intervenção estatal, por meio de políticas públicas eficazes de educação, conscientização e prevenção criminal, pode romper o ciclo de violência contra a mulher instaurado na sociedade e garantir o pleno respeito à dignidade e à inteireza do indivíduo. Portanto, o resultado parcial desta análise aponta que, enquanto o problema da dignidade sexual feminina tem raízes em uma falha de empatia, de olhar para o problema e promover as soluções podem passar por inovações jurídicas capazes de forçar uma reestruturação das políticas públicas, alinhando-se à busca por uma proteção mais efetiva, como defendido por Bobbio.

Referências

ALVES, José Augusto Lindgren. A Declaração dos Direitos Humanos na Pós-Modernidade. Disponível em:

https://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/lindgrenalves/lindgren_100.html Acesso em: 21 set. 2025.

BENTES, L. Falta de informação é desafio para combater violência contra a mulher. G1 Pará, Belém, 8 mar. 2017.

Disponível em: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2017/03/falta-de-informacao-e-desafio-para-combater-violencia-contra-mulher.html. Acesso em: 14 set. 2025.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2025. Disponível em: https://normas.leg.br/?urn=urn:lex:br:federal:constituicao:1988-10-05;1988 Acesso em: 27 set. 2025.

HUNT, Lynn.A Invenção dos Direitos Humanos: Uma História. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

NOVELINO, Marcelo. Manual de direito constitucional. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.

NUNES, A. L. Violência doméstica e omissão estatal: o processo estrutural pode romper o ciclo? JOTA, Coluna Advogadas Públicas em Debate, 28 jul. 2025. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/advogadas-publicas-em-debate/violencia-domestica-e-omissao-estatal-o-processo-estrutural-pode-romper-o-ciclo. Acesso em: 15 set. 2025.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: https://share.google/gDFboFBBilNxG9OpR  Acesso em: 20 set. 2025.

PRANIS, Kay. Círculos de justiça restaurativa e de construção da paz: guia do facilitador. Tradução: Fátima De Bastiani. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas, c2011. 42 p.

ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Tradução de Mário Vilela. São Paulo: Ágora, 2006.

ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco Sobre o Crime e a Justiça. São Paulo: Palas Athena, 2008.

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