Leticia Ferreira da Silva

Entre a desinformação e o Direito: O perigo dos falsos advogados na era digital

Postado em 15 de outubro de 2025 Por Leticia Ferreira Acadêmica de Direito pela Faculdade Imaculada Conceição – Recife - FICR. Assistente Jurídico. Membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB

O advento da internet trouxe um fenômeno inegável: a democratização do acesso à informação. No entanto, essa mesma democratização abriu portas para um novo problema que ameaça a credibilidade e a ética da advocacia — a proliferação de “falsos advogados” e “influenciadores jurídicos” que, sem formação adequada ou registro na Ordem dos Advogados do Brasil, disseminam conteúdos distorcidos, vendem “assessorias jurídicas” ilegais e induzem o público ao erro.

O fenômeno não é novo, mas ganhou força com as redes sociais e as novas formas de consumo de informação. A advocacia, profissão de natureza pública e regida por princípios éticos e legais rigorosos, passou a dividir espaço com vozes que falam em nome do Direito sem deter o conhecimento técnico ou a legitimidade profissional necessária.

Neste artigo, propõe-se uma reflexão crítica e fundamentada, à luz do Código de Ética e Disciplina da OAB, sobre os riscos sociais e jurídicos desse fenômeno, a responsabilidade institucional da advocacia e o papel ético dos verdadeiros profissionais do Direito frente à desinformação digital.

O artigo 1º do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994) é claro ao dispor que são atividades privativas do advogado:

I – A postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;

II – As atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. ”

No entanto, a realidade mostra uma prática reiterada de indivíduos que, sem inscrição na OAB, oferecem serviços de “consultoria jurídica online”, redigem petições e até intermediam acordos extrajudiciais. Essas condutas configuram exercício ilegal da profissão, crime previsto no artigo 47 do Código Penal, que pune quem exerce profissão sem preencher as condições legais.

O Código de Ética e Disciplina da OAB, em seu artigo 2º, reafirma que o advogado deve pautar sua conduta pelos princípios da honestidade, decoro, veracidade, lealdade e boa-fé, devendo preservar a dignidade da advocacia.

A banalização de conteúdos jurídicos nas redes sociais — muitas vezes apresentados como “dicas milagrosas”, “modelos prontos” ou “jeitos de resolver tudo sem advogado” — afronta diretamente esses princípios e contribui para o enfraquecimento da imagem institucional da profissão.

A difusão irresponsável de informações jurídicas pela internet não é apenas um problema ético; é um problema social e jurídico de larga escala.

Muitos cidadãos, em busca de soluções rápidas e acessíveis, acabam sendo vítimas de “consultores” ou “mentores jurídicos” que, sem formação ou inscrição, prometem resultados irreais, distorcem leis e simplificam temas de alta complexidade técnica.

Essa banalização do conhecimento jurídico gera um ciclo de desinformação, descrédito e insegurança jurídica.

O artigo 7º do Código de Ética da OAB reforça que o advogado deve “abster-se de expor causas sob seu patrocínio em meios de comunicação, de forma a comprometer o sigilo profissional ou a dignidade da profissão”. Ainda que muitos dos falsos profissionais não estejam submetidos à norma, os advogados de fato o estão — e têm o dever de contrapor a desinformação com ética, responsabilidade e clareza técnica.

Em tempos de redes sociais, onde o algoritmo recompensa o sensacionalismo, torna-se um ato de resistência ética produzir conteúdo jurídico de qualidade, acessível e correto.

A advocacia não é mera profissão liberal: é função essencial à administração da Justiça (art. 133 da Constituição Federal).

Isso significa que o advogado, além de representar o interesse de seu cliente, tem o dever de contribuir para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto, o artigo 31 do Estatuto da OAB impõe que o advogado deve agir com independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade e boa-fé, sendo vedada qualquer forma de mercantilização da profissão.

Entretanto, nas redes sociais, é crescente o número de perfis que tratam o Direito como produto — vendendo “mentorias”, “modelos prontos de petição”, “aulas de prática jurídica” e “consultorias especializadas” sem qualquer respaldo legal ou técnico.

Essas práticas distorcem a finalidade social da advocacia e banalizam a complexidade do Direito.

O verdadeiro advogado — aquele comprometido com a ética e com a Justiça — deve, portanto, atuar como educador social, contribuindo para que o conhecimento jurídico seja difundido de forma responsável, acessível e verdadeira.

O Código de Ética e Disciplina da OAB é mais do que um conjunto de normas: é a bússola moral da advocacia.

Em seu artigo 33, dispõe-se que o advogado deve abster-se de “valer-se de meios promocionais incompatíveis com a dignidade da profissão”.

Isso inclui a autopromoção abusiva, o sensacionalismo e a divulgação de resultados ou promessas de êxito — práticas que, infelizmente, são comuns em perfis que se dizem “advogados digitais”.

O advogado ético compreende que sua autoridade não vem de curtidas, mas de competência, estudo e responsabilidade.

O marketing jurídico é permitido, mas deve obedecer às balizas éticas: discrição, sobriedade e veracidade (arts. 39 e 40 do Código).

Quando o profissional ou, pior, o leigo se vale das redes para promover uma imagem ilusória de sucesso ou expertise, viola não apenas a norma, mas o próprio espírito da advocacia.

A OAB, enquanto guardiã da ética profissional, enfrenta um desafio contemporâneo: fiscalizar o exercício ilegal da advocacia em um ambiente digital sem fronteiras.

Os canais de denúncia e fiscalização precisam ser fortalecidos, com mecanismos tecnológicos que identifiquem falsos profissionais e conteúdos enganosos.

O artigo 70 do Estatuto da OAB prevê a competência dos Tribunais de Ética e Disciplina para apurar infrações, e o artigo 71 garante que a Ordem pode representar junto às autoridades policiais e judiciais em casos de exercício ilegal da profissão.

Contudo, a repressão não basta. É necessário que a própria classe se una em torno de um compromisso ético coletivo — denunciar, mas também orientar e educar.

A defesa da ética na advocacia é, antes de tudo, defesa da sociedade.

Vivemos uma era em que o conhecimento é compartilhado em segundos. Muitos advogados éticos e competentes têm utilizado as redes sociais para promover educação jurídica, aproximando o Direito da população. Essa prática, quando feita dentro dos limites éticos, é louvável e necessária. O problema surge quando a busca por visibilidade suplanta o compromisso com a verdade. A advocacia digital não é inimiga da ética — mas sua aliada, desde que guiada por responsabilidade. Um advogado que fala para milhões precisa compreender que sua palavra tem peso social, e que cada “dica jurídica” pode gerar decisões equivocadas, prejuízos e expectativas infundadas em quem o ouve. Ser advogado na era digital é carregar, mais do que nunca, a missão de falar com verdade, agir com ética e educar com responsabilidade.

A OAB não é mero cartório de registro; é a instituição que garante à sociedade que quem fala em nome do Direito tem formação, preparo e compromisso ético. A inscrição na Ordem não é formalidade burocrática — é ato de legitimação moral e técnica. Quando um falso advogado se apresenta como profissional, ele não apenas comete crime; ele trai a confiança pública e compromete a imagem de toda a categoria. Por isso, a advocacia deve defender sua credibilidade com o mesmo zelo com que defende seus clientes. O advogado autêntico deve ser exemplo vivo de que o conhecimento jurídico é poder, mas também é responsabilidade.

A proliferação de falsos advogados e de desinformação jurídica nas redes sociais é um dos maiores desafios éticos do século XXI. Não se trata apenas de proteger uma classe profissional, mas de defender a sociedade contra o engano e o abuso da confiança pública. O advogado é, por excelência, o guardião da legalidade e da justiça. Quando a verdade jurídica é substituída por discursos vazios e marketing enganoso, perde-se não só a credibilidade da profissão, mas o próprio valor do Direito como instrumento de transformação social. Cabe à OAB, aos advogados e às faculdades de Direito reafirmar, diariamente, o compromisso ético e o valor da formação sólida, combatendo com rigor a desinformação e o exercício ilegal da advocacia. A advocacia digna e ética é, e sempre será, a melhor resposta a quem tenta banalizar o Direito. E, em tempos de superficialidade, o conhecimento verdadeiro — amparado pela ética e pela legalidade — é o que distingue o advogado do aventureiro.

Referências:

             •           BRASIL. Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994).

             •           CONSELHO FEDERAL DA OAB. Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução nº 02/2015).

             •           CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. Decreto-Lei nº 2.848/1940.

             •           Constituição Federal de 1988.

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