Kize Lima

Quarto de salário: O bloqueio social do BPC

Postado em 15 de outubro de 2025 Por Kize Lima Acadêmica de Direito, Assistente Jurídica, Pesquisadora sobre Direito Previdenciário e Maternidade Atípica. Integrante das Comissões de Direito Médico e da Saúde e da Jovem Advocacia na OAB Cabo de Santo Agostinho - PE.

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, é um direito constitucional que garante um salário mínimo por mês a idosos, com 65 anos de idade ou mais, e a pessoas com deficiência, de qualquer idade, sendo esse um dos critérios para sua concessão. Um outro critério é o da renda per capita familiar que precisa ser igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. No entanto, o “quarto de salário” como um dos requisitos fundamentais, pode se transformar em um obstáculo burocrático para os que mais precisam do benefício.

A garantia do mínimo existencial aos desamparados é um direito que se conecta diretamente com o fundamento da dignidade da pessoa humana previsto no artigo 1º da Constituição Federal, na qual cabe ao Estado o papel de prover condições para que todo indivíduo possa viver de forma digna. Mas o estabelecimento de um limite de renda para demonstrar a questão da miserabilidade, muitas vezes, acaba não sendo coerente ou justo diante do real custo de vida que a maioria das pessoas enfrenta. A imposição desse limite financeiro desconsidera a difícil e complexa realidade socioeconômica das famílias de baixa renda no Brasil. O valor de ¼ do salário mínimo vigente, considerando o valor de R$ 1.518,00 (salário mínimo neste ano de 2025), equivale a R$ 379,50 (trezentos e setenta e nove reais e cinquenta centavos) per capita, isto é, por pessoa da família, não se mostra suficiente para cobrir necessidades básicas diante da alta nos preços dos alimentos, dos medicamentos e de outros produtos e serviços essenciais.

Além disso, o critério do quarto de salário pode provocar um desestímulo a busca por emprego tendo em vista que um membro de família, ao conseguir um emprego formal, corre o risco de elevar a renda per capita do seu núcleo familiar, podendo levar o beneficiário à perda do BPC. Essa situação pode fazer com que os familiares permaneçam na informalidade ou dependam apenas do benefício causando uma estagnação financeira o que impede a família de ascender socialmente. Outro exemplo, no caso de BPC para criança com deficiência, é a impossibilidade de o cuidador (na maioria dos casos, a mãe) exercer atividade remunerada fora de casa fazendo com que o BPC seja o amparo financeiro para essa família.

Uma renda per capita que ultrapasse esse patamar exigido para o BPC, mas que se justifica pelas despesas não computadas pelo INSS, tais como fraldas, medicamentos, consultas médicas, tratamentos – não cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), além de outros gastos essenciais como alimentação, moradia, transporte; pode ser um grande entrave no momento da comprovação. Isso porque é quase impossível (para não dizer totalmente) conseguir comprovar que houve a negativa do poder público em ofertar parte dessas despesas como as medicações e os tratamentos. Se o usuário do SUS requer uma declaração de que não há o medicamento ou de que não há médicos especialistas para atender aquele paciente, por exemplo, dificilmente este conseguirá de forma administrativa a prova da negativa ou da ausência do medicamento ou do serviço médico para comprovar no momento de solicitar o BPC (pois é exigida além das notas fiscais dessas despesas, a negativa do poder público).

Isso pode resultar em elevados indeferimentos de requerimentos administrativos. Quando isso ocorre, os caminhos que a pessoa requerente terá de percorrer poderá resultar em mais uma longa espera na tentativa de reverter a situação. Muitos casos vão parar no Judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu, em diversas ocasiões, a necessidade de avaliar a renda familiar per capita por outros meios; nos casos de BPC para a pessoa com deficiência, a renda familiar acima do mínimo estabelecido não deveria inviabilizar a concessão do benefício pelo fato de que essa renda pode não ser suficiente para arcar com as despesas e as necessidades que essa pessoa possui.

É importante ressaltar que o BPC não é um benefício previdenciário, mas sim assistencial, tendo por objetivo a garantia do mínimo existencial e da dignidade humana. A rigidez do “quarto de salário” dificulta esse propósito prevalecendo apenas para aqueles que vivem em extrema pobreza sem considerar as necessidades dinâmicas e o custo de vida do próprio requerente.

A superação do chamado “bloqueio social do BPC” exige uma análise urgente que atualize o critério de renda per capita e que seja mais flexível e realista, sem descartar a possibilidade de se averiguar, por meio das despesas, o custo de vida da pessoa que solicitou o benefício. Mesmo a perícia médica e a avaliação social que a pessoa solicitante do benefício pode ser submetida, muitas vezes, não conseguem enxergar a prova da vulnerabilidade apesar de a renda ultrapassar o limite estabelecido. É fundamental também que haja políticas públicas que considerem os obstáculos que a deficiência ou a idade impõem à plena participação social.

Portanto, o BPC é um benefício que visa fornecer amparo financeiro e inclusão social. A regra do “quarto de salário” pode funcionar como uma âncora que impede a mobilidade e a dignidade das famílias de baixa renda. Romper esse bloqueio não é apenas uma questão de promover justiça social, mas um importante passo para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, que possa garantir um mínimo existencial a todos aqueles que dele necessitam.

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