A regulamentação e tributação das apostas de quota fixa, as “bets”, pela Lei nº 14.790/2023, representa um avanço na organização do setor no Brasil. Contudo, a forma como o Estado opta por tributar essa atividade levanta questionamentos constitucionais e principiológicos, especialmente quando se considera a possível intenção de desestimular o hábito de apostar como política de saúde pública.
Princípios Constitucionais e a Realidade da Tributação
A Constituição Federal, em seu art. 145, § 1º, preconiza a capacidade contributiva, ou seja, que os impostos sejam graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. A alíquota fixa de 15% de IRPF sobre o lucro líquido dos prêmios, após a isenção, para os apostadores, pode ser questionável sob essa ótica. Um apostador com ganhos eventuais paga a mesma proporção de alguém com lucros vultosos, desconsiderando a progressividade e a possibilidade de compensação de perdas ao longo do ano fiscal. Essa rigidez pode desvirtuar a ideia de tributar o acréscimo patrimonial efetivo, onerando desproporcionalmente o cidadão com menor capacidade econômica.
Para as operadoras, a carga tributária é significativa: 12% sobre o Gross Gaming Revenue (GGR), somados a 34% de IRPJ/CSLL sobre o lucro, além de ISS e PIS/COFINS. Essa elevada tributação, embora destinada a financiar políticas públicas, como segurança e educação, precisa ser confrontada com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência (art. 170, IV, da CF/88). Uma carga excessiva pode criar barreiras de entrada, concentrar o mercado e, paradoxalmente, incentivar a migração para plataformas não regulamentadas, gerando evasão fiscal e perda de controle estatal.
Tributação como Política de Saúde Pública: Uma Análise da Eficácia dos Princípios
É plausível que, subjacente à alta carga tributária imposta às bets, haja uma intenção do Poder Público em desestimular a prática de apostas esportivas, reconhecendo os potenciais riscos de endividamento e vício que afetam a saúde pública. Se essa é a motivação, a tributação assume um caráter extrafiscal, indo além da mera arrecadação.
No entanto, a eficácia real dos princípios constitucionais nesse cenário é posta em xeque. Se o objetivo é proteger o cidadão, a alíquota fixa sobre o ganho do apostador, sem considerar seu histórico financeiro ou a possibilidade de compensação de perdas, não parece ser o instrumento mais adequado para mitigar o endividamento. Pelo contrário, pode penalizar ainda mais quem, eventualmente, obtém ganhos limitados. Da mesma forma, uma tributação excessivamente alta sobre as operadoras, visando restringir o mercado, pode simplesmente empurrar a atividade para a informalidade, onde não há qualquer controle ou proteção ao consumidor.
A grande questão é: há uma eficácia real da aplicação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, da livre iniciativa e da concorrência quando a tributação das bets também visa a desestimular a atividade por razões de saúde pública? Ou essa intervenção, por via tributária, acaba por gerar distorções e ineficácia na proteção do cidadão, ao invés de oferecer mecanismos mais diretos e efetivos de controle e educação para o jogo responsável?
Conclusão
A tributação das bets no Brasil, ao buscar não apenas a arrecadação, mas também um controle social da atividade, revela uma complexa interseção entre o direito tributário e as políticas públicas. A eficácia dos princípios constitucionais nesse contexto depende de um equilíbrio delicado. Se o objetivo é proteger a saúde pública, talvez medidas mais diretas, como campanhas de conscientização e limites de apostas, fossem mais eficazes do que uma carga tributária que, paradoxalmente, pode empurrar o setor para a clandestinidade, afastando-o da regulamentação e fiscalização. A grande tarefa é harmonizar a necessidade de arrecadação com a promoção de um ambiente de jogo responsável, sem desrespeitar os pilares de justiça fiscal e liberdade econômica que regem o ordenamento jurídico brasileiro.
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