larisas vicente

Tributação das bets: Desafios Constitucionais e a perspectiva da saúde pública

Postado em 26 de junho de 2025 Por Larissa Vicente Mestranda em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Legale SP. Advogada inscrita na OAB-PE n 60.620. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Maurício de Nassau. Pesquisadora do Asa Branca Criminologia.

A regulamentação e tributação das apostas de quota fixa, as “bets”, pela Lei nº 14.790/2023, representa um avanço na organização do setor no Brasil. Contudo, a forma como o Estado opta por tributar essa atividade levanta questionamentos constitucionais e principiológicos, especialmente quando se considera a possível intenção de desestimular o hábito de apostar como política de saúde pública.

Princípios Constitucionais e a Realidade da Tributação

A Constituição Federal, em seu art. 145, § 1º, preconiza a capacidade contributiva, ou seja, que os impostos sejam graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. A alíquota fixa de 15% de IRPF sobre o lucro líquido dos prêmios, após a isenção, para os apostadores, pode ser questionável sob essa ótica. Um apostador com ganhos eventuais paga a mesma proporção de alguém com lucros vultosos, desconsiderando a progressividade e a possibilidade de compensação de perdas ao longo do ano fiscal. Essa rigidez pode desvirtuar a ideia de tributar o acréscimo patrimonial efetivo, onerando desproporcionalmente o cidadão com menor capacidade econômica.

Para as operadoras, a carga tributária é significativa: 12% sobre o Gross Gaming Revenue (GGR), somados a 34% de IRPJ/CSLL sobre o lucro, além de ISS e PIS/COFINS. Essa elevada tributação, embora destinada a financiar políticas públicas, como segurança e educação, precisa ser confrontada com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência (art. 170, IV, da CF/88). Uma carga excessiva pode criar barreiras de entrada, concentrar o mercado e, paradoxalmente, incentivar a migração para plataformas não regulamentadas, gerando evasão fiscal e perda de controle estatal.

Tributação como Política de Saúde Pública: Uma Análise da Eficácia dos Princípios

É plausível que, subjacente à alta carga tributária imposta às bets, haja uma intenção do Poder Público em desestimular a prática de apostas esportivas, reconhecendo os potenciais riscos de endividamento e vício que afetam a saúde pública. Se essa é a motivação, a tributação assume um caráter extrafiscal, indo além da mera arrecadação.

No entanto, a eficácia real dos princípios constitucionais nesse cenário é posta em xeque. Se o objetivo é proteger o cidadão, a alíquota fixa sobre o ganho do apostador, sem considerar seu histórico financeiro ou a possibilidade de compensação de perdas, não parece ser o instrumento mais adequado para mitigar o endividamento. Pelo contrário, pode penalizar ainda mais quem, eventualmente, obtém ganhos limitados. Da mesma forma, uma tributação excessivamente alta sobre as operadoras, visando restringir o mercado, pode simplesmente empurrar a atividade para a informalidade, onde não há qualquer controle ou proteção ao consumidor.

A grande questão é: há uma eficácia real da aplicação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, da livre iniciativa e da concorrência quando a tributação das bets também visa a desestimular a atividade por razões de saúde pública? Ou essa intervenção, por via tributária, acaba por gerar distorções e ineficácia na proteção do cidadão, ao invés de oferecer mecanismos mais diretos e efetivos de controle e educação para o jogo responsável?

Conclusão

A tributação das bets no Brasil, ao buscar não apenas a arrecadação, mas também um controle social da atividade, revela uma complexa interseção entre o direito tributário e as políticas públicas. A eficácia dos princípios constitucionais nesse contexto depende de um equilíbrio delicado. Se o objetivo é proteger a saúde pública, talvez medidas mais diretas, como campanhas de conscientização e limites de apostas, fossem mais eficazes do que uma carga tributária que, paradoxalmente, pode empurrar o setor para a clandestinidade, afastando-o da regulamentação e fiscalização. A grande tarefa é harmonizar a necessidade de arrecadação com a promoção de um ambiente de jogo responsável, sem desrespeitar os pilares de justiça fiscal e liberdade econômica que regem o ordenamento jurídico brasileiro.

A Editora OAB/PE Digital não se responsabiliza pelas opiniões e informações dos artigos, que são responsabilidade dos autores.

Envie seu artigo, a fim de que seja publicado em uma das várias seções do portal após conformidade editorial.

Gostou? Compartilhe esse Conteúdo.

Fale Conosco pelo WhatsApp
Ir para o Topo do Site