O 11 de agosto é mais que uma data comemorativa no calendário jurídico, é um marco na história da formação intelectual brasileira. Foi nesse dia, em 1827, que o Imperador Dom Pedro I sancionou a criação dos primeiros cursos de Ciências Jurídicas e Sociais no país, instalados simultaneamente em São Paulo e em Olinda, então capital de Pernambuco. A medida respondeu a uma necessidade estratégica: formar quadros jurídicos nacionais, libertando o Brasil da dependência acadêmica da Universidade de Coimbra e permitindo o desenvolvimento de uma cultura jurídica própria. O simbolismo dessa data é poderoso. Assim como no século XIX precisávamos de juristas capazes de estruturar um Estado independente, hoje precisamos de advogados preparados para atuar em um ambiente globalizado, hipercompetitivo e movido por dados, tecnologia e integração econômica. Nesse contexto, a Análise Econômica do Direito (AED) se consolida como um pilar da advocacia contemporânea, especialmente na esfera empresarial, contratual, fiscal e regulatória, elevando o papel do advogado de aplicador da lei a parceiro estratégico de negócios.
A AED parte de uma premissa simples, mas transformadora: as normas jurídicas afetam comportamentos e resultados econômicos. Inspirada por autores como Ronald Coase, Richard Posner e Guido Calabresi, essa abordagem utiliza conceitos como incentivos, custos de transação, análise custo-benefício e eficiência alocativa para interpretar e aplicar o Direito. Ao contrário da visão puramente dogmática, centrada no texto legal, a AED é consequencialista e prospectiva, preocupando-se não apenas com o que a lei diz, mas com os incentivos que cria e com os resultados concretos que gera. Essa perspectiva confere ao advogado uma função que ultrapassa a conformidade normativa: ele se torna capaz de avaliar os efeitos práticos de suas estratégias e de entregar soluções que maximizam valor e reduzem riscos para o cliente.
Essa mudança de paradigma é especialmente evidente em áreas como a estruturação de contratos complexos, acordos de joint venture, operações de fusões e aquisições, franquias, transações no setor financeiro e disputas concorrenciais. Em uma operação de M&A, por exemplo, a AED permite que o advogado vá além da due diligence tradicional, incorporando análises de custos de transação, riscos de integração e impactos sobre o valor futuro da empresa adquirida. No campo contratual, a teoria dos incentivos mostra que um contrato eficiente não é apenas juridicamente válido, mas capaz de alinhar interesses, prevenir comportamentos oportunistas e reduzir custos de monitoramento e execução. Já no compliance, a aplicação do modelo de Calabresi ajuda a determinar o ponto ótimo de investimento em conformidade, equilibrando custos preventivos e riscos de penalidades ou danos reputacionais.
No Brasil, essa mentalidade já encontra respaldo normativo: a reforma da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), em 2018, determinou que não se pode decidir com base em valores jurídicos abstratos sem considerar as consequências práticas e que a invalidação de atos administrativos deve indicar suas consequências jurídicas e administrativas. Essa orientação não só legitima a aplicação da AED, como já influencia decisões judiciais. No Superior Tribunal de Justiça, é crescente o número de julgados que incorporam conceitos econômicos na fundamentação, seja para avaliar a proporcionalidade de sanções regulatórias, seja para mensurar impactos financeiros de decisões contratuais.
A aplicação prática da AED no Brasil já produz resultados concretos, no setor elétrico, por exemplo, análises econômicas têm sido utilizadas para definir critérios de indenização em concessões, evitando distorções de mercado e assegurando previsibilidade para investimentos de longo prazo. No setor financeiro, operações de reestruturação societária têm se beneficiado de cláusulas contratuais elaboradas com base na minimização de custos de transação, reduzindo litígios posteriores. Em licitações e concessões públicas, a AED tem permitido a construção de editais mais eficientes, capazes de atrair concorrentes qualificados sem criar barreiras de entrada artificiais. E em disputas concorrenciais, a integração de dados de mercado e métricas econômicas tem se mostrado decisiva para a defesa de fusões e aquisições perante o CADE, demonstrando não apenas a legalidade, mas a eficiência econômica da operação.
Curiosamente, esse diálogo entre Direito e Economia não é uma novidade absoluta em nossa história. O pioneirismo de 1827 incluiu na grade curricular dos primeiros cursos jurídicos uma disciplina de Economia Política, revelando que a interdisciplinaridade sempre foi um valor subjacente à boa formação jurídica. A diferença é que, hoje, essa integração não é apenas desejável, é indispensável! A advocacia do futuro será interdisciplinar, orientada por dados e focada em resultados mensuráveis, medindo o sucesso não pela quantidade de páginas produzidas, mas pelo valor estratégico gerado ao cliente. Dominar a Análise Econômica do Direito significa compreender que a norma jurídica não é um fim em si mesma, mas uma ferramenta para moldar comportamentos, otimizar recursos e impulsionar o desenvolvimento econômico e social. Assim como os fundadores dos cursos jurídicos em 1827 criaram as bases para a autonomia jurídica do Brasil, o advogado que hoje adota a AED está construindo as fundações de uma advocacia mais estratégica, inovadora e indispensável para enfrentar os desafios do século XXI.
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