Caroline Lira

Sororidade e resistência: Caminhos jurídicos para a igualdade substantiva das mulheres no Brasil

Postado em 20 de agosto de 2025 Por Caroline Lira Advogada e defensora dos direitos das mulheres, com pós-graduação em Gestão pública e sustentabilidade social, assessora parlamentar. Conselheira da OAB Paulista e membra da comissão de igualdade racial, política públicas e cidadania.

Introdução

A trajetória das mulheres no Brasil e no mundo é marcada por uma resistência histórica que atravessa séculos, rompendo barreiras e transformando realidades. A luta feminina não é recente, nem restrita a um único campo: ela perpassa o espaço político, jurídico, econômico, cultural e social. Como bem demonstra a história, as mulheres são forjadas em uma matéria que não se quebra. Resistimos, lutamos e persistimos. Conquistamos o direito ao voto, ampliamos direitos trabalhistas, alcançamos marcos normativos como a Lei Maria da Penha e expandimos o acesso à educação.

Essas conquistas, entretanto, não se deram por benevolência ou concessão espontânea do Estado; foram frutos de um movimento contínuo, coletivo e intergeracional de enfrentamento às estruturas patriarcais. A Constituição Federal de 1988, ao consagrar a igualdade formal e material entre homens e mulheres, reconheceu um direito que já vinha sendo reivindicado muito antes de sua promulgação.

Contudo, a história recente demonstra que a luta está longe de terminar. A violência de gênero, a desigualdade salarial, a sub-representação política e a sobrecarga do trabalho doméstico são evidências de que a igualdade jurídica ainda não se converteu plenamente em igualdade real.

1. Avanços históricos e marcos jurídicos

O direito ao voto feminino, conquistado em 1932, simbolizou um divisor de águas no reconhecimento da cidadania plena das mulheres. A partir desse marco, outras legislações vieram consolidar avanços, como a Consolidação das Leis do Trabalho (1943), que estendeu proteções trabalhistas às mulheres, e a própria Constituição Federal de 1988, que elevou a igualdade de gênero a princípio fundamental.

No campo da proteção contra a violência, a aprovação daLei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) representou um marco no enfrentamento à violência doméstica e familiar, alinhando o ordenamento brasileiro às diretrizes internacionais da Convenção de Belém do Pará (1994) e da CEDAW (1979).

O ordenamento também incorporou a Lei nº 13.718/2018, que tipificou a importunação sexual como crime, ampliando a proteção das mulheres contra condutas abusivas em espaços públicos e privados. Mais recentemente, a Lei nº 14.550/2023 instituiu medidas protetivas de urgência aplicadas de forma imediata, garantindo resposta célere e eficaz às vítimas de violência doméstica e familiar, mesmo fora do expediente judicial.

Na esfera econômica, a Lei nº 14.611/2023 estabeleceu mecanismos de fiscalização para assegurar igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, reforçando o combate à discriminação no mercado de trabalho.

Esses marcos normativos evidenciam que a luta feminina não é apenas social, mas também jurídica, e que o Direito é ferramenta essencial para transformar desigualdades históricas em garantias efetivas.

2. Desafios persistentes na efetivação de direitos

Apesar dos avanços legislativos, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2023) apontam que o Brasil segue entre os países com maiores índices de feminicídio, revelando que a violência de gênero continua sendo uma grave violação de direitos humanos. A desigualdade salarial, por sua vez, resiste mesmo com a existência de legislações específicas, evidenciando a necessidade de fiscalização efetiva e sanções mais rigorosas.

A sub-representação política é outro entrave. Embora a Lei nº 9.504/1997 estabeleça cotas de 30% para candidaturas femininas, essa regra ainda não se traduz em ocupação proporcional dos espaços de poder. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (2024) mostram que as mulheres ocupam menos de 20% das cadeiras legislativas no Brasil, o que reforça a importância de políticas afirmativas e incentivo à participação feminina.

Além disso, a sobrecarga do trabalho doméstico e de cuidados tarefas majoritariamente atribuídas às mulheres permanece invisibilizada e não remunerada, perpetuando a desigualdade econômica e limitando o pleno exercício da cidadania.

3. Sororidade como instrumento jurídico-social

A sororidade, conceito que vai além da solidariedade, é uma estratégia política e social essencial para a efetivação dos direitos das mulheres. Ao fortalecer redes de apoio, promover o acolhimento e impulsionar a conscientização, a sororidade se conecta diretamente com princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a igualdade substancial.

No campo jurídico, esse princípio se manifesta na criação de associações, coletivos e entidades que atuam na defesa dos direitos das mulheres, além da promoção de ações coletivas e advocacy. A atuação coordenada de mulheres advogadas, promotoras, defensoras públicas e magistradas tem papel fundamental para pressionar o Estado a cumprir suas obrigações em matéria de gênero. Assegurando que este cumpra suas obrigações jurídicas de prevenir, punir e erradicar todas as formas de discriminação e violência contra as mulheres.

4. O papel das políticas públicas e da educação de gênero

A efetivação de direitos não ocorre apenas com leis no papel; exige políticas públicas planejadas, orçamentadas e fiscalizadas. Programas de fomento econômico para mulheres em situação de vulnerabilidade, capacitação profissional, ampliação de abrigos para vítimas de violência e incentivo à participação política feminina são medidas concretas que fortalecem a igualdade.

A educação de gênero, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996) como componente transversal, é indispensável para desconstruir estereótipos, prevenir a violência e promover uma cultura de respeito.

5. O silêncio como obstáculo e a necessidade de escuta ativa

O silêncio imposto às mulheres seja por medo, insegurança ou descrédito é reflexo de uma sociedade que ainda falha em acolhê-las. Muitas vítimas de violência não denunciam por falta de confiança nas instituições ou por temor de retaliações. Romper esse ciclo demanda mudanças culturais e institucionais.

A escuta ativa por parte de delegacias especializadas, serviços de saúde, órgãos de assistência social e o próprio sistema de justiça é essencial.

 Nenhuma mulher deve ser forte sozinha: o dever de proteção é coletivo e indelegável, conforme previsto nos arts. 226 e 227 da Constituição, que impõem ao Estado, à sociedade e à família a responsabilidade conjunta pela promoção dos direitos humanos.

Conclusão

A luta das mulheres por igualdade não se encerra nas conquistas históricas. É uma construção diária, sustentada pela resistência, pela união e pelo uso estratégico do Direito como ferramenta de transformação social. A efetividade da igualdade de gênero exige não apenas normas jurídicas, mas também políticas públicas eficazes, fiscalização constante, educação emancipadora e fortalecimento das redes de apoio.

Romper o ciclo de desigualdade é tarefa coletiva. A voz de cada mulher importa, e escutá-la não é apenas um dever ético e humano, mas uma obrigação jurídica consagrada pela Constituição e por tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

 A resistência feminina é, portanto, um ato político, jurídico e social  e a união entre mulheres é o caminho para transformar direitos formais em realidade concreta.

Referências Bibliográficas • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

  • BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
  • BRASIL. Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023. Dispõe sobre igualdade salarial e critérios remuneratórios entre mulheres e homens.
  • BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições.
  • BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
  • ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará, 1994.
  • ONU. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), 1979. Ratificada pelo Brasil em 1984.
  • FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023.
  • TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Estatísticas de Representação Política – Eleições 2024.

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