whasihnton

A Facultativa Inscrição na OAB Para Advogados Públicos: Fundamentos Constitucionais e Implicações nos Honorários de Sucumbência, com Reflexos Diretos Sobre os Procuradores Municipais

Postado em 28 de maio de 2025 Por Washington Luís Macêdo de Amorim Doutorando em Direito. Procurador de carreira no Município da Vitória de Santo Antão/PE

Resumo

O presente artigo analisa, à luz do Direito Constitucional e Administrativo, a controvérsia em torno da obrigatoriedade de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para o exercício da advocacia pública. A controvérsia se intensifica diante do julgamento do Recurso Extraordinário nº 609.517/RO pelo Supremo Tribunal Federal, que poderá consolidar a tese da facultatividade da inscrição quando a atuação jurídica for restrita à esfera institucional. Verificam-se as repercussões dessa interpretação sobre a titularidade dos honorários de sucumbência, especialmente frente ao Estatuto da Advocacia e ao Código de Processo Civil de 2015. Por fim, o ensaio destaca os efeitos jurídicos e institucionais da possível transformação sobre os procuradores municipais, os quais historicamente enfrentam déficit de reconhecimento normativo.

1. Introdução

A exigência de inscrição na OAB para o exercício da advocacia pública é tema de denso relevo jurídico, não apenas pela sua implicação funcional, mas sobretudo pelos efeitos institucionais e simbólicos que representa. A distinção entre o advogado público — servidor investido em cargo de natureza jurídica, mediante concurso público — e o advogado privado — profissional liberal sujeito à regulação corporativa — revela tensões entre regimes jurídicos que não se comunicam integralmente.

No bojo do Recurso Extraordinário nº 609.517/RO, discute-se se é legítima a exigência de inscrição na OAB como condição para o exercício de funções próprias da Advocacia Pública, tais como consultoria, assessoramento jurídico e representação judicial do ente federado. A resolução desse impasse poderá redesenhar os contornos institucionais da advocacia pública, especialmente em relação à autonomia funcional, legitimidade técnica e tratamento remuneratório.

2. A Tese Majoritária no STF e o Paradigma da Função Pública

O julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal, relatado pelo Ministro Dias Toffoli, indica a formação de maioria no sentido de que a atuação do advogado público, quando limitada ao desempenho de suas funções institucionais, não exige inscrição na OAB. Tal entendimento se ancora no reconhecimento de que a advocacia pública integra o núcleo das funções essenciais à justiça (art. 131 da CF/88), sendo regida por regime jurídico-administrativo próprio, diverso da atividade advocatícia tradicional.

Decorre a tese da desnecessidade de inscrição da compreensão de que o advogado público não exerce profissão liberal, mas função estatal, investida de deveres legais e prerrogativas funcionais, regida por princípios da supremacia do interesse público e indisponibilidade da função administrativa.

3. Honorários de Sucumbência: Titularidade e Conflito de Regimes Jurídicos

3.1 O Estatuto da OAB e o CPC de 2015

De acordo com o do art. 22 da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB), os honorários de sucumbência são de titularidade do advogado. A esse fundamento soma-se o art. 85, §14, do CPC de 2015, o qual estabelece a natureza privada e personalíssima dos honorários, inclusive quando decorrentes de atuação judicial em nome de ente público.

Entretanto, persiste a indagação: se o advogado público não está inscrito na OAB, ainda assim teria direito à percepção desses valores, mesmo sendo o “advogado” a pessoa legitimada expressamente pela lei? A tensão entre os regimes leva à necessidade de uma interpretação teleológica e sistêmica, respeitando a finalidade pública da atuação jurídica institucional.

3.2 Jurisprudência e Normas Específicas da Advocacia Pública

O art. 85, §19, do CPC confere legitimidade à percepção de honorários pela Advocacia Pública, condicionando sua distribuição a regulamentação específica. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 1.176.753/PR (Tema 1.176), reconheceu a validade da percepção de honorários de sucumbência pelos procuradores públicos como forma de valorização da carreira, sem contrariar os princípios da moralidade e legalidade.

A jurisprudência tem firmado que a natureza jurídica dos honorários, quando pagos à Advocacia Pública, continua sendo verba privada, ainda que sob regime de repartição e controle institucional.

4. Facultatividade da Inscrição na OAB: Benefícios e Desvantagens

4.1 Vantagens Institucionais e Funcionais
Afirmação da natureza pública da função.
Autonomia da carreira frente à OAB.
Redução de custos administrativos e pessoais.
Evita duplicação de regimes disciplinares.

4.2 Riscos e Fragilidades da Não Inscrição
Insegurança jurídica quanto aos honorários.
Supressão de prerrogativas institucionais.
Fragilidade funcional sem proteção da OAB.
Assimetria entre entes federativos.

Para além dos sobreditos riscos, é preciso reconhecer que, mesmo defronte a possibilidade jurídica de dispensa da inscrição na OAB para os advogados públicos, há fundamentos sólidos que justificam — e recomendam — a manutenção do registro por parte dos procuradores municipais.

Em primeiro lugar, a inscrição ativa na Ordem reforça a legitimidade técnica e institucional do procurador municipal, conectando-o ao universo jurídico mais amplo e garantindo acesso a uma gama de prerrogativas e garantias que, no tempo presente, permanecem mais robustamente protegidas no seio da OAB. A atuação administrativa e judicial dos procuradores, embora institucional, frequentemente enfrenta desafios que demandam uma rede de proteção institucional eficiente, especialmente em contextos de pressões políticas e instabilidade local.

Sob o prisma remuneratório, a manutenção da inscrição evita dúvidas interpretativas sobre a titularidade de honorários de sucumbência, tendo em vista o arcabouço normativo (arts. 22 da Lei 8.906/94 e 85, §14 do CPC/2015) que expressamente os vincula ao “advogado”. Tal condição, portanto, confere segurança jurídica adicional ao exercício do direito à percepção desses valores, além de contribuir para a valorização da carreira.

Para mais, no atinente ao aspecto simbólico e corporativo, a permanência na OAB fortalece a identidade profissional do procurador municipal como agente essencial à Justiça, promovendo sua interlocução com outras carreiras jurídicas e conferindo-lhe voz nos debates institucionais da advocacia. Trata-se, portanto, de gesto de afirmação institucional e reforço ao papel crítico desempenhado pelos procuradores na defesa do interesse público municipal.

Finalmente, a inscrição na OAB não representa apenas um vínculo corporativo, mas um instrumento de empoderamento jurídico e institucional do agente público investido na função de representação do ente federado. Em um cenário ainda marcado por déficits normativos, especialmente no nível municipal, a preservação desse vínculo pode representar um diferencial estratégico em favor da valorização, proteção e efetividade do exercício da advocacia pública local.

5. O Voto do Ministro Gilmar Mendes e o Reconhecimento da Carreira de Procurador Municipal

Em voto no RE 609.517/RO, o Ministro Gilmar Mendes reconheceu expressamente a constitucionalidade da carreira de procurador municipal, enfatizando que a ausência de menção textual na Constituição não afasta a obrigatoriedade de estruturação jurídica nos Municípios. Para o referido Ministro, a autonomia federativa impõe o dever de organização da Advocacia Pública municipal como carreira de Estado: “A Advocacia Pública municipal deve ser entendida como função essencial à Justiça, embora não esteja nominalmente prevista no texto constitucional, pois decorre diretamente da autonomia federativa e da necessidade de assessoramento jurídico qualificado e permanente dos Municípios.”[1]

Referida compreensão reforça a legitimidade funcional da procuradoria municipal e impõe aos entes locais o dever de prover carreiras estáveis, concursadas e estruturadas, nos moldes do art. 37 da Constituição.

5.1 Reflexos Presentes para os Procuradores Municipais

O reconhecimento pelo STF legitima a atuação dos procuradores municipais como função essencial à justiça, autorizando:

Valoração institucional e estruturação das procuradorias;
Legitimação para recebimento de honorários, mesmo sem inscrição na OAB;
Exigência de prerrogativas funcionais e proteção legal;
Atuação em prol de isonomia com outras carreiras jurídicas públicas.

6. Conclusão

A eventual consolidação da tese da facultatividade da inscrição na OAB para os advogados públicos tende a reforçar a natureza institucional da Advocacia Pública, desvinculando-a da lógica corporativa. Entretanto, referida transformação exige contrapartidas normativas que assegurem prerrogativas funcionais, estabilidade, valorização e remuneração compatível com a essencialidade da função.

Particularmente, os procuradores municipais ganham respaldo jurídico e jurisprudencial para exigir não apenas o reconhecimento de sua carreira, mas também sua efetiva estruturação nos moldes previstos pela Constituição da República.

Essa compreensão consolida a legitimidade funcional das procuradorias municipais e impõe aos entes federativos o dever de organizá-las como carreiras típicas de Estado, à luz do art. 37 da Constituição Federal.

Não obstante a admissibilidade jurídica da dispensa de inscrição na OAB para o exercício da função pública, conclui-se que a manutenção voluntária desse vínculo representa uma estratégia vantajosa para os procuradores municipais, porque amplia a proteção institucional, reforça a titularidade dos honorários de sucumbência e fortalece o papel político-jurídico da advocacia pública local no contexto federativo brasileiro.


Nota

[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 609.517/RO. Rel. Min. Dias Toffoli, redator para acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 06 maio 2025 (sessão virtual).

A Editora OAB/PE Digital não se responsabiliza pelas opiniões e informações dos artigos, que são responsabilidade dos autores.

Envie seu artigo, a fim de que seja publicado em uma das várias seções do portal após conformidade editorial.

Gostou? Compartilhe esse Conteúdo.

Fale Conosco pelo WhatsApp
Ir para o Topo do Site