carlos vasconcelos

Jogar para viver: metáfora futebolística para uma Justiça multiportas enraizada no mundo da vida

Postado em 18 de junho de 2025 Por Carlos Eduardo de Vasconcelos Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, Prof. Visitante da PUC/RIO, Bel. em Direito pela UNICAP/PE, Prof. Honoris Causa pela Faculdade de Olinda, Medalha Joaquim Amazonas pela OAB/PE, Cofundador do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa. Foi Diretor e Coordenador das Práticas Jurídicas e Restaurativas da UNIFG/PE. Integrou a Comissão que colaborou na redação da Lei de Mediação.

1 Introdução

O avanço dos métodos consensuais de resolução de disputas no Brasil demanda uma mudança paradigmática no modo de compreender o próprio sistema jurídico. O modelo Multiportas convida os operadores do direito a transitar de uma lógica de monopólio jurisdicional para uma lógica de pluralidade procedimental. Nesse cenário, a metáfora futebolística surge como facilitação pedagógica e epistemológica, capaz de ilustrar, com leveza e profundidade, as estruturas e tensões do sistema.

2 O Mundo da Vida como Ponto de Partida

No futebol, o que dá sentido ao jogo não é o regulamento em si, mas a experiência vivida pelos jogadores, treinadores e torcedores. O entusiasmo coletivo nasce da credibilidade e criatividade em campo, das estratégias cuidadosamente elaboradas, das motivações individuais e coletivas que movem os protagonistas. De forma análoga, no sistema jurídico, o mundo da vida é o campo onde os conflitos nascem, se desenvolvem e clamam por soluções.

Segundo Habermas (1987), o mundo da vida é o espaço da comunicação cotidiana, onde se constroem significados compartilhados. No contexto da justiça Multiportas, é nele que se definem as necessidades reais das partes e a viabilidade de caminhos como a negociação, a mediação, a conciliação, a facilitação e/ou a arbitragem.

3 Dogmática e Hermenêutica: Regras e Interpretação a Serviço da Vida

As regras de conduta, equivalentes ao regulamento da partida, têm papel estruturante. Elas garantem previsibilidade, segurança e estabilidade ao sistema. Contudo, como lembra Streck (2014), a dogmática jurídica não pode ser vista como um fim em si mesma, mas como uma construção histórica e interpretativa que deve dialogar com a realidade.

A hermenêutica jurídica, por sua vez, funciona como o olhar do técnico e do comentarista: um esforço constante de interpretação situada, capaz de ajustar a leitura das normas às contingências e complexidades da vida social.

4 Regras Sobre Regras: Constituição e Princípios como Instância de Controle Ético

Assim como a justiça esportiva atua como instância de controle ético das regras no campo do futebol, a Constituição Federal e os princípios fundamentais do direito brasileiro cumprem a função de estabelecer as “regras sobre as regras”. Trata-se de uma camada metanormativa que orienta a produção, a interpretação e a aplicação do direito. A Constituição, neste modelo, é o pacto ético-político que delimita os contornos da atuação estatal e dos mecanismos de resolução de disputas, garantindo a dignidade da pessoa humana, o acesso à justiça e a proporcionalidade das decisões (SARLET, 2002).

5 Considerações Finais

A metáfora futebolística permite visualizar que a justiça não começa nem termina nas regras. O jogo jurídico só ganha sentido quando conectado às dinâmicas do mundo da vida, hoje facilitadas e impulsionadas pela inteligência artificial. No contexto do sistema Multiportas, isso significa colocar os sujeitos, suas histórias e suas necessidades no centro do processo, utilizando a dogmática e a hermenêutica como positivismo ético estabilizador — e não como obstáculos.

Assim como a seleção brasileira conquista o coração dos torcedores por jogar com alma, a justiça só se realizará plenamente quando for capaz de escutar e responder às complexidades humanas que a sustentam.

REFERÊNCIAS

HABERMAS, Jürgen. Teoria da Ação Comunicativa. Vol. 2: Sobre a Crítica da Razão Funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.

VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. 8. ed. São Paulo: Método, 2023.

A Editora OAB/PE Digital não se responsabiliza pelas opiniões e informações dos artigos, que são responsabilidade dos autores.

Envie seu artigo, a fim de que seja publicado em uma das várias seções do portal após conformidade editorial.

Gostou? Compartilhe esse Conteúdo.

Fale Conosco pelo WhatsApp
Ir para o Topo do Site