Jose Carlos da Silva Filho

A advocacia na defesa dos direitos das crianças e adolescentes

Postado em 15 de outubro de 2025 Por José Carlos Da Silva Filho Graduando em Direito na (FICR). Atuou com estagiário no TRT6, UPE, UFPE e FADE, além de ser: ex-membro discente do DCA- UFPE, pesquisa nas áreas de Direito constitucional, penal, trabalho, necropolítica e comportamento organizacional, é bolsista CNPq.

Introdução

A  advocacia  é,  por  excelência,  uma  profissão  comprometida  com  a  justiça,  a  equidade  e  a  defesa  dos  direitos  fundamentais.  No  contexto  brasileiro,  marcado  por  profundas  desigualdades  sociais,  a  atuação  jurídica  na  defesa  das  crianças  e  adolescentes  adquire  uma  dimensão  ética  e  política  de  enorme  relevância.  O  advogado,  ao  assumir  a  causa  infantojuvenil,  não  apenas  exerce  um  papel  técnico,  mas  também  contribui  para  a  efetivação  de direitos e para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.

A  proteção  das  crianças  e  adolescentes  é  um  tema  que  transcende  a  mera  aplicação  do  Direito.  Envolve  valores,  sensibilidades  e  compromissos  com  o  futuro  coletivo.  O  artigo  227  da  Constituição  Federal  de  1988  estabelece  de  forma  clara  e  inequívoca  que  é  dever  da  família,  da  sociedade  e  do  Estado  assegurar,  com  absoluta  prioridade,  os  direitos  fundamentais  da  criança  e  do  adolescente,  abrangendo  desde  a  vida  e  a  saúde  até  a  educação,  o lazer e à convivência familiar e comunitária.

A  partir  desse  marco  constitucional,  e  com  a  promulgação  do  Estatuto  da  Criança  e  do  Adolescente  (ECA)  em  1990,  o  Brasil  adotou  a  doutrina  da  proteção  integral,  alinhando-se  aos  princípios  da  Convenção  Internacional  sobre  os  Direitos  da  Criança  (1989).  Essa  mudança  paradigmática  conferiu  à  infância  e  à  juventude  o  status  de  sujeitos  de  direitos,  rompendo  com  a  antiga  lógica  tutelar  que  via  crianças  em  “situação  irregular”  apenas  como  objeto  de  intervenção do Estado.

Nesse  cenário,  a  advocacia  desempenha  um  papel  fundamental:  assegurar  que  tais  direitos  sejam  respeitados,  fiscalizar  o  cumprimento  das  políticas  públicas,  representar  crianças  e  adolescentes  em  processos  judiciais  e  administrativos  e  promover  o  acesso  à  justiça.  Contudo,  o  desafio  contemporâneo  é  ampliar  o  engajamento  dos  profissionais  do  Direito nessa agenda, muitas vezes marginalizada dentro da própria cultura jurídica.

O  presente  artigo  tem  como  objetivo  refletir  sobre  o  papel  da  advocacia  na  defesa  dos direitos  das  crianças  e  adolescentes,  destacando  sua  importância  histórica,  ética  e  social,  bem  como  os  desafios  e  caminhos  possíveis  para  uma  prática  jurídica  mais  comprometida  com  a  efetividade da proteção integral.

Desenvolvimento

1 . A Constituição de 1988 e o nascimento de um novo paradigma jurídico

A  Constituição  de  1988  representou  um  divisor  de  águas  na  história  dos  direitos  humanos  no  Brasil.  Ao  consagrar  a  dignidade  da  pessoa  humana  como  fundamento  da  República  (art.  1º,  III),  a  Carta  Magna  redefiniu  o  papel  do  Estado  e  da  sociedade  frente  à  infância  e  à  adolescência.  O  artigo  227  inovou  ao  instituir  o  princípio  da  prioridade  absoluta,  segundo  o  qual  as  crianças  e  os  adolescentes  devem  ter  precedência  nas  políticas  públicas,  no  atendimento e na destinação de recursos.

Esse  dispositivo  constitucional  inspirou  toda  uma  geração  de  juristas,  legisladores  e  ativistas  sociais.  Como  explica  José  Afonso  da  Silva  (2020),  o  princípio  da  prioridade  absoluta  não  é  apenas  programático:  trata-se  de  uma  diretriz  de  eficácia  plena,  que  vincula  todas  as  esferas  de  poder  e  exige  a  concretização  imediata  das  garantias  fundamentais.  Nesse  contexto,  o  advogado  torna-se  peça-chave  na  defesa  da  efetividade  constitucional,  atuando  como guardião da norma e fiscal da cidadania.

2. O Estatuto da Criança e do Adolescente e a doutrina da proteção integral

O  Estatuto  da  Criança  e  do  Adolescente  (Lei  nº  8.069/1990)  foi  a  tradução  normativa  do  novo  paradigma  constitucional.  Inspirado  na  Convenção  Internacional  sobre  os  Direitos  da  Criança,  o  ECA  consolidou  a  ideia  de  que  crianças  e  adolescentes  são  sujeitos  de  direitos  plenos, com voz, vontade e proteção legal específica.

Antes  de  1990,  vigorava  no  Brasil  o  Código  de  Menores  (Lei  nº  6.697/1979),  que  baseava-se  na  chamada  doutrina  da  situação  irregular.  Esse  modelo  enxergava  o  “menor”  como  problema  social  —  uma  ameaça  à  ordem  pública  —  e  não  como  cidadão  em  desenvolvimento.  O  ECA  rompe  com  essa  visão  repressiva  e  paternalista,  substituindo-a  por  um  modelo  de  responsabilidade  compartilhada,  no  qual  Estado,  família  e  sociedade  civil  devem cooperar para a promoção do bem-estar infantojuvenil.

Como  afirmam  Rizzini  e  Pilotti  (2011),  o  Estatuto  não  apenas  ampliou  o  escopo  dos  direitos  reconhecidos,  mas  também  introduziu  uma  nova  lógica  de  participação  social  e  de  controle  democrático,  abrindo  espaço  para  que  a  advocacia,  as  organizações  não  governamentais  e  os conselhos de  direitos  tivessem  papel  ativo  na  fiscalização  das  políticas  públicas.

3 . O papel do advogado na defesa dos direitos infantojuvenis

 O  exercício  da  advocacia  na  área  infantojuvenil  vai  muito  além  da  representação  judicial.  O  advogado  é  mediador,  educador  jurídico  e  agente  de  transformação  social.  Sua  atuação pode se dar em diferentes esferas:

Na  defesa  individual ,  representando  crianças  e  adolescentes  em  processos  de  guarda,  adoção, medidas socioeducativas ou casos de violência.

Na  defesa  coletiva ,  por  meio  de  ações  civis  públicas,  mandados  de  segurança  coletivos  e  outras  medidas  que  visem  assegurar  políticas  públicas  de  educação,  saúde,  convivência familiar, lazer e profissionalização.

Na  consultoria  e  prevenção ,  orientando  famílias,  escolas  e  instituições  sobre  direitos,  deveres e boas práticas de proteção.

O  advogado  deve  pautar  sua  atuação  pelos  princípios  da  proteção  integral,  da  condição  peculiar  de  pessoa  em  desenvolvimento  e  do  melhor  interesse  da  criança  —  conceitos  que  possuem força normativa e orientam a interpretação de todas as normas infraconstitucionais.

Além  disso,  a  advocacia  deve  colaborar  ativamente  com  o  sistema  de  garantias  de  direitos,  que  envolve  o  Conselho  Tutelar,  o  Ministério  Público,  o  Poder  Judiciário,  as  Defensorias  Públicas  e  os  órgãos  executores  de  políticas  sociais.  Essa  colaboração  demanda  sensibilidade  interdisciplinar,  uma  vez  que  a  defesa  da  criança  não  se  esgota  no  campo  jurídico, mas requer diálogo com áreas como Psicologia, Serviço Social e Pedagogia.

4. A ética profissional e o compromisso com a infância

O  Estatuto  da  Advocacia  (Lei  nº  8.906/1994)  reconhece  que  o  advogado  é  indispensável  à  administração  da  justiça.  Essa  indispensabilidade,  entretanto,  deve  ser  interpretada  à  luz  de  um  compromisso  ético  com  os  direitos  humanos.  O  Código  de  Ética  e  Disciplina  da  OAB  orienta  que  o  advogado  deve  “defender  o  Estado  Democrático  de  Direito,  os direitos humanos e a justiça social”.

A  defesa  das crianças  e adolescentes  se  insere  precisamente  nesse  compromisso.  A  ética  profissional  exige  do  advogado  sensibilidade  diante  das  vulnerabilidades,  capacidade  de  escuta  e  disposição  para  promover  o  acesso  à  justiça.  Em  muitos  casos,  a  criança  é  uma  vítima  silenciada,  sem  condições  de  se  expressar  plenamente  —  e  cabe  ao  advogado  dar  voz  a  essa  experiência, transformando a escuta em instrumento de reparação e reconhecimento.

Como  afirma  Paulo  Lôbo  (2015),  “a  proteção  integral  é  um  instrumento  jurídico  de  transformação  social,  pois  garante  às  novas  gerações  o  pleno  desenvolvimento  de  suas  potencialidades”.  A  advocacia,  portanto,  não  deve  se  limitar  à  formalidade  processual,  mas  assumir postura proativa na transformação da realidade social.

5 . A importância da advocacia pública e  pro bono

No  contexto  brasileiro,  onde  a  desigualdade  econômica  ainda  é  um  obstáculo  ao acesso  à  justiça,  a  advocacia  pública  e  a  advocacia  pro  bono  desempenham  papel  essencial.  A

Defensoria  Pública  tem  sido  protagonista  na  promoção  dos  direitos  infantojuvenis,  especialmente  em  casos  de  vulnerabilidade  extrema,  adoção,  medidas  protetivas  e  acompanhamento familiar.

Por  outro  lado,  o  exercício  da  advocacia  pro  bono ,  regulamentado  pela  OAB,  permite  que  advogados  particulares  prestem  serviços  gratuitos  em  causas  de  interesse  social,  especialmente  em  defesa  de  crianças  e  adolescentes.  Essa  prática  reforça  a  dimensão  humanista da profissão e contribui para democratizar o acesso à justiça.

Além  disso,  diversas  organizações  da  sociedade  civil  contam  com  núcleos  jurídicos  especializados  que  atuam  em  parceria  com  advogados  voluntários,  como  o  Instituto  Alana,  a  Fundação  Abrinq  e  a  Pastoral  da  Criança.  Essa  rede  de  colaboração  entre  advocacia,  sociedade  civil  e  poder  público  é  fundamental  para  ampliar  o  alcance  das  políticas  de  proteção  e garantir que os direitos previstos na lei sejam efetivamente vividos na prática cotidiana.

6. A atuação preventiva e a educação em direitos

Um  dos  aspectos  mais  promissores  da  advocacia  contemporânea  é  a  educação  em  direitos  humanos.  No  campo  infantojuvenil,  essa  dimensão  preventiva  é  essencial.  O  advogado  pode  atuar  em  escolas,  comunidades  e  conselhos  municipais,  promovendo  palestras,  campanhas e  oficinas sobre  direitos  da  criança  e  do  adolescente,  bullying,  violência  doméstica e participação cidadã.

Essa  prática  aproxima  o  Direito  da  realidade  social,  rompe  com  a  cultura  de  judicialização  excessiva  e  fortalece  a  cidadania  desde  cedo.  Crianças  e  adolescentes  informados  sobre  seus  direitos  tornam-se  agentes  de  transformação  em  suas  próprias  comunidades,  reduzindo  situações  de  risco  e  incentivando  a  cultura  de  respeito  e  solidariedade.

O  jurista  Norberto  Bobbio  (1992)  já  afirmava  que  “o  problema  dos  direitos  humanos  não  é  o  de  justificá-los,  mas  o  de  protegê-los”.  No  campo  infantojuvenil,  essa  proteção  depende,  em  larga  medida,  de  profissionais  do  Direito  que  compreendam  a  importância  da  prevenção e da educação jurídica como instrumentos de emancipação social.

7. Desafios contemporâneos: tecnologia, violência e políticas públicas

A  atuação  da  advocacia  também  deve  se  atualizar  diante  dos  novos  desafios  queafetam  a  infância  e  a  juventude.  A  violência  digital,  o  cyberbullying,  a  exposição  indevida  de  imagens  e  o  uso  indevido  de  dados  pessoais  são  questões  emergentes  que  exigem  resposta  jurídica adequada.

A  Lei  Geral  de  Proteção  de  Dados  (Lei  nº  13.709/2018),  em  seu  artigo  14,  prevê  tratamento  especial  para  dados  de  crianças  e  adolescentes,  exigindo  consentimento  específico  dos  responsáveis.  Cabe  aos  advogados,  portanto,  fiscalizar  e  orientar  famílias,  escolas  e  empresas  sobre  essas  obrigações,  garantindo  que  a  tecnologia  não  se  torne  instrumento  de  violação de direitos.

Outro  desafio  é  a  crescente  vulnerabilidade  social  provocada  pela  pobreza,  pelo  desemprego  e  pelas  desigualdades  regionais.  A  advocacia  tem  papel  importante  na  proposição  de  ações  civis  públicas,  na  cobrança  de  investimentos  em  políticas  educacionais  e  na  fiscalização  do  cumprimento  de  metas  do  Plano  Nacional  de  Promoção,  Proteção  e  Defesa  do  Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.

Sem  atuação jurídica  consistente  e  engajada,  o  discurso  de  proteção  à  infância  corre  o  risco  de  se  tornar  meramente  retórico.  A  advocacia  é,  portanto,  instrumento  de  concretização  da promessa constitucional de prioridade absoluta.

Conclusão

A  defesa  dos  direitos  das  crianças  e  adolescentes  é  um  dos  pilares  do  Estado  Democrático  de  Direito.  A  advocacia,  nesse  contexto,  ocupa  posição  estratégica  como  mediadora entre a norma e a realidade, entre o dever-ser jurídico e o ser social.

Mais  do  que  um  ofício  técnico,  advogar  em  favor  da  infância  é  um  ato  político  e  ético.  É  lutar  contra  a  indiferença,  contra  a  omissão  estatal  e  contra  as  estruturas  que  perpetuam  a  exclusão.  Cada  petição,  cada  audiência  e  cada  ação  civil  pública  representam  passos  concretos  rumo à construção de uma sociedade que valoriza suas novas gerações.

O  desafio  posto  aos  advogados  brasileiros  é  compreender  que  a  causa  da  criança  e  do  adolescente  é,  em  essência,  a  causa  da  própria  humanidade.  Defender  uma  criança  é  defender  o  futuro,  é  afirmar  a  dignidade  humana  desde  o  seu  nascedouro.  É  nesse  sentido  que  a  advocacia se torna não apenas indispensável à justiça, mas também indispensável à esperança.

Como  lembra  Paulo  Freire  (1996),  “educar  é  um  ato  de  amor,  por  isso  um  ato  de  coragem”.  Advogar  pela  infância  e  juventude  é  também  educar,  transformar  e  resistir  —  é  exercer o Direito como prática libertadora, comprometida com a vida e com o futuro de todos.

Referências

 BOBBIO, Norberto.  A era dos direitos . Rio de Janeiro: Elsevier, 1992.

 BRASIL.  Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 .

 BRASIL.  Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.

 BRASIL.  Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Estatuto da Advocacia e da OAB.

 BRASIL.  Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais  (LGPD).

 FREIRE, Paulo.  Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa . São Paulo: Paz  e Terra, 1996.

 LÔBO, Paulo. Famílias e o Estatuto da Criança e do Adolescente: comentários e reflexões. São  Paulo: Saraiva, 2015.

 RIZZINI, Irene; PILOTTI, Francisco.  A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2011.

 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2020 .

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