A digitalização de processos administrativos no Brasil tem se intensificado, impulsionada por plataformas como o gov.br, que viabilizam autenticação segura para cidadãos e empresas. Nesse contexto, a assinatura eletrônica avançada, viabilizada por essa plataforma, ganhou destaque. No entanto, embora respaldada legalmente, ainda enfrenta resistência no Poder Judiciário, especialmente quando utilizada em atos processuais ou documentos particulares. Este artigo propõe uma análise crítica sobre o tema, considerando os aspectos legais, jurisprudenciais e práticos que envolvem a aceitação da assinatura eletrônica via gov.br.
Com a promulgação da Lei nº 14.063/2020, foram estabelecidas três espécies de assinaturas eletrônicas: simples, que identifica o signatário e associa dados, desde que não envolva informações sensíveis; avançada, que garante a autoria e integridade por meio de mecanismos como autenticação multifatorial; e qualificada, que utiliza certificado digital ICP-Brasil com presunção absoluta de veracidade. A assinatura via gov.br se enquadra como assinatura eletrônica avançada, cuja validade está garantida, desde que atenda aos requisitos legais e técnicos, conforme os arts. 5º da Lei 14.063/2020 e 107 do Código Civil.
A aceitação da assinatura gov.br vem crescendo em diversos segmentos da administração pública e da atividade notarial. Entre os principais usos, destacam-se: assinatura de contratos administrativos, registro de atos em juntas comerciais, peticionamento em portais públicos, reconhecimento eletrônico de firma e processos internos de órgãos públicos. O reconhecimento da validade desses atos demonstra que o governo tem buscado ampliar a eficiência e segurança jurídica em seus processos digitais.
Apesar da base legal sólida, parte do Poder Judiciário adota uma interpretação restritiva quanto ao uso da assinatura via gov.br. As principais alegações envolvem ausência de previsão expressa no CPC, exclusão da aplicação da Lei 14.063/2020 a atos processuais (art. 2º, parágrafo único) e falta de presunção de veracidade comparável ao ICP-Brasil. Esse cenário leva à recusa de documentos assinados eletronicamente, gerando insegurança jurídica e dificultando o acesso à justiça, especialmente para quem não possui certificação digital.
Há grande disparidade nas decisões judiciais quanto à validade da assinatura gov.br. Em alguns casos, ela é aceita, desde que acompanhada de documentação comprobatória. Em outros, exige-se assinatura com certificado ICP-Brasil, mesmo para atos simples, como procurações. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda não consolidou entendimento claro, o que contribui para um cenário de insegurança e instabilidade.
A rejeição da assinatura gov.br acarreta prejuízos concretos: burocratização do processo judicial, aumento de custos e deslocamentos físicos, exclusão digital de partes que não detêm ICP-Brasil e retração do uso de tecnologias legais e seguras. Essa postura contradiz iniciativas como a Resolução CNJ nº 345/2020, que promove a transformação digital no Judiciário.
Para viabilizar a aceitação ampla da assinatura gov.br, são recomendáveis a normatização pelo CNJ, com edição de ato que reconheça expressamente sua validade em atos processuais; capacitação de magistrados e servidores, com foco nos aspectos técnicos e legais; e adoção de mecanismos de validação, como QR Code, autenticação por e-mail institucional e verificação pública do hash. Essas medidas permitiriam uma interpretação evolutiva da legislação, em consonância com os princípios da instrumentalidade das formas e do acesso à justiça.
A assinatura eletrônica via gov.br é juridicamente válida, tecnicamente segura e socialmente inclusiva. Sua rejeição por parte do Judiciário representa um entrave à modernização do sistema de justiça e um retrocesso frente às diretrizes de desburocratização do Estado. Cabe aos operadores do Direito, especialmente à advocacia e às instituições de classe, promover o debate e a conscientização sobre sua validade e potencial, contribuindo para a consolidação de uma Justiça mais acessível, ágil e digital.
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