Edilma Silva de Albuquerque

A ausência de mulheres negras no Judiciário: um reflexo que compromete a democracia

Postado em 27 de agosto de 2025 Por Edilma Silva de Albuquerque Edilma Albuquerque é advogada e atua de forma comprometida na defesa da equidade, da diversidade e da justiça social. Atualmente, exerce o cargo de Vice-Presidente da Comissão de Igualdade Racial (CIR) da subseção da OAB/PE, além de integrar a Comissão da Diversidade e Inclusão Racial (DIR) e a Comissão de Defesa e Assistência dos Servidores (CDSS) da OAB/PE.

Falar de democracia no Brasil é ter coragem de expor suas feridas. E uma das mais profundas é a ausência, quase total, de mulheres negras no Poder Judiciário. Somos maioria da população — 56% dos brasileiros se autodeclaram negros, em Pernambuco esse número chega a 65% — mas seguimos invisíveis nos espaços que decidem o futuro da sociedade.

Os números não mentem. Dados do CNJ apontam que apenas 18% dos magistrados brasileiros são negros. Quando falamos de mulheres negras, esse percentual despenca para pouco mais de 11%. Nos tribunais superiores, a estatística beira o simbólico: 1,5%. No Tribunal de Justiça de Pernambuco, nunca houve uma desembargadora negra. Entre 58 desembargadores, só quatro são mulheres — todas brancas. O Judiciário, que deveria refletir a pluralidade da sociedade, ainda é um espaço dominado pela branquitude e pela masculinidade.

Muitos defendem a meritocracia dos concursos como garantia de igualdade. Mas essa narrativa desconsidera a realidade. Como falar em igualdade quando critérios subjetivos — como “perfil” e “postura” — seguem sendo avaliados? Quem define o que é “adequado”? Esses filtros carregam estereótipos raciais e de gênero que nos empurram para fora. O teto de vidro que limita as mulheres se transforma em um teto de concreto quando falamos de mulheres negras.

Não é falta de competência. É falta de oportunidade. É a negação sistemática de redes de apoio, bolsas de estudo, mentorias e políticas consistentes que possibilitem disputar em pé de igualdade. A consequência é grave: não é só o sonho de muitas mulheres que se frustra — é a própria democracia que se enfraquece.

Um Judiciário homogêneo, branco e masculino não tem legitimidade plena para decidir sobre uma sociedade que é majoritariamente negra e feminina. A ausência de mulheres negras compromete a confiança da população nas instituições e perpetua injustiças.

As cotas raciais em concursos foram um avanço, mas não resolvem sozinhas. É urgente implementar programas de mentoria, bolsas de preparação, fiscalização rigorosa das entrevistas orais, formação antirracista obrigatória para examinadores e medidas institucionais firmes de combate ao racismo. Isso não é privilégio: é correção de uma dívida histórica.

Essa mudança não virá apenas de cima. Cabe à sociedade civil, às entidades de classe e aos próprios profissionais do direito romper o silêncio. Porque silenciar também é ser cúmplice.

A democracia brasileira só será plena quando mulheres negras estiverem presentes nos espaços de poder — juízas, desembargadoras, ministras. Não pedimos favores. Exigimos equidade. Exigimos que nossas filhas e netas sonhem sem precisar provar o tempo todo que são dignas.

A justiça só será justa quando tiver o rosto do Brasil. E esse rosto é, inevitavelmente, também o das mulheres negras.

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