Kennedy Eduardo Barbosa da Silva

A cana-de-açúcar ficou de fora? O diferimento de IBS/CBS e seus efeitos no setor sucroenergético

Postado em 08 de outubro de 2025 Por Kennedy Eduardo Barbosa da Silva Membro da Comissão de Direito de Energia da OAB/PE. Advogado e Contador, Especialista em Direito Tributário, com foco estratégico na Reforma Tributária. Possui mais de 15 anos de experiência na área fiscal e tributária, com forte atuação no setor sucroenergético. É sócio proprietário da KEBS Soluções e atua como Coordenador Tributário na WM Advocacia.

A reforma tributária, regulamentada através da LC 214/2025[1], trouxe diversas alterações no sistema tributário nacional e, como não poderia ser diferente, impactará também o setor sucroenergético. Sabemos da complexidade da legislação tributária brasileira atual, e a proposta da reforma é trazer um sistema mais simples, justo e transparente. Porém, dentre tantos pontos controversos ao novo diploma legal, chamamos atenção a um ponto específico da cadeia produtiva do Açúcar e Etanol: O tratamento tributário dado à Cana-de-açúcar.

Primeiramente, vamos destacar que a legislação estabeleceu um tratamento especial aos produtores rurais, dando-lhes opção de serem ou não contribuintes dos novos tributos (IBS e CBS):

“Art. 26. Não são contribuintes do IBS e da CBS, ressalvado o disposto no inciso II do § 1º do art. 156-A da Constituição Federal:

… VI – produtor rural de que trata o art. 164 desta Lei Complementar;

§ 1º Poderão optar pelo regime regular do IBS e da CBS, observado o disposto no § 6º do art. 41 desta Lei Complementar:

IV – o produtor rural de que trata o inciso VI do caput deste artigo, na forma do art. 165 desta Lei Complementar;”

A opcionalidade pela tributação no regime regular dos novos tributos, darse-á pelo critério do faturamento, tornando a modalidade de apuração regular obrigatória apenas para aqueles produtores que faturem acima de 3,6 milhões por ano:

Art. 164. O produtor rural pessoa física ou jurídica que auferir receita inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) no ano-calendário e o produtor rural integrado não serão considerados contribuintes do IBS e da CBS.

Art. 165. O produtor rural ou o produtor rural integrado poderão optar, a qualquer tempo, por se inscrever como contribuinte do IBS e da CBS no regime regular.

Junto com as inovações legislativas, a lei complementar cria uma série de possibilidades para redução das alíquotas de IBS e CBS, dentre as quais, destacamos aquela aplicada aos Produtos Agropecuários, Aquícolas,

Pesqueiros, Florestais e Extrativistas Vegetais In Natura.

Art. 137. Ficam reduzidas em 60% (sessenta por cento) as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre o fornecimento de produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura.

§ 1º Considera-se in natura o produto tal como se encontra na natureza, que não tenha sido submetido a nenhum processo de industrialização nem seja acondicionado em embalagem de apresentação, não perdendo essa condição o que apenas tiver sido submetido:

  1. – a secagem, limpeza, debulha de grãos ou descaroçamento; e
  2. – a congelamento, resfriamento ou simples acondicionamento, quando esses procedimentos se destinem apenas ao transporte, ao armazenamento ou à exposição para venda.

Entendemos que a cana-de-açúcar, classificada na posição da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) 1212.93.002, nos casos em que o produtor rural opte pela tributação normal de IBS e CBS, terá a redução de alíquota nos termos do referido dispositivo legal. Ou seja, como estima-se uma carga tributária de aproximadamente 28,7%[2], com a redução, a carga tributária efetiva seria de 11,48%, ao final do período de transição.

Contudo, no cenário atual, há uma desoneração na operação de fornecimento de cana-de-açúcar. Vejamos:

 PIS e COFINS suspensos: Art. 11, da Lei 11.727/2008[3];  ICMS – Isento: Art. 1º, V, da Lei 15.948/2016[4].

Por mais que a nova legislação traga, como um de seus novos princípios, a Não Cumulatividade Plena[5], e que a aquisição da cana de açúcar, pelos produtores de açúcar e etanol, vá gerar direito aos créditos de IBS e CBS, entendemos que a

2 TABELA DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (TIPI). Acessado em 02 de outubro, de: < https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-ainformacao/legislacao/documentos-e-arquivos/tipi.pdf>

tributação da principal matéria-prima do segmento ocasionará um desequilíbrio financeiro, gerando impacto negativo nos caixas das companhias. 

Considerando que o açúcar terá alíquota zero na sua comercialização, por compor a cesta básica nacional, os créditos das aquisições de cana poderão não ser objetos de compensação imediato nas operações próprias, a partir do levantamento de um eventual saldo credor nas apurações e, ainda que sejam objeto de pedidos de ressarcimento posterior, o crédito a ser restituído poderá ser devolvido em até 180 dias, nos termos do art. 39, da LC 214:

Art. 39. O contribuinte do IBS e da CBS que apurar saldo a recuperar na forma do art. 45 ao final do período de apuração poderá solicitar seu ressarcimento integral ou parcial.

§ 1º Caso o ressarcimento não seja solicitado ou a solicitação seja parcial, o valor remanescente do saldo a recuperar constituirá crédito do contribuinte, o qual poderá ser utilizado para compensação ou ressarcido em períodos posteriores.

§ 2º A solicitação de ressarcimento de que trata este artigo será apreciada pelo Comitê Gestor do IBS, em relação ao IBS, e pela RFB, em relação à CBS.

§ 3º O prazo para apreciação do pedido de ressarcimento será de:

  1. – até 30 (trinta) dias contados da data da solicitação de que trata o caput deste artigo, para pedidos de ressarcimento de contribuintes enquadrados em programas de conformidade desenvolvidos pelo Comitê Gestor do IBS e pela RFB que atendam ao disposto no art. 40 desta Lei Complementar;
    1. – até 60 (sessenta) dias contados da data de solicitação de que trata o caput deste artigo, para pedidos de ressarcimento que atendam ao disposto no art. 40 desta Lei Complementar, ressalvada a hipótese prevista no inciso I deste parágrafo; ou
    1. – até 180 (cento e oitenta) dias contados da data da solicitação de que trata o caput deste artigo, nos demais casos. (grifos nossos).

 Verificamos ainda que a legislação prevê uma possibilidade de DIFERIMENTO dos recolhimentos de IBS e CBS, incidentes sobre diversos Insumos Agropecuários, com algumas condições:

  1. Que os produtos estejam elencados no Anexo IX, da Lei Complementar 214/2025;
  2. Que, quando exigido, estejam registrados como insumos agropecuários ou aquícolas no órgão competente do Ministério da Agricultura e Pecuária;
  3. Que o fornecimento seja realizado por contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS para outro contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS, ou para produtor rural não contribuinte do IBS e da CBS.

O anexo IX é uma lista importante que elenca os produtos sujeitos ao diferimento, a seguir transcrito:

INSUMOS AGROPECUÁRIOS E AQUÍCOLAS SUBMETIDOS À REDUÇÃO DE 60% (SESSENTA POR CENTO) DAS ALÍQUOTAS DO IBS E DA CBS

ITEMDESCRIÇÃONBS / NCM/SH
1Biofertilizantes, em conformidade com as definições e demais requisitos da legislação específica3101.00.00
2Fertilizantes (adubos), em conformidade com as definições e demais requisitos da legislação específicaCapítulo 31 3824.99.77 3824.99.79 3824.99.89
3Corretivos de solo (inclusive condicionadores), remineralizadores e substratos para plantas; em conformidade com as definições e demais requisitos da legislação específicaCapítulo 25
4Inoculantes, meios de cultura e outros microorganismos para uso agrícola; em conformidade com as definições e demais requisitos da legislação específica3002.49 3002.90.00 3821.00.00
5Bioestimulantes e bioinsumos para controle fitossanitário, em conformidade com as definições e demais requisitos da legislação específica38.24  3807.00.00  12.11  38.08
6Inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas, acaricidas, nematicidas, raticidas, desfolhantes, dessecantes, espalhantes adesivos, estimuladores e inibidores de crescimento (reguladores); todos destinados diretamente ao uso agropecuário ou destinados diretamente à fabricação de defensivo agropecuário; em conformidade com as definições e demais requisitos da legislação específica38.08 3824.99.89
7Calcário, casca de coco triturada, turfa; tortas, bagaços e demais resíduos e desperdícios vegetais das indústrias alimentares; cascas, serragens e demais resíduos e desperdícios de madeira; resíduos da indústria de celulose (dregs e grits), ossos, borra de carnaúba, cinzas, resíduos agroindustriais orgânicos, DL-Metionina e seus análogos, vermiculita e argilas expandidas, palhas e cascas de produtos vegetais, fibra de coco e outras fibras vegetais, silicatos de potássio ou de magnésio, resinas e oleorresinas naturais, sucos e extratos vegetais, aminoácidos e microrganismos mortos, óleos essenciais, argilas e terras, carvão vegetal e pastas mecânicas de madeira; todos destinados diretamente à fabricação de biofertilizantes, fertilizantes, corretivos de solo (inclusive condicionadores), remineralizadores, substratos para plantas, bioestimulantes ou biodefensivos para controle fitossanitário ou utilizados diretamente como biofertilizantes,05.06  1201.10.00  1213.00.00  1301.90.90  1302.19.9  1401.90.00  1404.90.90  2102.20.00  23.02  23.03  2304.00  2305.00.00  23.06  2308.00.00  2703.00.00  2839.90.10
 fertilizantes, corretivos de solo (inclusive condicionadores), remineralizadores, substratos para plantas, bioestimulantes ou biodefensivos para controle fitossanitário; em conformidade com as definições e demais requisitos da legislação específica 2839.90.50  2922.4  2930.40  33.01  3802.90.40  3804.00  3824.99.71  4401.39.00  4401.4  4402.90.00  4701.00.00  5305.00.90  6806.20.00
8Ácido nítrico, ácido sulfúrico, ácido fosfórico, fosfatos de cálcio naturais, enxofre, ácido clorídrico, ácido fosforoso, ácido acético, hidróxido de sódio e carbonato dissódico; todos destinados diretamente à fabricação de fertilizantes2503.00.10  2503.00.90  2510.10.10  2510.10.90  2510.20.10  2510.20.90  2802.00.00  2806.10.20  2807.00.10  2808.00.10  2809.20.11  2809.20.19  2811.19.20  2815.11.00  2815.12.00  2836.20.10  2836.20.90  2915.21.00
9Enzimas preparadas para decomposição de matéria orgânica animal e vegetal3507.90.4
10Semente genética, semente básica, semente nativa in natura, semente certificada de primeira geração (C1), semente certificada de segunda geração (C2), semente não certificada de primeira geração (S1), semente não certificada de segunda geração (S2) e sementes de cultivar local, tradicional ou crioula; em conformidade com as definições e demais requisitos da legislação específicaCapítulos 7, 10 e 12
11Mudas de plantas e demais materiais propagativos de plantas e fungos, inclusive plantas e fungos nativos de espécies florestais; em conformidade com as definições e demais requisitos da legislação específica06.01 06.02
12Vacinas, soros e medicamentos, de uso veterinário, exceto de animais domésticos3002.12  3002.15  3002.42  3002.90.00  30.04
13Aves de um dia, exceto as ornamentais0105.1
14Embriões e sêmen, congelado ou resfriado0511.10.00 0511.9
15Reprodutores de raça pura, inclusive matrizes de animais puros de origem com registro genealógico; em conformidade com as definições e demais requisitos da legislação específica01.02  01.03  01.04
16Ovos fertilizados0407.1
17Girinos e alevinos0106.90.00
18Rações para animais, concentrados, suplementos, aditivos, premix ou núcleo, exceto para animais domésticos2309.90
19Sementes e cereais, mesmo triturados, em grãos esmagados ou trabalhados de outro modo; todos destinados diretamente à fabricação de ração para animais ou diretamente à alimentação animal, exceto de animais domésticosCapítulos 10, 11 e 12
20Farelos e tortas de produtos vegetais e demais resíduos e desperdícios das indústrias alimentares; todos destinados diretamente à fabricação de ração para animais ou diretamente à alimentação animal, exceto de animais domésticos23.01  23.02  23.03  2304.00  2305.00.00  23.06  2308.00.00
21Alho em pó, sal mineralizado, farinhas de peixe, de ostra, de carne, de osso, de pena, de sangue e de víscera, calcário calcítico,  gorduras e óleos animais, resíduos de óleo e de gordura de origem animal ou vegetal descartados por empresas do ramo alimentício, e DL-Metionina e seus análogos; todos destinados diretamente à fabricação de ração para animais ou diretamente à alimentação animal, exceto de animais domésticos02.10  03.09  0712.90.10  Capítulo 15  2501.00  2521.00.00  2930.40
22Serviços agronômicos1.1410.90.00
23Serviços de técnico agrícola, agropecuário ou em agroecologia1.1410.90.00
24Serviços veterinários para produção animal1.1405.21.00 1.1405.22.00 1.1405.90.00
25Serviços de zootecnistas1.1410.90.00
26Serviços de inseminação e fertilização de animais de criação1.1405.22.00
27Serviços de engenharia florestal1.1403.10.00
28Serviços de pulverização e controle de pragas1.1901.10.00
29Serviços de semeadura, adubação, inclusive mistura de adubos, reparação de solo, plantio e colheita1.1901.10.00
30Serviços de projetos para irrigação e fertirrigação1.1403.29.00
31Serviços de análise laboratorial de solos, sementes e outros materiais propagativos, fitossanitários, água de produção, bromatologia e sanidade animal1.1404.41.00
32Licenciamento de direitos sobre cultivares1.1105.10.00
33Cessão definitiva de direitos sobre cultivares1.1109.10.00
34Melhoramento genético de animais e plantas e biotecnologia, inclusive seus royalties 
35Vinhaça2303.30.00 2303.20.00

 Quando observamos os primeiros itens da lista, verificamos que vários itens contemplados pelo diferimento estão no ciclo produtivo da cana-de-açúcar e, consequentemente, do açúcar e etanol. Exemplos: Fertilizantes, Corretivos de Solo, Inseticidas e Fungicidas. Além disso, se observamos o item 10, perceberemos que o referido anexo faz menção ao capítulo 12 (mesmo da classificação fiscal da cana-de-açúcar), porém limita o diferimento apenas às respectivas sementes:

10Semente genética, semente básica, semente nativa in natura, semente certificada de primeira geração (C1), semente certificada de segunda geração (C2), semente não certificada de primeira geração (S1), semente não certificada de segunda geração (S2) e sementes de cultivar local, tradicional ou crioula; em conformidade com as definições e demais requisitos da legislação específicaCapítulos 7, 10 e 12

 Ou seja, ao que parece, o legislador excluiu de fato a cana de açúcar da lista do diferimento dos tributos, o que talvez não faça muito sentido, se olharmos a cadeia produtiva como um todo.

Todavia, a própria legislação menciona uma possiblidade de revisão do anexo IX: O Art. 138, § 10 prevê o seguinte:

Sem prejuízo da avaliação quinquenal de que trata o Capítulo I do Título III do Livro III desta Lei Complementar, o Ministro de Estado da Fazenda e o Comitê Gestor do IBS, ouvido o Ministério da Agricultura e Pecuária, revisarão, a cada 120 (cento e vinte) dias, por meio de ato conjunto, a lista de que trata o Anexo IX, tão somente para inclusão de insumos de que trata o caput deste artigo que sirvam às mesmas finalidades daquelas já contempladas e de produtos destinados ao uso exclusivo para a fabricação de defensivos agropecuários. (grifos nossos)

 Neste ponto, parece razoável que as instituições que representam as cadeias produtivas da cana-de-açúcar, do açúcar e do etanol se mobilizem, junto aos Ministérios da Fazenda, Agricultura e Pecuária, bem como ao Comitê Gestor, para adicionar a cana-de-açúcar, que tem como classificação fiscal a NCM 1212.93.00, como mais um item sujeito ao diferimento dos novos tributos, de forma a evitar eventuais resíduos tributários que onerem o caixa das companhias. Tal inclusão não apenas promoveria maior isonomia no tratamento tributário dos insumos agroindustriais, como também contribuiria para a preservação da competitividade do setor sucroenergético, mitigando distorções fiscais e assegurando maior previsibilidade econômica às empresas envolvidas na cadeia produtiva.


[1] LEI COMPLEMENTAR Nº 214, DE 16 DE JANEIRO DE 2025. Acessado em 02 de outubro de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm>

[2] Estudo projeta alíquota de até 28,7% para CBS e IBS. Acessado em 02 de outubro de 2025, de: <https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/09/18/estudo-projeta-aliquota-de-ate-287-para-cbse-ibs.ghtml>

[3] LEI N° 11.727, DE 23 DE JUNHO DE 2008. Acessado em 02 de outubro de 2025, de: < https://www.econeteditora.com.br/bdi/lei/08/lei_11727.php>

[4] LEI Nº 15.948, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2016. Acessado em 03 de outubro de 2025, de:

https://www.sefaz.pe.gov.br/Legislacao/Tributaria/Documents/Legislacao/Leis_Tributarias/2016/L ei15948_2016.htm>

[5] Não cumulatividade plena mudará forma de atuação do setor de infraestrutura, afirma Bernard

Appy. Acessado em 02 de outubro de 2025, de: < https://www.gov.br/fazenda/ptbr/assuntos/noticias/2025/agosto/nao-cumulatividade-plena-mudara-forma-de-atuacao-dosetor-de-infraestrutura-afirma-bernard-

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