Solange Bezerra

A população LGBTQIAPN+ e o mercado de trabalho: Uma urgência de inclusão sob a ótica dos direitos humanos

Postado em 02 de julho de 2025 Por Solange Luiza Bezerra de Oliveira Mestre em Direito, Mercado, Compliance e Segurança Humana. Especialista em Direito Sindical e Coletivo do Trabalho. Especialista em Direito Judiciário. Advogada. Atua em empresas, sindicatos, desenvolvendo as atividades de representação e assessoramento nas áreas de Direito individual do Trabalho e Direito Coletivo do Trabalho.

A Constituição Federal de 1988 consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Apesar disso, pessoas LGBTQIAPN+ seguem enfrentando obstáculos severos para acessar e permanecer no mercado de trabalho formal. O preconceito, estrutural e institucionalizado, ainda marca negativamente suas trajetórias profissionais, limitando oportunidades, invisibilizando talentos e violando direitos fundamentais.

Não se trata de discurso identitário, mas de justiça social. O trabalho é mais do que meio de sobrevivência: é mecanismo de inclusão, reconhecimento e cidadania. Ainda assim, de acordo com a pesquisa realizada pela To.gather (2024) ao analisar dados sobre diversidade em cerca de 300 empresas em 17 estados do país, constatou que em um universo de 1,5 milhão de trabalhadores, apenas 4,5% são pessoas LGBTQIAPN+ e o número de trabalhadores trans é cerca de 0,38%.

A lógica da heteronormatividade ainda é a regra. Em muitos casos, para ascender profissionalmente, é necessário ocultar a identidade sexual. Aqueles que não conseguem esconder — como travestis e transexuais — enfrentam discriminação direta. De acordo com a pesquisa da Infojobs, citado no Dossiê ANTRA (2025) revelam que 87% da população LGBTQIAPN+ identifica preconceitos velados como obstáculos ao crescimento profissional, enquanto 93% acreditam que políticas inclusivas são essenciais para mudar esse cenário.

A pesquisa também mostra que, apesar de 61% dos participantes nunca tenham sido questionados sobre seu gênero ou sexualidade  durante processos seletivos, mais da metade (55%) já considerou esconder esses aspectos para aumentar suas chances de emprego. Além disso, 56% afirmam ter perdido oportunidades de trabalho devido à sua identidade LGBTQIAPN+, embora 67% dos entrevistados declarem não ter sofrido preconceito durante os processos seletivos. Esses números revelam um mercado que marginaliza a diferença.

Minha vivência como advogada trabalhista, especialmente no campo do direito coletivo, revela que demandas básicas como o uso de nome social ou o acesso a banheiros de acordo com a identidade de gênero ainda enfrentam resistência, mesmo sendo respaldadas por normas como o Decreto nº 8.727/2016. A recusa em reconhecer esses direitos transforma o ambiente de trabalho em espaço hostil.

Em termos jurídicos, o marco global veio com a aprovação dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos pela ONU em 2011, que estabelecem três pilares: proteger, respeitar e reparar (CONECTAS, 2012). Tais princípios reafirmam a responsabilidade das empresas na promoção de um ambiente livre de discriminação. No entanto, como destaca Nagamine (2019), a adesão aos princípios ainda não gerou mudanças substanciais na prática empresarial brasileira.

A obra de Sedgwick (2007) nos ajuda a compreender a opressão estrutural que emerge do “armário” — a imposição de silenciamento como forma de sobrevivência profissional. Louro (2000) complementa essa reflexão ao mostrar como identidades dissidentes são tratadas como fraude social, capazes de deslegitimar até mandatos políticos, enquanto posturas ideológicas completamente antagônicas não são questionadas.

Os efeitos dessa exclusão vão além do desemprego: há estagnação profissional, violência simbólica e institucional e, muitas vezes, abandono escolar precoce. Conforme Irigaray e Freitas (2013), o trabalho ainda opera como campo de exclusão: homo e bissexuais contratados recebem salários menores e enfrentam mais dificuldades de ascensão.

Apesar de algumas iniciativas positivas — como a criação do Transemprego, cotas para pessoas trans em universidades públicas (UNEB, UFABC, UFSB), e centros de cidadania LGBT como os existentes em Recife — ainda são pontuais e insuficientes diante da magnitude da exclusão. O reconhecimento de que a orientação sexual ou identidade de gênero não pode ser critério de contratação, promoção ou permanência é urgente.

É preciso que o Estado cumpra seu papel fiscalizador, que as empresas revejam suas políticas internas e que a sociedade civil reforce seu compromisso com a inclusão. O Brasil não pode mais naturalizar que, para ser aceito, o trabalhador LGBTQIAPN+ precise calar sua identidade.

Promover a inclusão é garantir o cumprimento da Constituição. É afirmar que a dignidade não tem orientação sexual, identidade de gênero, cor, credo ou classe. O mercado de trabalho brasileiro precisa, com urgência, sair do armário e abraçar a diversidade como um valor que enriquece, e não como um obstáculo à competência.

Referências

ANTRA. Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Instituições LGBTI nacionais repudiam omissão do Brasil em assinatura do plano de ação LGBTI+ no MERCOSUL. Disponível em: https://antrabrasil.org/wp-content/uploads/2025/01/dossie-antra-2025.pdf. Acesso em: 26 jun. 2025.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 1977.

CONECTAS. Empresas e Direitos Humanos: parâmetros da ONU para proteger, respeitar e reparar. São Paulo, 2012.

MACHADO, L.Estudo revela que 0,38% dos postos de trabalho no país são ocupados por pessoas trans. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/globonews/jornal-das-dez/noticia/2024/05/15/estudo-revela-que-038percent-dos-postos-de-trabalho-no-pais-sao-ocupados-por-pessoas-trans.ghtml. Acesso em: 28 jun. 2025.

GORISCH, P. C. V. de S. O reconhecimento dos direitos LGBT como Direitos Humanos. Dissertação (Mestrado em Direito Internacional). Universidade Católica de Santos, 2013.

IRIGARAY, H. A.; FREITAS, M. E. Estratégia de sobrevivência dos gays no ambiente de trabalho. Rev. psicol. polít. vol.13 no.26 São Paulo abr. 2013.

LOURO, G. L. Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, Guacira. O corpo educado. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

NAGAMINE, R. R. V. K. Os direitos de pessoas LGBT na ONU (2000–2016). Revista Latinoamericana Sexualidad, Salud y Sociedad, n. 31, abr. 2019.

SANTOS, B. de S.; CHAUÍ, M. Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2013.

SEDGWICK, E. K. A epistemologia do armário. Cadernos Pagu, n. 28, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cpa/n28/03.pdf.

TO.GATHER. Mensure diversidade em toda a jornada colaboradora.Disponível em: https://togather.com.br/diversity-analytics/. Acesso em: 28 jun 2025.

UN. A/HRC/17/L.9 General Assembly of UN, Human Rights Council. 17th session. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/58106434/UN-Resolution-on-SexualOrientation-and-Gender-Identity. Acesso em: 2 set. 2019.

UNEB. Resolução nº 1.339/2018. Disponível em: https://portal.uneb.br/reitoria/wp-content/uploads/sites/7/2018/07/1339-consu-reserva_vagas.pdf. Acesso em: 14 nov. 2020.

UFABC. UFABC terá vagas destinadas a estudantes transgêneros. Disponível em: https://www.ufabc.edu.br/ufabc-na-midia/ufabc-tera-vagas-destinadas-a-estudantes-transgeneroS. Acesso em: 14 nov. 2020.

UFSB. UFSB abre inscrições do processo seletivo para os colégios universitários hoje. Disponível em: https://www.ufsb.edu.br/ultimas-noticias/605-ufsb-abre-inscricoes-do-processo-seletivo-para-os-colegios-universitarios-hoje-22. Acesso em: 14 nov. 2020.

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