Erika de Barros Lima Ferraz e Pedro de Menezes Carvalho

Abuso de poder do controlador em situações de insolvência: Responsabilização e incentivos econômicos

Postado em 13 de agosto de 2025 Por Pedro de Menezes Carvalho  Advogado e professor universitário com mestrado em Direito pela UFPE. Especialista em Contratos pela Harvard University e em Negociação pela University of Michigan. Advogado na área de Regulação, Negócios, Energia e Financeira. Experiência destacada na docência na UNICAP, IBMEC e PUCMinas.Por Érika de Barros Lima Ferraz  Advogada, Mestre pela USP na área de Direito Comercial e Presidente do Instituto dos Advogados de Pernambuco – IAP.

A Lei nº 11.101/2005 (LRE) representou uma mudança paradigmática ao reformular o regime da falência no Brasil, deixou-se de tratar a falência como mero processo liquidatório voltado à extinção da empresa para concebê-la como um instrumento voltado à alocação eficiente de ativos e à reparação dos créditos. A alienação de unidades produtivas em funcionamento, prevista no art. 140 da LRE, reforça essa função moderna da falência, que se orienta não apenas à satisfação dos credores, mas também à preservação do valor econômico da empresa e à mitigação de seus efeitos sistêmicos sobre trabalhadores, fornecedores e demais stakeholders.

Nesse contexto, torna-se ainda mais relevante a discussão sobre os deveres do acionista controlador e sua eventual responsabilização por atos lesivos praticados em momentos anteriores à quebra. A Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76) estabelece um sistema normativo que busca coibir o exercício abusivo do poder de controle, especialmente nos arts. 116 e 117. Ao determinar que o controlador deve atuar visando ao cumprimento do objeto social e respeitar os direitos dos demais acionistas e da companhia, o legislador procurou alinhar incentivos privados com interesses coletivos, especialmente em contextos de crise.

O uso abusivo do poder de controle pode se manifestar de diversas formas, como a celebração de contratos prejudiciais à companhia, decisões que beneficiem o controlador em detrimento dos demais acionistas, ou mesmo a omissão em momentos críticos de governança. Em cenários de insolvência, tais condutas ganham especial gravidade, pois não afetam apenas os sócios, mas também os credores, que muitas vezes já se encontram em posição vulnerável. A jurisprudência e a doutrina admitem, em certos casos, a extensão dos efeitos da falência ao controlador, notadamente em situações que envolvem fraude, confusão patrimonial ou subcapitalização artificial da empresa.

A análise econômica do Direito revela que o controle societário concentra poderes significativos, mas também exige contrapartidas: quando o acionista controlador age de maneira oportunista, transferindo riscos para minoritários ou credores, gera-se um problema clássico de externalidade negativa. A responsabilização civil e patrimonial nesses casos busca internalizar tais custos privados, criando incentivos adequados para o exercício diligente do poder de controle. É nesse sentido que se compreende a previsão do artigo 82 da LRE, que autoriza o ajuizamento de ação contra sócios e administradores por atos ilícitos praticados antes da quebra.

O art. 246 da Lei das S.A. prevê expressamente a possibilidade de responsabilização do acionista controlador por atos que infrinjam os deveres estabelecidos nos arts. 116 e 117. Embora represente um avanço normativo, sua operacionalização na prática enfrenta barreiras relevantes. A exigência de quóruns mínimos de participação acionária, 5% do capital social para companhias fechadas, com percentuais variáveis para companhias abertas, pode se tornar inócua em sociedades com capital pulverizado. A exigência de caução, nos casos em que esse percentual não é alcançado, atua como freio adicional, elevando os custos de entrada da demanda e podendo inibir a atuação de minoritários, mesmo diante de indícios sérios de abuso.

A exigência de caução busca reduzir litígios temerários, mas pode gerar um efeito colateral indesejado: a subutilização de um mecanismo essencial de controle e responsabilização. Em mercados de capitais desenvolvidos, ações derivadas (derivative suits) desempenham papel relevante na contenção de abusos e na proteção de investidores. Ao dificultar esse tipo de ação, o ordenamento brasileiro acaba por comprometer a eficácia do sistema de enforcement privado e reforça a assimetria entre controlador e minoritários.

O Projeto de Lei nº 2.925/2023, em tramitação na Câmara dos Deputados, propõe relevantes aperfeiçoamentos ao regime do art. 246. Entre as alterações previstas, destacam-se a dispensa de deliberação prévia da assembleia para o ajuizamento da ação, a redução dos quóruns exigidos para companhias abertas, e a previsão de prêmio ao autor da ação em caso de êxito, inclusive quando houver acordo. A proposta visa reequilibrar os incentivos, tornando a ação de responsabilidade mais acessível e efetiva, sem descuidar da proteção contra o uso abusivo do sistema judicial.

A possibilidade de reparação também gera impactos distributivos relevantes, em caso de condenação, os valores devem ser revertidos à companhia, beneficiando todos os acionistas, inclusive aqueles que não participaram da ação. Esse efeito positivo, no entanto, gera um problema de free-riding, já que os custos do processo recaem inicialmente apenas sobre os autores. O projeto de lei tenta atenuar esse problema ao prever a divisão proporcional do prêmio entre os demandantes, com base em sua contribuição ao êxito da causa.

Por fim, é importante destacar que a responsabilização do controlador não se restringe à esfera judicial. Em companhias abertas, a atuação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também pode ensejar sanções administrativas, especialmente quando os atos abusivos afetam a integridade do mercado de capitais ou violam deveres de disclosure. A atuação coordenada entre esferas judicial e administrativa é, portanto, essencial para garantir efetividade à proteção dos minoritários em contextos de crise e insolvência empresarial.

A Editora OAB/PE Digital não se responsabiliza pelas opiniões e informações dos artigos, que são responsabilidade dos autores.

Envie seu artigo, a fim de que seja publicado em uma das várias seções do portal após conformidade editorial.

Gostou? Compartilhe esse Conteúdo.

Fale Conosco pelo WhatsApp
Ir para o Topo do Site