Bruno Brennand

Candidaturas femininas. Quando a imposição legal não resolve

Postado em 27 de agosto de 2025 Por Bruno Brennand  Advogado, Professor de Direito Eleitoral e Direito Constitucional e membro da Rede Brasil de Governança – RGB Brasil

A sub-representação feminina na política brasileira tem sido objeto de intenso debate institucional e acadêmico nas últimas décadas. Embora o eleitorado nacional seja majoritariamente composto por mulheres — superando 52% em todas as eleições recentes — a presença feminina nas instâncias de poder, tanto legislativas quanto executivas, permanece minoritária. Diante desse cenário, a legislação eleitoral passou a exigir, desde 2009, a observância de um percentual mínimo de candidaturas femininas (atualmente 30%), bem como a destinação proporcional de recursos públicos (fundo partidário e fundo especial de financiamento de campanha) e tempo de propaganda às mulheres.

Contudo, a aplicação dessa normativa vem sendo acompanhada de práticas que subvertem seus objetivos, em especial por meio do uso fraudulento das chamadas “candidaturas laranjas”, candidaturas femininas fictícias lançadas apenas para atender formalmente à legislação. Tais práticas resultaram em uma série de julgamentos relevantes e na consolidação de jurisprudência pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com destaque para o precedente de Valença do Piauí e a Súmula nº 73, publicada em 2024.

O presente artigo adota uma abordagem empírico-jurídica, com base em levantamento de dados quantitativos e qualitativos extraídos de fontes oficiais, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e relatórios de entidades como a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), além de publicações jornalísticas especializadas. De antemão, informamos que o quantitativo de gênero é o indicado pelo próprio TSE, e não adentramos nas questões das chamadas candidaturas de transgêneros.

A estrutura da análise compreende:

  1. Levantamento do número de candidaturas femininas e de mulheres eleitas nas três últimas eleições (2020, 2022 e 2024);
  2. Análise da distribuição regional e partidária das candidaturas;
  3. Identificação dos partidos com liderança feminina;
  4. Verificação da presença de mulheres em ministérios federais;
  5. Avaliação da distribuição de recursos públicos eleitorais por gênero e raça;
  6. Estudo de casos de fraude à cota de gênero, com ênfase no caso de Valença (PI) e na aplicação da Súmula 73 do TSE;
  7. Discussão crítica sobre a efetividade normativa da política de cotas, considerando os efeitos práticos e as distorções geradas pelo uso indevido da norma.

Ao fim, o artigo propõe uma reflexão crítica sobre os limites das políticas afirmativas baseadas em cotas formais, indicando caminhos para a construção de uma representatividade feminina mais substancial e menos vulnerável a distorções estratégicas.

Participação Feminina na Política Eleitoral Brasileira

1. Candidaturas Femininas Recentes

  • Eleições Municipais 2020: cerca de 34% dos(as) candidatos(as) foram mulheres.
  • Eleições Gerais 2022: de aproximadamente 456.310 candidaturas, 155 mil foram de mulheres, incluindo 74.355 não negras e 80.645 negras.
  • Eleições Municipais 2024: total de candidaturas femininas estimado em 155 mil, com destaque para 2.311 mulheres disputando prefeituras (aproximadamente 15%), em apenas 35% dos municípios houve ao menos uma candidata.

2. Mulheres Eleitas

  • Municipais 2020: prefeitas foram cerca de 12%, vereadoras 16%.
  • Municipais 2024: prefeitas 13%, vereadoras 18,24%.
  • Eleições Gerais 2022: Deputadas representaram 18,1% da Câmara; Senadoras, 19,8% do Senado.

3. Liderança em Partidos

Partidos atualmente presididos por mulheres:

  • PCdoB — Luciana Santos
  • PRTB — Aldinea Fidelix
  • Podemos (PODE) — Renata Abreu
  • PMB / Brasil 35 — Suêd Haidar
  • REDE Sustentabilidade — Heloísa Helena (na função de porta-voz)

4. Ministras no Governo Federal (até agosto de 2025)

Atualmente, 9 mulheres ocupam ministérios de um total de 38 (trinta e oito) ou órgãos equivalentes, entre elas:

  • Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação);
  • Margareth Menezes (Cultura);
  • Marina Silva (Meio Ambiente);
  • Macaé Evaristo (Direitos Humanos);
  • Sônia Guajajara (Povos Indígenas);
  • Esther Dweck (Gestão e Inovação);
  • Anielle Franco (Igualdade Racial);
  • Simone Tebet (Planejamento e Orçamento);
  • Márcia Lopes (Mulheres).

5. Financiamento de Campanha

5.1 Fundo Eleitoral (FEFC) e Fundo Partidário

  • 2020: R$ 2,035 bi (municipal);
  • 2022 e 2024: R$ 4,9 bi (geral e municipal).

5.2 Cota de 30% para candidatas

A Emenda Constitucional 117/2022 exige a destinação de no mínimo 30% dos recursos dos fundos para candidaturas femininas e 30% do tempo de propaganda eleitoral.

5.3 Desigualdade financeira

  • Homens declarados brancos receberam 51% dos recursos em 2022.
  • Mulheres declaradas negras: apenas 11,2%, embora representem 17,7% das candidaturas.

6. Candidaturas Laranjas e Jurisprudência

  • Valença (PI): vereadores cassados por uso de candidatas fictícias.
  • Súmula 73 do TSE: define que fraudes se caracterizam por:
    • Votação inexpressiva ou zerada;
    • Contas zeradas ou sem movimentação;
    • Ausência de campanha efetiva. Consequências: perda do DRAP, cassação, inelegibilidade e nova contagem de votos.

Já havia me manifestado anteriormente que a edição da súmula facilitou em verdade a fraude. Sim! Basta um mínimo de organização e atender os três requisitos para que a fraude não seja reconhecida. Um bom contador e um advogado superam tais requisitos sem a menor dificuldade, além do que nada impede que os recursos recebidos pelas candidaturas femininas doem ou custem despesas casadas com candidaturas masculinas, fazendo com que não haja real financiamento puro de candidaturas femininas. Digo sem medo de errar, uma agremiação partidária ter suas candidaturas anuladas por fraude à cota de gênero é de uma incompetência atroz, fato aliás, que assistimos com certa frequência no Estado de Pernambuco, pela simples falta de uma postagem em rede social, ou por sequer a candidata ter votada em si própria, além de pretação de contas sem uma única despesa com material gráfico ou impulsionamento em internet.

Apesar dos avanços normativos e institucionais, a obrigatoriedade de candidaturas femininas e destinação de recursos tem se mostrado insuficiente para garantir participação efetiva das mulheres na política. Não podemos negar fenômeno sociológico da ausência de interesse no envolvimento em política por diveros fatores como: estudo recente com entrevistas semiestruturadas envolvendo mulheres que atuam em política nas regiões Sudeste e Nordeste identificou barreiras psicossociais, culturais e partidárias, além dos impactos da violência política, que desencorajam a inserção e a permanência feminina na esfera política. Mulheres relatam adoecimento mental e físico como consequências dessa resistência estrutural; Pesquisa publicada pela Cambridge University Press, de autoria de Luciana de Oliveira Ramos (FGV São Paulo) e Virgílio Afonso da Silva (USP), publicado em: Politics & Gender, vol. 16 n.º 2 (junho de 2020), mostra que os tribunais eleitorais muitas vezes agem de forma restrita em casos complexos, limitando a eficácia das cotas de gênero. Ou seja, a legislação existe, mas o ambiente político e institucional não favorece sua plena aplicação. As candidaturas laranjas revelam que, na prática, a legislação é muitas vezes burlada, mantendo-se a hegemonia masculina nos espaços de poder. A existência de previsão legal e de jurisprudência consolidada, como a Súmula 73 do TSE, é avanço importante, mas ainda insuficiente e ineficaz sem mecanismos de fiscalização mais efetivos, punições exemplares e cultura partidária inclusiva. A luta pela representatividade feminina real passa, portanto, por transformações estruturais que superem o formalismo legal e enfrentem as práticas sistemáticas de exclusão e manipulação eleitoral.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Jurisprudência e Súmulas. Disponível em: https://www.tse.jus.br. Acesso em: ago. 2025.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. TSE divulga percentual de candidaturas femininas e de pessoas negras por partido político. 2024. Disponível em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Agosto/tse-divulga-percentual-de-candidaturas-femininas-e-de-pessoas-negras-por-partido-politico. Acesso em: ago. 2025.

CAMBRIDGE UNIVERSITY PRESS. RAMOS, Luciana de Oliveira; SILVA, Virgílio Afonso da. The Gender Gap in Brazilian Politics and the Role of the Electoral Court. Politics & Gender, vol. 16, n.º 2, 2020. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/politics-and-gender/article/gender-gap-in-brazilian-politics-and-the-role-of-the-electoral-court/8162AF4E0A313936BEDF9779C4AD67D1. Acesso em: ago. 2025.

CNM – Confederação Nacional de Municípios. Perfil das Prefeitas Eleitas em 2024. 2024. Disponível em: https://www.cnm.org.br. Acesso em: ago. 2025.

GOVERNO FEDERAL. Lista atualizada de ministras no Governo Federal. Disponível em: https://www.gov.br. Acesso em: ago. 2025.

KAS – Fundação Konrad Adenauer. Mulheres na política: entre obstáculos e avanços. Brasília: KAS, 2022.

RAMOS, Luciana de Oliveira. Party Institutionalization and Women’s Representation in Democratic Brazil. Cambridge University Press, 2023. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/books/party-institutionalization-and-womens-representation-in-democratic-brazil/8E84C55FC1ED8D3BC4F99636E2D21232. Acesso em: ago. 2025.

UFBA – Universidade Federal da Bahia. ALMEIDA, Fabíola; SOUZA, Renata. Mulheres interessadas em política: desafios e motivações de candidatas à vereança. Revista Feminismos, Salvador, v. 9, n. 2, p. 71-91, 2021. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/43294. Acesso em: ago. 2025.

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