A sub-representação feminina na política brasileira tem sido objeto de intenso debate institucional e acadêmico nas últimas décadas. Embora o eleitorado nacional seja majoritariamente composto por mulheres — superando 52% em todas as eleições recentes — a presença feminina nas instâncias de poder, tanto legislativas quanto executivas, permanece minoritária. Diante desse cenário, a legislação eleitoral passou a exigir, desde 2009, a observância de um percentual mínimo de candidaturas femininas (atualmente 30%), bem como a destinação proporcional de recursos públicos (fundo partidário e fundo especial de financiamento de campanha) e tempo de propaganda às mulheres.
Contudo, a aplicação dessa normativa vem sendo acompanhada de práticas que subvertem seus objetivos, em especial por meio do uso fraudulento das chamadas “candidaturas laranjas”, candidaturas femininas fictícias lançadas apenas para atender formalmente à legislação. Tais práticas resultaram em uma série de julgamentos relevantes e na consolidação de jurisprudência pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com destaque para o precedente de Valença do Piauí e a Súmula nº 73, publicada em 2024.
O presente artigo adota uma abordagem empírico-jurídica, com base em levantamento de dados quantitativos e qualitativos extraídos de fontes oficiais, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e relatórios de entidades como a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), além de publicações jornalísticas especializadas. De antemão, informamos que o quantitativo de gênero é o indicado pelo próprio TSE, e não adentramos nas questões das chamadas candidaturas de transgêneros.
A estrutura da análise compreende:
Ao fim, o artigo propõe uma reflexão crítica sobre os limites das políticas afirmativas baseadas em cotas formais, indicando caminhos para a construção de uma representatividade feminina mais substancial e menos vulnerável a distorções estratégicas.
Participação Feminina na Política Eleitoral Brasileira
1. Candidaturas Femininas Recentes
2. Mulheres Eleitas
3. Liderança em Partidos
Partidos atualmente presididos por mulheres:
4. Ministras no Governo Federal (até agosto de 2025)
Atualmente, 9 mulheres ocupam ministérios de um total de 38 (trinta e oito) ou órgãos equivalentes, entre elas:
5. Financiamento de Campanha
5.1 Fundo Eleitoral (FEFC) e Fundo Partidário
5.2 Cota de 30% para candidatas
A Emenda Constitucional 117/2022 exige a destinação de no mínimo 30% dos recursos dos fundos para candidaturas femininas e 30% do tempo de propaganda eleitoral.
5.3 Desigualdade financeira
6. Candidaturas Laranjas e Jurisprudência
Já havia me manifestado anteriormente que a edição da súmula facilitou em verdade a fraude. Sim! Basta um mínimo de organização e atender os três requisitos para que a fraude não seja reconhecida. Um bom contador e um advogado superam tais requisitos sem a menor dificuldade, além do que nada impede que os recursos recebidos pelas candidaturas femininas doem ou custem despesas casadas com candidaturas masculinas, fazendo com que não haja real financiamento puro de candidaturas femininas. Digo sem medo de errar, uma agremiação partidária ter suas candidaturas anuladas por fraude à cota de gênero é de uma incompetência atroz, fato aliás, que assistimos com certa frequência no Estado de Pernambuco, pela simples falta de uma postagem em rede social, ou por sequer a candidata ter votada em si própria, além de pretação de contas sem uma única despesa com material gráfico ou impulsionamento em internet.
Apesar dos avanços normativos e institucionais, a obrigatoriedade de candidaturas femininas e destinação de recursos tem se mostrado insuficiente para garantir participação efetiva das mulheres na política. Não podemos negar fenômeno sociológico da ausência de interesse no envolvimento em política por diveros fatores como: estudo recente com entrevistas semiestruturadas envolvendo mulheres que atuam em política nas regiões Sudeste e Nordeste identificou barreiras psicossociais, culturais e partidárias, além dos impactos da violência política, que desencorajam a inserção e a permanência feminina na esfera política. Mulheres relatam adoecimento mental e físico como consequências dessa resistência estrutural; Pesquisa publicada pela Cambridge University Press, de autoria de Luciana de Oliveira Ramos (FGV São Paulo) e Virgílio Afonso da Silva (USP), publicado em: Politics & Gender, vol. 16 n.º 2 (junho de 2020), mostra que os tribunais eleitorais muitas vezes agem de forma restrita em casos complexos, limitando a eficácia das cotas de gênero. Ou seja, a legislação existe, mas o ambiente político e institucional não favorece sua plena aplicação. As candidaturas laranjas revelam que, na prática, a legislação é muitas vezes burlada, mantendo-se a hegemonia masculina nos espaços de poder. A existência de previsão legal e de jurisprudência consolidada, como a Súmula 73 do TSE, é avanço importante, mas ainda insuficiente e ineficaz sem mecanismos de fiscalização mais efetivos, punições exemplares e cultura partidária inclusiva. A luta pela representatividade feminina real passa, portanto, por transformações estruturais que superem o formalismo legal e enfrentem as práticas sistemáticas de exclusão e manipulação eleitoral.
Referências Bibliográficas
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RAMOS, Luciana de Oliveira. Party Institutionalization and Women’s Representation in Democratic Brazil. Cambridge University Press, 2023. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/books/party-institutionalization-and-womens-representation-in-democratic-brazil/8E84C55FC1ED8D3BC4F99636E2D21232. Acesso em: ago. 2025.
UFBA – Universidade Federal da Bahia. ALMEIDA, Fabíola; SOUZA, Renata. Mulheres interessadas em política: desafios e motivações de candidatas à vereança. Revista Feminismos, Salvador, v. 9, n. 2, p. 71-91, 2021. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/43294. Acesso em: ago. 2025.
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