A Lei nº 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais – LDA) regula a proteção de obras literárias, artísticas e científicas, assegurando direitos morais e patrimoniais aos seus autores. Entretanto, persiste a dúvida: as peças processuais produzidas pelos advogados podem ser reconhecidas como obras intelectuais?
Essa questão é relevante diante da prática comum de reprodução de petições sem menção à autoria, situação que levanta problemas éticos, civis e até penais. O objetivo geral deste artigo é analisar se os documentos jurídicos elaborados no exercício da advocacia podem ser enquadrados no conceito de obra protegido pela LDA. Os objetivos específicos incluem: (i) examinar a evolução histórica da proteção autoral; (ii) identificar as principais características das peças processuais; e (iii) avaliar a possibilidade de proteção das petições pela legislação vigente.
A pesquisa é qualitativa, descritiva e bibliográfica, fundamentada em doutrina, legislação e jurisprudência.
A proteção da criação intelectual ganhou forma jurídica apenas a partir da modernidade, com a invenção da imprensa e a necessidade de regulamentar a reprodução de obras. O Statute of Anne (1710), na Inglaterra, foi o primeiro diploma legal específico sobre direitos autorais.
No Brasil, a proteção começou com a Lei Imperial de 1827 e se consolidou com a Lei nº 5.988/1973, sucedida pela Lei nº 9.610/1998, ainda em vigor. A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII, a proteção aos autores e às suas criações intelectuais.
A LDA protege tanto os direitos morais (paternidade, integridade, ineditismo) quanto os patrimoniais (exploração econômica da obra por 70 anos após a morte do autor). A obra, contudo, deve apresentar criatividade e originalidade para ser protegida.
As peças processuais são instrumentos pelos quais se concretiza o direito de ação e de defesa. Entre as principais, destacam-se:
– Petição inicial (exordial): inaugura o processo judicial, delimitando fatos, fundamentos e pedidos.
– Contestação: principal forma de defesa do réu, na qual se concentram todos os argumentos de fato e de direito.
– Recursos: instrumentos para reanálise de decisões judiciais, garantindo o duplo grau de jurisdição.
Embora possuam finalidade utilitária, tais peças podem ser elaboradas com criatividade e inovação, ultrapassando o caráter meramente técnico. Nesses casos, a produção intelectual do advogado pode se enquadrar no conceito de obra literária protegido pela LDA.
A utilização não autorizada de petições ou teses jurídicas de outros profissionais pode gerar diferentes consequências:
– Responsabilidade civil: indenização por danos materiais e morais decorrentes da contrafação.
– Responsabilidade penal: crime de violação de direitos autorais (art. 184 do Código Penal), especialmente em casos de plágio.
– Responsabilidade ética: infração disciplinar prevista no Estatuto da OAB e no Código de Ética, com penas que variam de censura à suspensão.
A jurisprudência e a doutrina reconhecem que a reprodução integral ou parcial de obras jurídicas sem autorização caracteriza ilícito. Ainda assim, permanece a resistência cultural em admitir a peça processual como objeto de proteção autoral.
A análise realizada permite concluir que as peças processuais podem, em determinadas circunstâncias, ser reconhecidas como obras intelectuais tuteladas pela Lei de Direitos Autorais. Quando dotadas de criatividade e originalidade, as petições transcendem a função utilitária e adquirem natureza literária.
O reconhecimento da proteção autoral nesse campo não elimina a função social do direito, mas garante respeito à autoria, desestimulando o plágio e valorizando a advocacia. É necessário, portanto, consolidar o entendimento de que a produção jurídica criativa é passível de tutela autoral, fortalecendo o exercício ético e responsável da profissão.
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