Bianca Larissa Alves Vasconcelos

Do analógico ao digital: A nova dimensão do Direito à Educação

Postado em 29 de outubro de 2025
  1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, se tem verificado um aumento significativo das garantias individuais e sociais no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse contexto, a educação se faz presente, sendo reconhecida como um direito fundamental pela Constituição Federal de 1988, em seus artigos 6º e 205.

Atualmente, diante das mudanças trazidas pela globalização e pelo avanço tecnológico, vem sendo exigido uma releitura desse direito. O acesso à informação e às ferramentas digitais tornou-se parte indispensável no processo de aprendizagem, fazendo surgir a necessidade de reconhecer a educação mediada por ferramentas digitais como uma extensão natural do direito à educação tradicional. Como observa Manuel Castells (2003), habitamos a chamada “sociedade em rede”, onde o saber e a tecnologia influenciam as interações humanas e definem as perspectivas sociais. Logo, a privação de recursos digitais tende a evoluir para uma nova manifestação de desigualdade educacional.

Diante desse cenário, este artigo tem como objetivo refletir sobre a aplicação das tecnologias digitais nas atividades educacionais, analisando sua fundamentação jurídica, seus benefícios e desafios, bem como sua relevância no contexto nacional e internacional.

  1. A EDUCAÇÃO MEDIADA POR TECNOLOGIAS DIGITAIS COMO DIREITO FUNDAMENTAL

O direito à educação, previsto na Constituição Federal e em diversos tratados internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), tem como objetivo garantir o acesso universal ao conhecimento. No entanto, na era digital, o acesso à educação passa necessariamente pelo acesso às tecnologias.

No contexto brasileiro, a pandemia da Covid-19 comprova essa afirmação ao evidenciar uma disparidade: enquanto parte dos estudantes teve acesso às aulas on-line e recursos digitais, muitos outros ficaram à margem do ensino, revelando a fragilidade de um ensino sem acesso a instrumentos tecnológicos. Essa realidade reforça a urgência de compreender o acesso às ferramentas digitais como componentes indispensáveis à efetivação do direito à educação.

Ademais, embora muitas escolas brasileiras busquem há anos incorporar tecnologias ao processo de ensino, não basta que elas simplesmente possuam computadores ou acesso à internet, é preciso que esse direito se concretize de forma efetiva e contínua. Um exemplo da distância entre o discurso e a prática pode ser observado em dados apresentados em 2014 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, tais informações mostraram que  85% das escolas públicas declararam possuir computadores e laboratórios de informática, e 92% afirmaram ter acesso à internet. Entretanto, grande parte desses equipamentos havia sido instalado há muitos anos, encontrando-se antigo ou sem manutenção adequada, o que impede que cumpram plenamente sua função de promover a inclusão digital no processo educativo brasileiro (Barbosa, 2015).

  1. BENEFÍCIOS DA EDUCAÇÃO COM O USO DE RECURSOS DIGITAIS

A tecnologia, no contexto educacional, vai muito além do uso de equipamentos. Ela abrange materiais, ferramentas e recursos diversos que, quando bem aplicados, podem aprimorar significativamente a qualidade do ensino e do processo de aprendizagem.

Presente de forma constante na vida de todos, especialmente das novas gerações, a tecnologia não deve ser vista como um elemento que prejudica o aprendizado. Pelo contrário, quando utilizada de maneira consciente e equilibrada, ela pode se tornar uma grande aliada no ambiente escolar. É importante, claro, ter atenção e estabelecer limites, garantindo que seu uso aconteça de forma pedagógica, integrando o novo ao clássico.

Ao englobar o ensino tradicional com as ferramentas digitais , as quais os adolescentes já estão familiarizados, cria-se um aprendizado mais atrativo. Bem como, permite que aqueles que não têm contato com o ambiente digital possam desenvolver habilidades que serão importantes no futuro, tanto no meio acadêmico quanto no profissional, tais quais saber operar um computador, compreender formatações básicas e usar programas digitais. No ensino infantil, o uso de tecnologias como os óculos de realidade virtual, por exemplo, pode despertar curiosidade e interesse. As crianças podem aprender sobre os animais, por exemplo, de forma visual e interativa, explorando cores, sons e movimentos – o que torna o aprendizado mais divertido. Como diz Tapscott (1998, p. 178), “o aprendizado deve ser cativante e excitante; o mundo é o maior recurso do aprendizado e a tecnologia deu à educação um meio inestimável por meio do qual pode-se acessar o mundo e dele participar”.

Para além disso, o acesso a conteúdos digitais torna o aprendizado mais prático e, muitas vezes, mais econômico, o que amplia a democratização do conhecimento. Recursos tecnológicos no ambiente escolar também podem facilitar a acessibilidade, uma vez que também podem incluir e auxiliar alunos com deficiência (seja visual, auditiva ou de outro tipo). Uma criança com deficiência visual, por exemplo, pode aprender sobre os animais não pelas imagens, mas pelos sons e descrições, vivenciando o conteúdo de forma diferente, mas igualmente educativa. Assim, a educação com o uso de recursos digitais não se trata apenas de modernizar o ensino, mas de humanizá-lo ainda mais, tornando-o inclusivo, acessível e conectado à realidade de cada aluno.

Outrossim, as implicações da educação no mundo são significativas, uma vez que, com ela, vem um grande desenvolvimento – humano, social, econômico, político, ambiental e muitos outros -, configurando-se como um instrumento essencial de transformação social e, portanto, indispensável. Os dados da UNESCO refletem essa ideia ao indicar que a cada ano de escolaridade concluída a média anual do PIB de um país pode aumentar em 0,37% (Instituto Algar, 2021). Assim, com a educação se fazendo presente, é necessário que ela também se molde para acompanhar o desenvolvimento tecnológico, para que se possa alcançar de forma plena seus efeitos.

  1. DESAFIOS DE IMPLEMENTAÇÃO

No Brasil, embora existam projetos como o ProInfo e o PNE que visam modernizar a educação com tecnologia, ainda existem dificuldades para colocar isso em prática. Grande parte dos desafios estão ligados ao alto custo e à escassez de recursos financeiros, tanto nas escolas particulares quanto nas públicas. Mesmo quando escolas conseguem adquirir alguns dispositivos ou ferramentas digitais, geralmente não é possível atender a todos os alunos. Além disso, há a necessidade de conexão, uma vez que  a internet é pré-requisito para diversas ferramentas digitais, e sua falta interfere diretamente nas múltiplas formas como a tecnologia pode atuar no ambiente escolar. Em zonas rurais, por exemplo, 92% dos professores relatam falta de dispositivos e de acesso à internet (Nic, 2022), o que não os permite usufruir de novos modos educativos tecnológicos.

Outro fator crítico é a falta de capacitação dos professores ao meio digital, refletido na ausência de cursos e especializações para que se possa entender e aprender como usar a tecnologia para a ampliação de uma efetiva educação. Dessa forma, a combinação de infraestrutura insuficiente, equipamentos limitados e ausência de formação docente, corrobora para que não haja a possibilidade do pleno uso das tecnologias digitais em meio ao ambiente educacional.

  1. CONCLUSÃO

Entender sobre a necessidade de ferramentas tecnológicas no âmbito da educação, permitiu compreender que adicionar recursos digitais ao ambiente escolar não significa abandonar o quadro, o livro, a brincadeira ou o pintar, e sim significa somar. Os modelos educativos consolidados e a inovação tecnológica precisam avançar em harmonia, expandindo o ensino e democratizando-o. Assim, o direito à educação deve se expandir, não se limitando mais aos limites físicos da sala de aula, mas se estendendo aos equipamentos e as novas formas de comunicação da era digital. A educação contemporânea consiste em integrar o mundo físico ao virtual, e é nessa união que se consolida a efetivação do direito à educação em sua dimensão mais ampla, aquela que reconhece no acesso às tecnologias não um privilégio, mas uma garantia fundamental de igualdade e dignidade.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Alexandre Fernandes; GARROUX, Camila; SENNE, Fábio. Pesquisa TIC Educação e os desafios para o uso das tecnologias nas escolas de Ensino Fundamental e Médio no Brasil. Revista História da Educação & História, v. 12, n. 29, p. 295-316, 2014. 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 27 out. 2025.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris: Organização das Nações Unidas, 1948. Disponível em: https://www.un.org/en/about-us/universal-declaration-of-human-rights. Acesso em: 27 out. 2025.

ONU. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Nova York: Organização das Nações Unidas, 1966. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/international-covenant-economic-social-and-cultural-rights. Acesso em: 27 out. 2025.

INSTITUTO ALGAR. A importância da educação para o desenvolvimento social. Disponível em: https://www.institutoalgar.org.br/educacao-desenvolvimento-social/. Acesso em: 24 out. 2025.

TOPSCOTT, Don; TOPSCOTT, Anthony D. Economia digital: promessa e perigo na era da inteligência em rede. Rio de Janeiro: Makron Books, 1998. p. 178.

NIC.br – Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. 92% dos professores de escolas rurais sofrem com falta de dispositivos e de acesso à internet. São Paulo: NIC.br, 2022. Disponível em: https://nic.br/noticia/na-midia/92-dos-professores-de-escolas-rurais-sofrem-com-falta-de-dispositivos-e-de-acesso-a-internet/. Acesso em: 27 out. 2025.

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