Jose Durval de Lemos Lins Filho E Jose Nivaldo

Do código à realidade: A importância das visitas técnicas na formação jurídica

Postado em 26 de novembro de 2025 Por José Durval de Lemos Lins Filho Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Faculdade de Administração e Direito da Universidade de Pernambuco (FCAP/UPE) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Diretor da FCAP/UPE. Presidente da Comissão de Educação Jurídica. Advogado.Por José Nivaldo Brayner de Araújo Professor dos Cursos de Administração e Direito da Faculdade de Administração e Direito da Universidade de Pernambuco. Co-Presidente do Grupo Industrial João Santos.

Introdução
A formação integral do jurista transcende os limites dos compêndios doutrinários e das preleções acadêmicas. Como ensinava Paulo Freire, “é fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz”. Nesse diapasão, as visitas técnicas – a órgãos públicos, tribunais, sociedades empresárias ou escritórios de advocacia – revelam-se instrumentos pedagógicos inestimáveis para aproximar o futuro operador do Direito das situações concretas que permeiam o exercício profissional.
Trata-se de experiências singulares que oportunizam ao discente vivenciar os bastidores do sistema de justiça, complementando a formação teórica com imersões práticas de caráter indelével.

1. Teoria e Práxis: Uma Integração Necessária
Historicamente, o ensino jurídico brasileiro concentrou-se na transmissão teórica e na memorização de dispositivos legais, frequentemente dissociados da realidade profissional. As Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Direito, todavia, passaram a preconizar metodologias ativas e a inserção do discente em práticas de campo.
Atividades extensionistas, estágios supervisionados e visitas técnicas constituem, hodiernamente, componentes curriculares obrigatórios, reconhecendo-se que a abordagem exclusivamente dogmática mostra-se insuficiente para forjar um profissional integral. A integração dialética entre teoria e praxis não apenas solidifica o conhecimento, como também desenvolve competências essenciais: raciocínio crítico, sensibilidade social e compreensão aprofundada do contexto no qual o Direito se materializa.
Sob o prisma didático-pedagógico, essas experiências atuam como catalisador de aprendizagem significativa, permitindo que a literalidade normativa ganhe contornos humanos e factuais, enriquecendo a hermenêutica jurídica.

2. Benefícios Pedagógicos e Profissionais
As visitas técnicas propiciam amplo espectro de benefícios aos estudantes de Direito. Primeiramente, o contato direto com foros, tribunais, repartições públicas e escritórios permite observar in loco a dinâmica laboral de magistrados, promotores, defensores, advogados e delegados, desmistificando carreiras e revelando as exigências práticas de cada função.
Em segundo lugar, a vivência concreta erige-se como ponte entre conteúdos teóricos e sua aplicação pragmática: questões penais transcendem os artigos do Código para se materializarem no Tribunal do Júri; institutos processuais civis ganham vida nas audiências e sessões de mediação; tópicos trabalhistas adquirem clareza nas peculiaridades procedimentais das Varas do Trabalho.
Ademais, durante essas imersões, os estudantes exercitam a observação crítica, o diálogo profissional qualificado e a conduta ética, interpelando especialistas, compreendendo a linguagem forense e assimilando competências comportamentais imprescindíveis.
Por fim, a exposição ao ambiente laboral concreto serve de fonte inspiradora, despertando maior engajamento vocacional e senso aguçado de propósito. Como sintetiza a jurista Rogéria Dotti, tais experiências “propiciam aos alunos uma verdadeira interação com o mercado de trabalho, gerando além do conhecimento específico, um estímulo e uma inspiração para a carreira futura“.

3. Da Esfera Penal ao Direito Empresarial: Experiências Multifacetadas
Um dos méritos precípuos das visitas técnicas reside na possibilidade de o estudante transitar por diferentes esferas do Direito, visualizando concretamente a especificidade de cada ramo. No campo penal, visitas a delegacias, institutos de criminalística ou varas criminais permitem compreender os desafios da persecução penal e das garantias constitucionais do acusado. Assistir a uma sessão do Tribunal do Júri ou audiência de custódia impacta profundamente a compreensão sobre direitos fundamentais e presunção de inocência. No semestre corrente, a Colônia Penal Feminina do Recife recebeu estudantes dos 3º e 4º períodos do Curso de Direito da Universidade Católica de Pernambuco e da Universidade de Pernambuco, num simbiótica relação de aprendizado e humanismo.
Na seara processual civil, acompanhar audiências e julgamentos colegiados ilustra como os institutos processuais efetivamente se desenvolvem na prática forense, evidenciando que o processo constitui instrumento para a pacificação de conflitos com eficiência e justiça.
No âmbito trabalhista, a dinâmica peculiar das Varas do Trabalho – marcada pela conciliação e oralidade – humaniza as relações laborais tratadas academicamente, reforçando a função social dessa área.
Na esfera empresarial, a experiência revela-se igualmente transformadora. Recentemente, numa dessas atividades, discentes do 8º período do Curso de Direito da Universidade de Pernambuco interagiram com a Presidência do Grupo Industrial João Santos, conglomerado pernambucano em recuperação judicial, observando de perto a complexidade envolvendo credores de diversas classes, reestruturação financeira e o papel fiscalizador do Judiciário. Ao dialogarem com profissionais e administradores judiciais, os estudantes vivenciaram concretamente institutos atrelados às relações societárias, proteção aos credores e preservação de empregos, despertando senso crítico aguçado sobre a realidade empresarial brasileira.

Conclusão
Em um cenário jurídico crescentemente complexo, a formação do profissional do Direito demanda substancialmente mais que a absorção de teorias. As visitas técnicas emergem como verdadeiros laboratórios de aprendizagem, nos quais o estudante consolida saberes, desenvolve competências práticas e cultiva uma visão humanista e contextualizada de sua profissão.
O contato com tribunais, órgãos públicos, sociedades empresárias e escritórios prepara o futuro operador do Direito para transitar com desenvoltura entre a dogmática jurídica e os casos concreto, incumbindo às instituições de ensino superior, com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, incentivar e viabilizar cada vez mais essas iniciativas pedagógicas.
A OAB, ao aproximar a comunidade acadêmica da realidade profissional, cumpre seu papel de zelar pela excelência da formação dos futuros advogados.
Em síntese, as visitas técnicas enriquecem a formação jurídica em todas as suas dimensões: cognitiva, prática e ética. Ao unir o ambiente acadêmico à realidade concreta, essas experiências transformam estudantes em profissionais mais preparados, conscientes e comprometidos. Destarte, o aprendizado do Direito converte-se em práxis viva – como preconizava Paulo Freire ao advertir sobre a importância de alinhar discurso e ação. Os novos bacharéis ingressarão no mercado de trabalho carregando vivências marcantes e uma compreensão aprofundada do papel social do Direito, aptos a cumprirem com os propósitos de qualquer caminho profissional que venham a trilhar.

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