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FUNDEB: critérios de distribuição de recursos no Brasil com apagão de professores e alunos

Postado em 15 de outubro de 2025 Por Rosa Freitas Advogada, doutora em Direito pelo PPGD/UFPE e autora de artigos e livros jurídicos.

O presente ensaio discute os critérios de distribuição de recursos do FUNDEB diante do cenário de apagão de professores e de redução do número de alunos nas redes públicas. A análise parte da trajetória histórica do fundo e avança sobre o impacto do piso salarial docente, as disputas judiciais, os desafios demográficos e a crise de atratividade da carreira. O texto busca provocar reflexão sobre a sustentabilidade financeira da política educacional e a necessidade de repensar os mecanismos de financiamento em um país que envelhece e tem menos estudantes, mas maiores despesas estruturais com pessoal.

Faz 11 anos que lido com o tema que ja foi objeto de pareceres com temas como piso, progressão horizontal e vertical, dentre outros. O olhar deste texto foge ao recorrente das minhas pesquisas, mas faz parte de meu trabalho como advogada pública do município do Cabo de Santo Agostinho. 

1. Criação da política pública

O Fundef foi criado pela Lei nº 9.424/1996 e vigorou de 1997 até 2006. O Fundeb foi instituído em seu lugar pela Emenda Constitucional nº 53/2006, com a Lei nº 11.494/2007 para regulamentá-lo, e posteriormente foi tornado permanente e atualizado pela Emenda Constitucional nº 108/2020 e pela Lei nº 14.113/2020.

A Emenda Constitucional nº 108, de 27 de agosto de 2020, garantiu a complementação dos recursos para os municípios em percentual de pelo menos 23% e ainda mais 10% para os estados e o Distrito Federal. A Emenda ainda criou a distribuição de bonificação em torno de 2,5% para quem promovesse a melhoria dos índices.

O FUNDEB passou, assim, a representar um avanço institucional importante, com base em critérios de equidade e no princípio de valorização do magistério. Todavia, a sua estrutura de distribuição de recursos hoje encontra limites diante das mudanças demográficas e das pressões financeiras crescentes sobre os entes federados.

2. Piso Nacional dos Professores

A lei que regulamentou o piso foi a Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020, enquanto a lei do piso salarial nacional para os profissionais da educação básica pública é a Lei nº 11.738/2008. Ela estabelece o vencimento-base mínimo para professores, com o valor atual de R$ 4.867,77 para uma jornada de 40 horas semanais. Anualmente, o valor é reajustado pelo Ministério da Educação com base em índices oficiais.

O reajuste do piso é anual e deve seguir os mesmos índices de atualização do valor anual do FUNDEB por aluno matriculado na rede — o Valor Mínimo Anual por Aluno (VAF mínimo). A ideia parecia boa, mas hoje temos encruzilhadas a enfrentar.

O problema dos últimos anos é a redução considerável da natalidade e da ocupação escolar, somada ao aumento do piso nacional, que cresce mais e gera impacto financeiro cada vez maior. Os municípios têm aumento percentual de recursos, mas em proporção muito inferior ao crescimento das despesas.

Não há como a balança permanecer equilibrada: de um lado, os recursos do FUNDEB caem ou se mantêm estáveis com o número menor de estudantes; de outro, os custos com pessoal aumentam com o piso. Desconheço município que consiga pagar o piso nacional e as verbas previdenciárias patronais dos docentes apenas com a reserva de 70% do FUNDEB. É importante lembrar que, antes, o valor destinado a salários era de 60%, com 40% voltados a outras despesas e investimentos.

3. Discussões judiciais sobre o piso

Além das questões mencionadas, há também a pressão judicial da eternizada ADI 4167, que julgou o piso válido, mas não encerrou todos os debates sobre sua aplicação.

Um dos pontos discutidos é o pleito da categoria de considerar o piso e o salário-base como equivalentes. Nesse sentido, os planos estaduais e municipais de carreira docente deveriam atualizar toda a tabela de rendimentos anualmente, nos mesmos termos da atualização do piso.

Essa questão está no Tema 1218, de relatoria do Ministro Cristiano Zanin, no Leading Case RE 1326541, que discute a adoção do piso nacional estipulado pela Lei nº 11.738/2008 como base para o vencimento inicial da carreira, com reflexos nos demais níveis, faixas e classes.

Outro julgamento relevante é o Tema 1308, em que o Plenário Virtual reconheceu a repercussão geral da aplicação do piso aos professores contratados (ARE 1487739). A favor dos professores votaram a Ministra Rosa Weber (aposentada) e o Ministro Alexandre de Moraes; contra, o Ministro Nunes Marques.

Já o Tema 1324, sob relatoria do Ministro Dias Toffoli (ARE 1502069), trata da revisão do salário-base municipal com base no valor de atualização do piso nacional da educação fixado em portaria do MEC, ainda sem data definida de julgamento.

4. Repensando as respostas

Acredito que os professores poderão perder as batalhas no Tema 1218 e no Tema 1324, se considerarmos o raciocínio adotado no julgamento do piso nacional dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias (ACE e ACS).

A controvérsia é objeto do Recurso Extraordinário (RE 1279765), Tema 1132 de repercussão geral. No caso concreto, a maioria da Corte seguiu o voto do relator para reformar parcialmente o acórdão questionado, determinando que, na implementação do pagamento do piso nacional aos servidores estatutários municipais, seja considerada a interpretação de piso salarial apenas das parcelas fixas, permanentes e em caráter geral para toda a categoria.

Quanto à extensão do piso para contratados, há possibilidade de reconhecimento do direito e de extensão das vantagens aos vínculos precários. A não coincidência entre piso e salário-base terminou pressionando a categoria e levando a maioria dos estados e municípios a não adotarem o piso como base, achatando os planos de carreira, e ampliarem o numero de contratados, que nao tem direito à progressões de carreira e outros penduricalhos.

A tendência de aplicar o piso a contratados, em tempos de reforma administrativa, tende a favorecer a contratação sem concurso, com vínculos frágeis e instabilidade funcional.

5. Apagão de professores

Outro ponto importante é o apagão de professores. A maioria dos jovens não vê a carreira positivamente e escolhe outras profissões.

O Programa Mais Professores para o Brasil foi criado em reconhecimento ao papel central dos docentes no processo de aprendizagem e no sucesso das políticas educacionais. A iniciativa visa fortalecer a formação docente, incentivar o ingresso no ensino público e valorizar o magistério, proporcionando recursos e oportunidades de desenvolvimento profissional contínuo.

O programa envolve ações em cinco eixos estruturantes:

• Seleção para o ingresso na docência: Prova Nacional Docente para subsidiar estados, DF e municípios;

• Atratividade para as licenciaturas: Bolsa Pé-de-Meia Licenciaturas para ingresso e permanência;

• Alocação de professores: Bolsa Mais Professores para atuação em regiões com carência;

• Formação docente: Portal de desenvolvimento profissional conforme o perfil do docente;

• Valorização dos professores: ações de reconhecimento e parcerias interministeriais.

Ainda não se sabe se o programa alcançará os resultados pretendidos pelo governo.

6. Crise demográfica

A taxa de fecundidade caiu de 2,322 filhos por mulher em 2000 para 1,571 em 2023, ficando abaixo da taxa de reposição de 2,1. O Brasil envelhece rapidamente e, em 2041, começará o processo de decrescimento populacional.

Não parece adequado usar o número de alunos por município como critério principal de composição dos repasses da educação. As despesas se mantêm, mas a quantidade de alunos tende a reduzir nos próximos anos.

Sempre que visito um município para consultoria tributária, observo os índices da municipalidade no portal do IBGE e nunca vi taxa de matrícula inferior a 98% das crianças em idade escolar. Mesmo assim, o estudante perdeu o sonho de cursar faculdade, e o governo lançou o Programa Pé-de-Meia para incentivar a conclusão do ensino médio e a realização do ENEM.

7. Conclusões

• O FUNDEB é um instrumento essencial, mas seus critérios precisam ser revistos à luz da transição demográfica;

• O piso nacional docente, embora justo, tornou-se financeiramente inviável para muitos municípios;

• A judicialização do piso gera insegurança e paralisa decisões administrativas locais;

• A discrepância entre piso e salário-base achatou as carreiras docentes e tendem a se perpetuar nos próximosanos;

• O apagão de professores reflete desvalorização estrutural da docência;

• O número de alunos não deve ser o único critério de repasse do FUNDEB, devendo os atores politicos levarem para debate os desafios e pressões nas contas públicas;

• Programas federais de incentivo à docência precisam de acompanhamento e avaliação efetiva.

Referências:

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 2006.

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 108, de 27 de agosto de 2020. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 ago. 2020.

BRASIL. Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 dez. 1996.

BRASIL. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 jun. 2007.

BRASIL. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 jul. 2008.

BRASIL. Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 dez. 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Recurso Extraordinário nº 1326541 (Tema 1218). Relator: Ministro Cristiano Zanin. Disponível em: https://portal.stf.jus.br. Acesso em: 14 out. 2025.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Recurso Extraordinário com Agravo nº 1487739 (Tema 1308). Relator: Ministro Alexandre de Moraes. Disponível em: https://portal.stf.jus.br. Acesso em: 14 out. 2025.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Recurso Extraordinário com Agravo nº 1502069 (Tema 1324). Relator: Ministro Dias Toffoli. Disponível em: https://portal.stf.jus.br. Acesso em: 14 out. 2025.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Recurso Extraordinário nº 1279765 (Tema 1132). Relator: Ministro Gilmar Mendes. Disponível em: https://portal.stf.jus.br. Acesso em: 14 out. 2025.

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