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João Campos e a Janela de Oportunidade: Uma Análise Estratégica da Tributação das BETs à Luz do ISS e da Reforma Tributária

Postado em 04 de junho de 2025 Por Rosa Freitas Doutora em Direito, advogada, sertaneja, poetisa e autora de artigos e livros jurídicos, dentre eles "A reforma tributária e seus impactos nos Municípios", pela Editora Igeduc.

A recente iniciativa do Município do Recife, sob a gestão do prefeito João Campos, de instituir a alíquota de 2% de ISS sobre os serviços de apostas eletrônicas (BETs) pode ser compreendida como uma resposta estratégica a uma janela fiscal temporária que se fechará com a implementação plena da Reforma Tributária. Trata-se de uma medida que, embora não inédita, revela acuidade administrativa e compreensão pragmática do atual modelo federativo de repartição das receitas tributárias sobre serviços.

Para compreender a dimensão dessa medida, é importante rememorar a experiência do Município de São Paulo na década passada, quando a municipalidade inovou ao regulamentar a incidência do Imposto sobre Serviços (ISS) sobre plataformas de streaming, como Netflix e Spotify. Em 2017, foi instituída a alíquota de 2,9% para tais serviços, conforme previsto no item 1.05 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Essa legislação dispõe que o ISS deve ser recolhido no local do estabelecimento prestador, o que, na prática, concentrou a arrecadação em municípios onde essas empresas estão sediadas. No caso da Netflix, cuja sede operacional se encontra em São Paulo, todo o ISS recolhido pelos consumidores em território nacional é destinado ao fisco paulistano.

A Lei Municipal nº 16.757/2017, do Município de São Paulo, regulamentou localmente essa incidência, consolidando a capital paulista como polo arrecadador de tributos sobre serviços digitais. A tentativa de alguns estados de tributar essas operações por meio do ICMS foi frustrada, pois ficou demonstrado que a disponibilização de conteúdo digital para uso não configura circulação de mercadoria, mas sim prestação de serviço, à qual se aplica o ISS, conforme jurisprudência pacífica e a doutrina majoritária.

A lógica por trás da arrecadação concentrada nos municípios-sede das empresas prestadoras será profundamente alterada com a entrada em vigor do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), instituído pela Emenda Constitucional nº 132/2023. A partir de 2033, o IBS substituirá tributos como ISS e ICMS e será distribuído conforme o domicílio do tomador do serviço — e não mais segundo a localização do prestador. Essa transição ocorrerá entre 2029 e 2032, período durante o qual o ISS ainda será arrecadado pelos municípios segundo a legislação atual.

É justamente essa “janela de oportunidade” que o prefeito João Campos soube aproveitar ao regulamentar, de forma célere, a tributação dos serviços prestados por empresas de apostas eletrônicas — popularmente conhecidas como BETs. Ao fixar a alíquota em 2%, Recife posiciona-se como um destino fiscalmente atrativo para esse segmento econômico. Trata-se de uma jogada semelhante àquela realizada por São Paulo no passado recente, cuja eficácia já se mostrou consolidada. Ainda que não original, tal medida tem o mérito de captar receitas relevantes para o município, especialmente enquanto o modelo atual permanecer vigente.

A Lei Federal nº 14.790/2023, que disciplina a exploração comercial das apostas de quota fixa no Brasil, conferiu segurança jurídica à atuação dos entes subnacionais quanto à tributação desses serviços. Com base nesse marco regulatório e nos princípios delineados pela Lei Complementar nº 116/2003, os municípios podem exercer sua competência tributária de forma direta sobre tais operações.

Importa destacar que o discurso político de vinculação da arrecadação obtida com as BETs a investimentos em infraestrutura, embora compreensível sob a ótica retórica, carece de amparo jurídico. A Constituição Federal e a doutrina tributária brasileira vedam a vinculação de impostos a despesas específicas, salvo exceções expressas. Diferentemente das taxas, cuja arrecadação deve estar atrelada à contraprestação de um serviço público específico, os impostos — como o ISS — integram o orçamento geral do ente federativo e são destinados ao custeio das atividades estatais em sentido amplo.

Outro aspecto relevante da medida diz respeito ao impacto na base de cálculo da compensação da Reforma Tributária. A média de arrecadação dos anos de 2019 a 2026 será considerada para definir os percentuais de repartição do IBS entre os entes federativos. Nesse sentido, a arrecadação obtida com as BETs, ainda que limitada ao período de 2025-2026, poderá contribuir para elevar a média histórica de receitas de Recife, conferindo-lhe maior participação no novo tributo. Trata-se de um efeito colateral positivo, embora de intensidade moderada, dado o curto intervalo remanescente.

A crítica que se pode fazer à estratégia adotada pelo Município do Recife reside no possível incentivo à fixação de uma alíquota reduzida, o que poderá repercutir na definição das futuras alíquotas do IBS, especialmente diante da regra constitucional de manutenção da carga tributária global. Ainda assim, diante do cenário competitivo entre os entes subnacionais e da busca legítima por receitas públicas, a escolha se mostra compreensível.

Recife, com sua infraestrutura consolidada, seu ecossistema de inovação no Porto Digital e seu relevante mercado consumidor, está bem posicionado para se beneficiar dessa medida até a extinção do ISS em 2033. O que resta agora é assegurar que tais receitas sejam administradas com transparência, eficiência e planejamento, de modo a consolidar os ganhos obtidos durante esse período de transição fiscal.

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