O estudo do instituto da prescrição é um dos mais tormentosos do nosso direito e tem rendido acalorados desde que a doutrina se entende por tal, como já tinha registrado Agnelo Amorim Filho em seu célebre artigo acerca da prescrição e da decadência.[i] No campo do direito administrativo a questão é ainda mais áspera e tem ensejado diversas idas e vindas acerca do assunto, notadamente quando em causa a aplicação de sanções sobre particulares.
A Lei no 9.873/1999 (que estabelece prazos de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta) vem ao longo dos anos sendo objeto de diversas decisões no âmbito do STJ, seja para definir sua aplicabilidade aos processos administrativos de apuração de infrações aduaneiras de natureza não tributária[ii], sua inaplicabilidade às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios[iii] ou o que é um ato inequívoco, que importe apuração do fato, capaz de interromper o prazo prescricional[iv].
Todavia, há um tema que demanda maiores debates: a incidência da prescrição intercorrente em infrações permanentes ou continuadas.
De início registra-se que infrações administrativas permanentes são aquelas que, por vontade do infrator, têm sua consumação prolongada no tempo; e infrações administrativas continuadas são as que envolvem a prática, por um mesmo infrator, de diversas infrações da mesma natureza se repetindo no tempo e sem interrupção. Quanto a essas situações, a Lei no 9.873/1999 dispõe que:
“Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
§ 1o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.”
Da leitura do caput do artigo 1º, não resta dúvida: o prazo da prescrição ordinária quinquenal só inicia após as infrações permanentes ou continuadas terem cessado.
Mas, e quanto à prescrição intercorrente? Ela seria diferente no caso de infrações permanentes ou continuadas?
À luz do parágrafo primeiro do artigo 1°, a prescrição intercorrente se inicia após paralisação por mais de três anos de processo administrativo pendente de julgamento ou despacho.
Perceba-se, portanto, que no “microssistema da prescrição intercorrente” por assim dizer, a natureza da infração (donde, por óbvio, se incluem os conceitos de infrações permanentes ou continuadas), não é levada em consideração, vez que a prescrição intercorrente é uma prescrição processual com reflexos materiais, ao passo que a prescrição ordinária quinquenal é uma prescrição material com reflexos processuais.
Com efeito, nestes casos a segurança jurídica joga um papel distinto do considerado nos casos comuns de prescrição. Nestes, o que está em causa é haver um lapso de tempo entre a lesão ao bem jurídico e o poder de exigir a sanção. Logo, enquanto houver lesão ao bem jurídico, não corre o prazo prescricional.
Assim, contudo não é na prescrição intercorrente. Nela, já há a dedução da pretensão sancionatória. Contudo, a punição deve ser aplicada em prazo razoável, prestigiando-se a eficácia e a celeridade processuais.
Assim, vamos imaginar um caso prático: foi lavrado um auto de infração e instaurado um processo administrativo em face de uma infração permanente.
Em razão de a infração permanente não ter cessado quando da lavratura do auto ou mesmo quando da tramitação do processo, não há como se cogitar a incidência da prescrição ordinária quinquenal prevista no art. 1º da Lei no 9.873/1999.
Por outro lado, se nessa mesma hipótese, independentemente de a infração permanente ter cessado ou não, caso o processo administrativo que a apura passar mais de mais de três anos pendente de julgamento ou despacho, haverá a incidência da prescrição intercorrente.
Ora, imaginando que a prescrição intercorrente pune a inércia da Administração Pública ao extinguir a pretensão punitiva num processo sem tramitação, não faz sentido discutir a natureza da infração que está sendo apurada no processo administrativo.
Para ilustrar o raciocínio aqui empregado, vamos a um exemplo hipotético: Um imóvel construído sobre um bem de uso comum e domínio da União sem a devida autorização para tanto será, nos termos do art. 6º do infrações Decreto-Lei nº 2.398/1987, uma infração administrativa permanente até que ocorra a remoção da construção.
Em tal cenário, se um auto de infração é lavrado e um processo administrativo é instaurado, a infração continuada impedirá qualquer debate sobre a prescrição quinquenal prevista no art. 1º da Lei no 9.873/1999. Mas, por outro lado, caso o procedimento administrativo fique paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, haverá a incidência da prescrição trienal intercorrente prevista no parágrafo primeiro do art. 1º da Lei no 9.873/1999.
E veja, mesmo que um processo tramite por 10, 20, 30 anos, que seja, caso ele passe mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, a partir daquele momento incidirá a prescrição intercorrente que fulminará a pretensão punitiva e redundará no arquivamento do procedimento.
Mas, por se tratar de uma infração permanente, nada impede uma nova lavratura de auto de infração e instauração de processo administrativo desconsiderando o período fulminado pela prescrição intercorrente verificada no processo anterior.
Assim, é perfeitamente possível a incidência da prescrição intercorrente em infrações permanentes ou continuadas à luz do disposto no parágrafo primeiro do art. 1º da Lei no 9.873/1999.
[i] Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, vol. 300. São Paulo: RT, out. 1961, p. 725-750.ii REsp 1461362/PR.
[ii]i REsp 2147578/SP, Tema Repetitivo 1293.
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