Gustavo Henrique de Brito Alves Freire DESTAQUE

O Acordo de não persecução penal (ANPP) e a sua (discutível) aplicação ao PAD da OAB

Postado em 23 de julho de 2025 Por Gustavo Henrique Freire Advogado (graduado pela Unicap). Especialista em Direito Administrativo (FDR/UFPE). Decano do Conselho Seccional da OAB/PE. Ex-Conselheiro Federal. Assessor Especial da Presidência da OAB/PE. Presidente da Comissão Especial de Estudos para a Uniformização de Jurisprudência e Edição de Súmulas do Sistema OAB.

O denominado “Acordo de Não Persecução Penal” ou ANPP é basicamente, na legislação ordinária, um negócio jurídico processual celebrado entre o Ministério Público e o investigado, assistido por um advogado ou defensor público, com o objetivo de evitar o início da ação penal.

Em outros dizeres, é instrumento de política criminal por meio do qual o órgão da acusação, submetido a severos critérios legais, avalia a necessidade de sua implementação.

Os requisitos da medida vêm previstos no artigo 28-A do CPP e são os seguintes:

(a) não ser caso de arquivamento;

(b) confissão formal e circunstanciada dos fatos, sem alegação de tese defensiva;

(c) crime sem violência dolosa contra a pessoa ou grave ameaça;

(d) pena mínima cominada inferior a 4 (quatro) anos;

(e) aceitação das condições oferecidas;

(f) que o Ministério Público considere o acordo necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

Pois bem. Em meados de 2024, a Segunda Câmara do Conselho Federal da OAB aprovou proposta de um grupo de trabalho composto exatamente para a inclusão do ANPPA (art. 58-B) ao Código de Ética e Disciplina da entidade.

Tendo a relatoria da então conselheira federal e presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada da OAB, Cristiane Damasceno (DF), a proposta consiste na inclusão do seguinte dispositivo ao CED:

“Art. 58-B. Será admitida a celebração de acordo de não persecução disciplinar quando, não sendo caso de arquivamento liminar ou indeferimento liminar da representação, tratar-se de apuração de infração ético-disciplinar ou de violação ao Código de Ética e Disciplina”.

Na justificativa apresentada para a inovação legislativa, foi ponderado que a não persecução disciplinar seria um avanço ao permitir abordagem mais flexível e proporcional aos casos, sem perder de vista a responsabilidade e a seriedade que devem nortear a atuação do advogado. A OAB estaria equilibrando a eficácia na fiscalização ética com a preservação dos direitos dos seus inscritos.

Seccionais da Ordem como a do Estado de São Paulo, notoriamente a maior da federação, trataram, então, de logo colocar em prática através de normativos seus a medida despenalizadora, o que, data vênia, a nosso sentir, vulnera e conflita com o disposto no Estatuto da OAB (Lei federal 8.906/1994) no tocante às competências privativas do Conselho Federal (art. 54, inc. V – “editar e alterar o Regulamento Geral, o Código de Ética e Disciplina e os Provimentos que julgar necessários”).

Pela Resolução paulista:

1) o ANPP pode ser celebrado por advogado(a), sociedade de advogado(a) e estagiário(a) que figure(m) como representado(a)(s) em PAD.

2) não se pode estar diante de caso de arquivamento ou de indeferimento liminar da representação.

3) a celebração do ANPP suspende os prazos prescricionais até a sua extinção pelo integral cumprimento.

4) a celebração do acordo de não persecução disciplinar não implica confissão.

5) o descumprimento do ANPP resultará na retomada do processo disciplinar, impedindo que a parte representada celebre novo acordo no mesmo processo.

6) descabe o ANPP:

6.1) quando a infração disciplinar imputada for também fato tipificado como crime punível com pena mínima superior a 4 (quatro) anos, salvo absolvição ou extinção da punibilidade reconhecida ao tempo da proposta de acordo;

6.2) quando a infração disciplinar imputada for punível com a sanção disciplinar de exclusão prevista no art. 38, incs. I e II, do EAOAB;

6.3) nos casos de racismo, discriminação e violência contra a mulher, conforme tratados no EAOAB, no Código de Ética e Disciplina, nos Provimentos e Resoluções;

6.4) nas infrações disciplinares previstas no art. 34, inc. XXX, do EAOAB;

6.5) quando a parte representada for reincidente por infração ético-disciplinar punível com suspensão aplicada em processo disciplinar nos últimos 5 (cinco) anos anteriores à conduta a ser apurada;

6.6) se a parte representada tiver sido beneficiada nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da conduta a ser apurada, em acordo de não persecução disciplinar;

6.7) enquanto estiver no cumprimento de cautelar de suspensão preventiva;

6.8) quando houver descumprido o termo de ajustamento de conduta (TAC) celebrado anteriormente nos mesmos autos.

Um outro ponto de preocupação se dá a partir da compreensão de que o PAD se sujeita à prevalência do interesse coletivo e da classe. Como ser possível, então, pactuar em sede de um direito não disponível, sobretudo em hipóteses nas quais, em tese, seja aplicável a suspensão?

Em nossa avaliação, o tema deveria ser pautado inicialmente no Pleno do Conselho Federal, com a participação de todas as bancadas, ouvindo-se os órgãos auxiliares de assessoramento, sobretudo diante da inclusão que as Seccionais já adeptas ou em vias de adesão ao ANPP tencionam promover no que toca às condutas disciplinares punidas com suspensão do exercício profissional. É como nos parece. O tema urge discussão menos apressada.

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