As garantias protetivas às relações trabalhistas foram construídas em contextos históricos e políticos que atravessam a realidade presente, essas submergiram a partir de revides populares da classe trabalhadora frente o processo desequilibrado que coexiste, de forma atemporal, na relação empregador-empregado, na medida em que se perpetua a manutenção do capital mediante a apropriação da mais-valia.
Fato é que a legislação justrabalhista sofreu avanços significativos, principalmente com a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), com a ratificação brasileira dos tratados e das convenções internacionais de Direitos Humanos e do trabalho e, com reafirmação pétrea das garantias fundamentais e sociais consolidadas na Constituição Federal de 1988, a qual preconiza diretamente à proteção ao trabalho e a dignidade humana como bem comum à todos.
Por outro lado, nas últimas décadas se assiste à desmontes e flexibilizações contínuas do Direito do Trabalho, como fora ocorrido com a reforma trabalhista (2017), que potencializou a flexibilização das normas aplicáveis às relações de trabalho, esvaziando em parte o princípio da proteção, e adotando uma falseada narrativa de crescimento dos postos de trabalho, da economia e da atividade empresarial.
No entanto, o que sucedeu-se foi a majoração da precarização do trabalho, das fraudes contratuais e da terceirização e pejotização em massa, como alternativa ao regime celetista e, por conseguinte, às proteções jurídicas historicamente adquiridas pela classe trabalhadora.
Não bastante os retrocessos emergidos sob o mundo do trabalho desde 2017, e as constantes flexibilizações legislativas, o STF entende por bem suspender todos os processos que versam sobre a ilicitude da contratação do autônomo ou pessoa jurídica, e em que se pleiteia, na maioria dos casos, o reconhecimento de vínculo por haver fraude ou desvirtuação da prestação de serviços, e julgará o tema 1389, fixando repercussão geral.
Tal motivação nasce em razão da acentuada quantidade de processos similares que chegam a Excelsa corte e da divergência jurisprudencial com o Tribunal Superior do Trabalho, que tem entendido, em muitos casos, pelo reconhecimento do vínculo e incorrencia de fraudes contratuais, visto que sobressaltam as características inerentes ao vínculo de emprego, como a subordinação e habitualidade, as quais encontram-se expressas nos artigos 2º e 3º da CLT.
O entendimento da corte superior em casos análogos, contraditoriamente, tem sido aplicado sob uma égide contratualista, em que se preserva a liberdade contratual do tomador de serviços e a segurança jurídica do negócio e se desconhece o contexto fático probatório a qual o prestador, ora empregado, encontra-se submetido. Essa aplicação civilista acaba por esvaziar a competência da justiça do trabalho para aplicar a legislação pertinente às relações de trabalho e analisar se os casos tratam-se de pejotização lícita ou fraude à relação de emprego e, tem ainda, como grave consequência a erosão do princípio protetivo do trabalho.
De igual modo, se entendimento similar for aplicado de forma geral e esvaziando-se, por conseguinte, a competência constitucional da Justiça do Trabalho, as consequências serão tamanhas para a organização das categorias obreiras, visto que haverá trabalhadores despendendo esforços e tempo de trabalho em mesmas atividades e subordinados ao mesmo empregador, mas dispondo de condições jurídicas distintas, o que dificulta, inclusive, qualquer tipo de atuação das entidades coletivas e do Ministério Público do Trabalho.
Não se aduz, portanto, que toda pejotização é ilícita, ou menos ainda se pleiteia que seja finda sua aplicação aos negócios jurídicos, mas que não poderia ser utilizada como mecanismo de fraude às relações laborais e menos ainda de fragilização das garantias constitucionais.
Trata-se, evidentemente, de uma discussão jurídica de tamanha relevância social, pois o que está em jogo não é apenas a competência da justiça do trabalho, mas todo o sistemático conjunto de direitos conquistados pela classe trabalhadora, que está por via de ser, novamente, flexibilizado e subvertido, em favor dos ditames do mercado financeiro, que tenta a todo custo modificar a legislação trabalhista e consolidar entendimentos que facilitem a acumulação do capital econômico.
Em contrapartida, os trabalhadores, que já encontram-se em desvantagem, continuaram a se submeter à condições precárias, irregulares e assimétricas com outros executores de mesmas tarefas e dirigidos pelo mesmo empregador.
O vínculo empregatício deve ser regra, sob risco de macular as possibilidades de amplo desenvolvimento civilizatório e emancipatório dos trabalhadores, que já são expostos às desigualdades socioculturais e econômicas.
A dignidade da pessoa humana não pode ser preterida em razão dos objetivos lucrativos do negócio, ao contrário, a atividade empresarial deve adaptar-se com vistas a preservá-la e, assim, efetivar sua responsabilidade social.
Finalmente, se o entendimento aplicado pelo STF for no sentido de reconhecer irrestritamente a licitude da contratação por pessoa jurídica, estar-se-á diante do maior esvaziamento da competência da justiça da trabalho e, logicamente, de mais um retrocesso à legislação juslaboral e aos princípios constitucionais de proteção ao trabalho, que refletirá sobre a vida e história de milhares de pessoas.
A Editora OAB/PE Digital não se responsabiliza pelas opiniões e informações dos artigos, que são responsabilidade dos autores.
Envie seu artigo, a fim de que seja publicado em uma das várias seções do portal após conformidade editorial.