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O Empreendedorismo, a Educação e Advocacia Verde-Azul: o Direito como Arquitetura Jurídica da Transição Energética e da Mineração Submarina no Brasil

Postado em 07 de julho de 2025 Por Inácio Feitosa Advogado

Na noite em que assisti a uma reportagem no Jornal Nacional sobre a reivindicação brasileira de uma imensa área submersa no Atlântico Sul — uma “ilha invisível”, com tamanho equivalente ao da Espanha e potencial mineral gigantesco — fui tomado por uma sensação contraditória: entusiasmo e inquietação. Horas antes, um amigo, advogado experiente, havia me confidenciado que sua advocacia estava em crise. Disse que os clientes sumiram, que o contencioso já não sustentava o escritório e que não sabia mais para onde o mercado jurídico caminhava. Aquilo ficou ecoando. De um lado, o Brasil se apresentava no centro de uma disputa estratégica sobre o futuro dos recursos minerais e energéticos do planeta; de outro, muitos advogados seguiam à margem desse debate, alheios às transformações que redesenham o Direito neste século.

O problema, a meu ver, é estrutural. Nossos cursos de Direito seguem formando operadores para um modelo de advocacia do século XX. Os currículos são excessivamente voltados à preparação para concursos públicos, presos a disciplinas dogmáticas, distantes das inovações tecnológicas, ambientais e econômicas. Pouco ou nada se fala de empreendedorismo jurídico, de como identificar oportunidades, estruturar serviços preventivos, atuar em setores regulados ou desenvolver especializações estratégicas. Nem mesmo as OABs, com suas Escolas Superiores de Advocacia, têm enfrentado esse desafio com a urgência que ele exige. O resultado é uma legião de advogados desorientados em um mercado em mutação, enquanto o Direito se expande para novas fronteiras, como o fundo do mar e as matrizes energéticas sustentáveis.

Nesse sentido, a chamada “advocacia verde-azul” não é um conceito de marketing — é uma realidade emergente. Trata-se da atuação jurídica nos setores de energia limpa e mineração de minerais estratégicos, especialmente em contextos regulatórios complexos, como o da expansão da plataforma continental brasileira. O país fundamenta sua reivindicação junto à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), órgão técnico vinculado à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), sustentando que há continuidade geológica do seu território além das 200 milhas náuticas. Se o pedido for aceito, o Brasil poderá exercer direitos soberanos sobre um território submarino valioso, inclusive para o futuro da economia global baseada em tecnologia verde.

O desafio, no entanto, não é apenas técnico ou diplomático — é jurídico. A exploração de recursos minerais em áreas profundas do oceano está envolta em lacunas normativas, disputas sobre soberania, riscos ambientais e ausência de jurisprudência internacional consolidada. Poucos profissionais do Direito no Brasil estão preparados para dialogar com a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), para interpretar normas da CNUDM, ou para atuar em arbitragens internacionais envolvendo recursos transfronteiriços e litígios regulatórios. É nesse contexto que vejo surgir uma nova advocacia: multidisciplinar, propositiva, estratégica — e profundamente conectada com o futuro.

Em paralelo, enquanto os olhos se voltam para o mar, em terra firme a transição energética avança. O Brasil, dono de uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, tem protagonizado um movimento crescente de geração distribuída de energia. A Lei nº 14.300/2022, que instituiu o novo Marco Legal da Microgeração e Minigeração Distribuída, criou um ambiente jurídico mais seguro para investidores e consumidores que desejam produzir sua própria energia a partir de fontes renováveis. O setor demanda uma atuação jurídica altamente especializada: contratos de PPA (Power Purchase Agreements), estruturação de Sociedades de Propósito Específico (SPEs), assessoria regulatória perante a ANEEL, elaboração de pareceres ambientais e estratégias tributárias para incentivos fiscais.

O advogado que enxerga essa realidade compreende que sua função não é apenas litigar ou peticionar. Ele passa a atuar como agente estratégico, como parceiro de negócios, como designer jurídico de soluções sustentáveis. Isso exige, naturalmente, um novo repertório: conhecimento técnico, visão econômica, sensibilidade ambiental, fluência regulatória e, sobretudo, mentalidade empreendedora.

O que falta para que mais advogados ocupem esse lugar? Em primeiro lugar, formação. A maior parte das faculdades de Direito não forma juristas para o mercado real, e sim para um imaginário jurídico desconectado da economia e da inovação. Em segundo, faltam referências. Poucos são os advogados brasileiros que atuam nesse setor e compartilham suas experiências com didatismo e abertura. Por fim, falta estímulo institucional. OABs e suas Escolas Superiores de Advocacia ainda focam quase exclusivamente em capacitações processuais e repetitivas, quando deveriam estar liderando formações em Direito da Energia, Direito Internacional do Mar, ESG, Contratos Estratégicos e Arbitragem em recursos naturais.

A advocacia brasileira precisa, urgentemente, se reposicionar. Isso não significa abandonar o contencioso, mas expandir horizontes. O futuro do Direito passa por setores intensivos em conhecimento jurídico, técnico e regulatório. E quem domina esses temas torna-se indispensável. A mineração em águas profundas, a expansão da energia solar no semiárido, a instalação de parques eólicos offshore, a produção de hidrogênio verde, os acordos de compensação de carbono — todos esses campos demandam não apenas engenheiros e economistas, mas advogados qualificados, conscientes do seu papel na construção da governança do futuro.

O que está em jogo é mais do que uma nova área de atuação. É uma nova forma de pensar a advocacia: como instrumento de desenvolvimento nacional, como ferramenta de inovação e como pilar institucional da sustentabilidade. A transição energética e a exploração de minerais críticos são inevitáveis — e com elas virão litígios, contratos, licenças, pareceres, tratados, marcos legais e disputas geopolíticas. Quem não estiver preparado, ficará para trás.

Cabe a cada um de nós decidir se continuaremos presos à advocacia do passado ou se queremos protagonizar o Direito do amanhã. Porque o futuro da advocacia — e da sustentabilidade — já começou. E, como diz o artigo 225 da Constituição Federal, é dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo para as presentes e futuras gerações. O advogado não pode estar ausente dessa missão.

Referências bibliográficas

1. BRASIL. Lei nº 14.300, de 6 de janeiro de 2022. Institui o Marco Legal da Geração Distribuída. Disponível em: [https://www.planalto.gov.br](https://www.planalto.gov.br)
2. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR (CNUDM). Montego Bay, 1982. Disponível em: [https://www.un.org/depts/los](https://www.un.org/depts/los)
3. OECD. The Ocean Economy in 2030. OECD Publishing, 2016. Disponível em: [https://www.oecd.org/ocean](https://www.oecd.org/ocean)
4. FARIA, A. C. de; BORGES, J. R. Direito da Energia: aspectos jurídicos das fontes renováveis no Brasil. São Paulo: Fórum, 2021.
5. SILVA, J. B. da. Direito Internacional do Mar: fundamentos e desafios contemporâneos. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020.

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