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O Retrocesso do Supremo Tribunal Federal na Imparcialidade da Justiça

Postado em 12 de maio de 2025 Por FERNANDO J. RIBEIRO LINS Advogado, Presidente da OABPE (2022-2024), Conselheiro Federal da OABPE (2025-2026).

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5.953/DF, de flexibilizar as normas de impedimento de juízes e permitir que estes julguem processos envolvendo clientes dos escritórios de seus patrocinadores ou parentes representa um retrocesso para o sistema judiciário brasileiro. Ao relativizar o artigo 144, inciso VIII, do Código Processual Civil (CPC), o tribunal parece ignorar princípios básicos de neutralidade e cria espaço para possíveis conflitos de interesse que afetam diretamente a confiança pública no sistema jurídico.

O regulamento anterior era uma salvaguarda crucial, que impedia juízes de decidir sobre casos nos quais as partes fossem clientes de escritórios de advocacia associados a seus parentes próximos. Mesmo que o advogado envolvido não fosse diretamente um parente do juiz, a medida tinha como objetivo eliminar qualquer suspeita de influência indevida.

A maioria dos ministros do STF, contrariando o voto do relator Ministro Edson Fachin, considerou a regra excessiva e complicada de ser aplicada, argumentando que seria impraticável monitorar continuamente a lista de clientes dos escritórios. Assim, apoiaram a decisão com base na ideia de que a normativa impunha uma carga administrativa pesada demais, que impactava o funcionamento do sistema judiciário.

Fundamentando seu voto, o ministro relator destaca: “dispõe o ‘Código Mundial de Conduta dos Magistrados’[1] que um juiz deve considerar-se suspeito ou impedido de participar em qualquer caso em que não é habilitado a decidir o problema imparcialmente ou naqueles em que pode parecer a um observador sensato como não-habilitado a decidir imparcialmente”. Assim, destaca ainda o ministro relator, fazendo referência aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, que recomendam que o juiz “consulte as partes para que se manifestem acerca de eventual incompatibilidade que possam oferecer ao desenvolvimento justo e efetivo do processo”. É a aplicação do princípio da boa-fé e da cooperação que deve prevalecer no processo judicial.

Contudo, a justificativa do voto vencedor, divergência iniciada pelo Ministro Gilmar Mendes, de que “a lei simplesmente previu a causa de impedimento, sem dar ao juiz o poder ou os meios para pesquisar a carteira de clientes do escritório de seu familiar, o que demonstra a ofensa ao princípio da proporcionalidade”, não leva em consideração os avanços tecnológicos que permitem a identificação consciente de possíveis conflitos de interesses.

Sistemas de gestão processual poderiam facilmente analisar dados para revelar relações entre juízes e clientes de firmas associadas às suas famílias, o que invalidaria a argumentação de “impraticabilidade”. Uma das razões apontadas para a mudança foi a busca pela eficiência no processo; no entanto, não se deve sacrificar a transparência e a confiança do público nesse processo de melhoria da eficiência judicial para que seja considerada justiça legítima.

Para garantir esse equilíbrio necessário entre eficiência processual e legitimidade percebida da justiça, é possível recorrer a ferramentas tecnológicas e melhorias administrativas para cumprir as normas anteriores sem comprometer a agilidade dos julgamentos.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, em vez de optar por soluções que promovessem transparência ainda mais robusta ao sistema judicial, decidiu desativar um mecanismo crucial de controle contra práticas corruptas. A Suprema Corte comete um equívoco ao flexibilizar uma norma que garante um dos princípios essenciais da Justiça: a imparcialidade. Essa decisão não apenas enfraqueceu um mecanismo crucial para evitar conflitos de interesse, mas também prejudicou a confiança no sistema jurídico do Brasil como um todo.

Em vez de remover as proteções essenciais existentes no sistema jurídico nacional, o Supremo Tribunal Federal deveria focar em atualizar os mecanismos de controle e fortalecer as garantias institucionais já determinadas. Sem um Judiciário realmente imparcial, ou mesmo sem uma percepção clara de sua imparcialidade, a justiça fica comprometida!


[1] O Código Mundial de Conduta dos Magistrados refere-se, principalmente, aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, elaborados em 2001 e revisados em 2002, sob coordenação da ONU, com a participação de juízes de vários países. Esses princípios formam um referencial ético global para a atuação dos magistrados, visando fortalecer a integridade e a confiança no Judiciário.

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