Em 2025, discutir justiça racial no Brasil não é mais uma pauta acessória: é um imperativo. O racismo não é um traço do passado. Ele é estrutural, presente nas estatísticas, nos corredores das universidades, nas portas fechadas dos escritórios jurídicos, e também, infelizmente, nas omissões institucionais. Nesse cenário, a Ordem dos Advogados do Brasil, especialmente as seccionais e comissões estaduais, precisa se posicionar de forma incisiva: não há justiça sem equidade racial. E o caminho necessário para se atingir a equidade passa por garantir ações afirmativas de forma inquestionável.
O Direito ainda é um espaço historicamente branco. A universidade pública foi, por décadas, um território quase inacessível para pessoas negras. Mesmo com as cotas raciais, o caminho até a aprovação na OAB continua mais árduo para quem carrega a cor da exclusão. A juventude negra que consegue vencer essa primeira etapa, geralmente o faz com muito mais obstáculos que colegas de raça não negra: falta de estrutura, ausência de rede de apoio, discriminação velada (e às vezes explícita) e uma cobrança social que obriga a provar constantemente sua competência.
Essa realidade se reflete também na vida profissional. O mercado jurídico impõe, muitas vezes, um padrão de aparência e comportamento que exclui corpos e identidades negras. Escritórios de renome mantêm ambientes hostis ou apenas simbólicos para seus poucos colaboradores negros. No Judiciário, a disparidade racial é gritante. Nos tribunais, vemos toga, mas não vemos cor.
É nesse contexto que o empreendedorismo surge como alternativa real e política. Para a advocacia negra, empreender é mais que uma escolha — é uma necessidade. Criar seu próprio escritório, fundar coletivos jurídicos ou atuar de forma autônoma em áreas negligenciadas pela elite do Direito é, ao mesmo tempo, resistência e construção de um novo modelo. É ocupar o mercado não pela porta da frente, mas por uma porta construída com as próprias mãos.
A chamada “nova economia” — marcada pela inovação, digitalização e modelos disruptivos — oferece oportunidades que antes eram impensáveis. Plataformas online, redes sociais, consultorias jurídicas digitais e projetos de impacto social vêm permitindo que profissionais negros ganhem visibilidade e autonomia. Mas atenção: se essa economia for acessada sem políticas específicas, ela tende a reproduzir os mesmos padrões de exclusão da economia tradicional.
Por isso, o papel da OAB precisa ser repensado. A Ordem não pode ser apenas um espaço de regulação profissional — ela deve ser promotora de justiça social. É urgente criar programas de incentivo ao empreendedorismo negro, incubadoras jurídicas voltadas para advocacia negra, linhas de crédito institucional e mentorias lideradas por referências negras da advocacia. A inclusão não pode ser simbólica — precisa ser estrutural.
Justiça racial não se faz com discursos, mas com políticas. E a justiça que queremos para o Brasil começa no campo da educação, se fortalece no exercício digno da profissão e se sustenta no reconhecimento da diversidade como princípio inegociável.
O Brasil que queremos é um país onde a juventude negra possa chegar na advocacia sem carregar o peso de ser exceção. É um país onde cor e competência não sejam postas em oposição. É um país onde pessoas negras ocupem todos os espaços — inclusive os de poder.
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