Nos últimos anos, pudemos testemunhar a rápida incorporação da inteligência artificial em nossa rotina. Seja auxiliando na elaboração de textos ou na produção de imagens, músicas e vídeos, a inteligência artificial se mostra uma ferramenta de grande utilidade, capaz de transformar de maneira significativa a forma como criamos, trabalhamos e nos expressamos.
No entanto, apesar da popularização de seu uso, ainda hoje a origem dessa “criatividade” aparentemente autônoma da tecnologia é pouco discutida.
Os programas de inteligência artificial, como é cediço, operam a partir de vastas bases de dados, das quais retiram as informações necessárias para elaborar seus raciocínios e fornecer respostas. Contudo, essas bases são resultado da coleta massiva de informações disponíveis em livros, artigos, registros públicos, redes sociais, páginas da internet e demais conteúdos digitais disponíveis.
A seleção, o tratamento e a organização desse material seguem critérios técnicos e metodológicos definidos pelas empresas e equipes responsáveis pelo desenvolvimento dos sistemas de IA, de modo que a “criatividade” exibida pela inteligência artificial é, na realidade, reflexo das referências humanas incorporadas ao sistema.
No fim das contas, pouco se sabe sobre a real composição dessas bases de dados, não sendo possível identificar com exatidão a origem das informações utilizadas para alimentar os sistemas de IA.
Dentro desse contexto, ganham destaque as denúncias de que empresas desenvolvedoras de IA compõem suas bases de dados com conteúdos protegidos por direitos autorais.
A Walt Disney, Universal Pictures e Warner Bros., por exemplo, processaram a Midjourney (empresa de IA), acusando-a de utilizar indevidamente a imagem de personagens pertencentes às suas franquias para obtenção de lucro sem autorização. Inclusive, as duas primeiras descreveram o software da Midjourney como “um poço sem fundo de plágio”.[1]
O próprio fundador do Midjourney, David Holz, admitiu em entrevista de 2022 que a empresa não procurou permissão dos detentores de direitos autorais das imagens de seu banco de dados, sob a justificativa de que não seria possível ter acesso a um banco de dados de cem milhões de imagens e saber de onde elas estão vindo.2
No Brasil, a conduta da Midjourney seria uma clara infração à Lei nº 9.610/1998, que determina que a reprodução e utilização de obras dependem da autorização do titular dos direitos patrimoniais, sob pena de violação dos referidos direitos e consequente responsabilização nas esferas civil e criminal.
Nesse sentido, o Sindicato dos Roteiristas dos Estados Unidos está buscando restringir o uso de roteiros existentes para treinamento de IA, temendo que a popularização desse uso dê abertura ao roubo de propriedade intelectual.3
Diante desse panorama, podemos denotar que a inteligência artificial coloca em evidência certo dilema jurídico: de um lado, a inovação tecnológica que democratiza e agiliza a criação de conteúdos; de outro, a necessária proteção aos direitos autorais.
Precisamos reconhecer que a utilização de bases de dados compostas por obras sem autorização dos titulares não apenas fragiliza a segurança jurídica, como também coloca em risco a própria existência do setor criativo, que depende do reconhecimento e da remuneração justa por suas produções para continuar existindo.
Portanto, é urgente a ampliação do debate regulatório, a fim de equilibrar a promoção do desenvolvimento tecnológico com a preservação dos direitos autorais. O desafio consiste em construir um marco normativo capaz de garantir que os benefícios da inteligência artificial sejam plenamente usufruídos pela sociedade, sem que isso implique a legitimação de práticas que afrontem a legislação vigente e desvalorizem a criação humana.
[1] Disney and Universal sue AI firm Midjourney over images. BBC. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/articles/cg5vjqdm1ypo>
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