A acessibilidade cognitiva consiste na eliminação de barreiras que dificultam a compreensão da informação jurídica. Trata-se de um enfoque que não altera a substância do Direito, mas aprimora a forma como ele é apresentado.
Seus principais pilares incluem:
Linguagem clara e direta, substituindo jargões e termos técnicos excessivos por explicações compreensíveis;
Organização textual funcional, com parágrafos objetivos, títulos adequados e fluxo lógico;
Sistemas e interfaces intuitivas, facilitando a navegação por plataformas judiciais e administrativas;
Materiais visuais e explicativos, como infográficos, fluxogramas, quadros e roteiros;
Inclusão comunicacional, garantindo que pessoas com diferentes perfis cognitivos consigam compreender e participar de processos jurídicos.
A acessibilidade cognitiva não pretende “simplificar o Direito”, mas sim “simplificar o acesso ao Direito”, preservando rigor técnico e garantindo efetividade comunicacional.
A compreensão da lei é requisito essencial para o exercício da cidadania. Quando a linguagem utilizada pelo Estado se torna inacessível, o cidadão perde não apenas informação, mas perde autonomia.
Hoje, muitos indivíduos não entendem:
A barreira linguística afasta pessoas do sistema de justiça e as coloca em situação de vulnerabilidade.
Documentos processuais confusos, notificações pouco explicativas e sentenças excessivamente técnicas acabam gerando insegurança, ansiedade e, não raramente, descumprimento de decisões.
Quando a linguagem jurídica se torna mais clara, os ganhos são múltiplos:
A clareza não compromete a técnica. Ao contrário: aperfeiçoa a função social do Direito, tornando-o compreensível para quem dele mais precisa.
O Legal Design é uma das ferramentas mais inovadoras e necessárias para promover acessibilidade cognitiva.
Ele combina Direito, design, psicologia e usabilidade para criar documentos que as pessoas realmente entendem. Isso inclui:
Tribunais brasileiros vêm adotando iniciativas relevantes: TJBA, TJSC e TJDFT já têm projetos de linguagem simples e manuais internos de comunicação clara. A tendência é que outros tribunais sigam o mesmo caminho.
Ferramentas tecnológicas potencializam a inclusão cognitiva e ampliam o alcance da informação jurídica:
Essas tecnologias funcionam como pontes entre o Judiciário e o cidadão, removendo barreiras que antes pareciam intransponíveis.
Mulheres com TDAH e TEA enfrentam obstáculos específicos no sistema de justiça. Para muitas delas, navegar por documentos densos ou compreender comunicações complexas não é apenas difícil — é exaustivo.
O atendimento jurídico, quando não sensível a essas diferenças, pode gerar:
A acessibilidade cognitiva, nesse contexto, não é apenas técnica. É cuidado, humanidade. É o reconhecimento de desigualdades estruturais que podem ser mitigadas pela comunicação adequada.
O compromisso com uma linguagem clara e acessível está alinhado a normas nacionais e internacionais.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com status constitucional no Brasil, estabelece que o Estado deve garantir pleno acesso à informação.
Isso inclui:
Portanto, promover acessibilidade cognitiva não é apenas uma boa prática é uma obrigação jurídica e democrática.
A acessibilidade cognitiva nos convida a repensar o próprio propósito do sistema de justiça: não basta garantir direitos se as pessoas não conseguem compreendê-los. Um Judiciário verdadeiramente moderno é aquele que combina inovação tecnológica com sensibilidade humana, comunicando-se de forma clara, acolhedora e alinhada às diferentes formas de perceber o mundo.
O futuro do Direito será definido menos pela velocidade dos sistemas e mais pela qualidade da comunicação, pela capacidade institucional de reduzir barreiras, aproximar cidadãos e permitir que cada indivíduo participe plenamente da vida jurídica. Quando decisões são compreensíveis, quando documentos são claros e quando a linguagem acolhe e não exclui o acesso à justiça deixa de ser um ideal abstrato e se torna uma prática cotidiana.
Porque, no fim, um Direito que fala a língua das pessoas não apenas informa: ele emancipa, inclui e transforma realidades. E é justamente nesse ponto que a justiça deixa de ser distante para, enfim, alcançar quem mais precisa.
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