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Resolução do CNJ sobre o julgamento com perspectiva de gênero e seus impactos na prática jurídica 

Postado em 06 de agosto de 2025 Por Rosa Freitas Advogada, doutora em Direito pelo PPGD/UFPE e autora de artigos e livros jurídicos.

A Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicada sob a presidência da Ministra Rosa Weber, estabelece diretrizes para a adoção da Perspectiva de Gênero nos julgamentos do Poder Judiciário. A medida está alinhada com os preceitos constitucionais de igualdade (art. 3º, IV e art. 5º, I da CF/88), bem como com tratados internacionais como a CEDAW, a Convenção de Belém do Pará e a Convenção sobre Eliminação da Discriminação Racial, todos incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro.

A resolução surge como resposta a diversas obrigações legais e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no combate à desigualdade de gênero e à violência institucional contra mulheres, especialmente em contextos judiciais. Também se ampara na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (ex.: Caso Márcia Barbosa de Souza Vs. Brasil), e em precedentes do STF, como as decisões nas ações ADPF n.º 779, ADI n.º 4424 e ADC n.º 19.

Principais Pontos da Resolução:

• Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero

O CNJ institucionaliza a obrigatoriedade da aplicação do protocolo aprovado pelo Grupo de Trabalho da Portaria CNJ n.º 27/2021, como diretriz para decisões judiciais, visando garantir julgamentos isentos de estereótipos e discriminações de gênero.

• Capacitação Obrigatória

Tribunais e escolas da magistratura devem promover capacitação anual obrigatória para magistrados e magistradas sobre temas de gênero, raça, etnia e direitos humanos. Essas capacitações também impactam a concessão do Prêmio CNJ de Qualidade, inserindo o tema na política de avaliação institucional.

• Acesso e Difusão

Os tribunais devem facilitar o acesso ao Protocolo por meio de QR codes, cards eletrônicos ou links, tanto para o público interno quanto externo.

• Comitê Nacional Permanente

Foi criado o Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero, com membros da magistratura, da OAB, da academia e da sociedade civil, assegurando diversidade de gênero e raça. O comitê atuará com reuniões, fóruns e cooperação interinstitucional.

• Integração com a Política de Participação Feminina

A resolução altera a Resolução CNJ n.º 255/2018 para integrar o novo Comitê com aquele já existente para incentivo à participação feminina no Judiciário, promovendo atuação articulada.

• Vigência Imediata

A resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Como os advogados podem requerer a conversão do processo em diligência com base na perspectiva de gênero?

Advogados e advogadas devem fundamentar o pedido de conversão do julgamento em diligência com base no não cumprimento da Resolução e no desrespeito ao Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Sugere-se que o pedido destaque:

• A omissão na análise de aspectos de gênero, raça ou desigualdade estrutural relacionados à parte envolvida;

• A necessidade de realização de audiência especializada, laudo técnico ou perícia multidisciplinar;

• A ausência de linguagem inclusiva ou uso de estereótipos nos fundamentos da decisão;

• O descumprimento das diretrizes previstas no Protocolo, como a não individualização do contexto de vulnerabilidade da mulher ou pessoa não-binária.

O requerimento pode ser feito via petição simples, destacando a Resolução CNJ e o dever do Judiciário de garantir a isonomia de tratamento com base em parâmetros interseccionais. É possível, inclusive, pleitear a nulidade da decisão proferida sem a devida perspectiva de gênero, conforme entendimento consolidado pelo STF e STJ.

Dois Casos Reais de Aplicação do Protocolo:

• Caso 1 – Medida Protetiva Negada com Base em Estereótipos

Uma mulher vítima de violência doméstica teve o pedido de medida protetiva negado por suposta “falta de verossimilhança” do relato, baseado apenas na ausência de boletim médico. A Defensoria Pública recorreu, alegando violação ao Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero. O tribunal reformou a decisão, reconhecendo que o juízo utilizou padrões masculinos de credibilidade, desconsiderando o contexto da vítima e suas dificuldades de acesso aos serviços. A nova decisão destacou a necessidade de proteção integral, ainda que ausente laudo técnico, com base no depoimento da vítima e nos princípios da CEDAW.

• Caso 2 – Guarda de Filhos e Alienação Parental

Em disputa judicial de guarda, a mãe foi acusada de alienação parental por relatar abusos sexuais praticados pelo pai. O juízo de primeiro grau desconsiderou os indícios e retirou a guarda da mãe, sem investigação suficiente. O caso foi revisto pelo TJ, que, com base no Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, reconheceu que a decisão inicial foi influenciada por estereótipos de maternidade tóxica e histeria feminina, sem observar o dever de escuta ativa da mulher e da criança. A decisão foi anulada, e determinada nova instrução com escuta especializada e perícia psicossocial.

Conclusão 

A Resolução do CNJ representa um marco normativo fundamental na busca pela equidade substancial no sistema de justiça, fornecendo ferramentas concretas para atuação crítica e propositiva da advocacia na proteção de direitos fundamentais, sobretudo de mulheres e pessoas em situação de vulnerabilidade social.

É importante a atenção redobrada sobre o tema e somente é possivel alcançarmos a Justiça sobre perspectiva de gênero se solicitamos nos processos sob nossa responsabilidade a aplicação do protocolo. 

A perspectiva de gênero também precisa levar em conta outras dinâmicas de opressão como a racial e as desigualdades econômicas e regionais, sob o prisma da interseccionalidade. 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. 

BRASIL. Decreto n.º 4.377, de 13 de setembro de 2002. Promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 16 set. 2002. 

BRASIL. Decreto n.º 1.973, de 1º de agosto de 1996. Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 2 ago. 1996. 

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução n.º 255, de 4 de setembro de 2018. Institui a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário. Diário da Justiça Eletrônico: CNJ, Brasília, DF, 5 set. 2018. 

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução n.º 254, de 4 de setembro de 2018. Institui a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário. Diário da Justiça Eletrônico: CNJ, Brasília, DF, 5 set. 2018. 

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução n.º 364, de 20 de janeiro de 2021. Institui a Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões e Deliberações da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Diário da Justiça Eletrônico: CNJ, Brasília, DF, 21 jan. 2021. 

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Portaria CNJ n.º 27, de 3 de fevereiro de 2021. Institui Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar estudos e propor medidas para a adoção da perspectiva de gênero nos julgamentos. Diário da Justiça Eletrônico: CNJ, Brasília, DF, 4 fev. 2021. 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 779, Relatora: Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 24 ago. 2023. 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4424, Relator: Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 9 ago. 2018. 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n.º 19, Relator: Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 6 abr. 2006. 

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Márcia Barbosa de Souza e outros Vs. Brasil. Sentença de 7 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr. Acesso em: 31 jul. 2025.

NAÇÕES UNIDAS. Organização das Nações Unidas. Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. 

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