Luana Silva

11 de Agosto: Os cursos jurídicos, a formação do jurista e a educação jurídica em Pernambuco

Postado em 10 de agosto de 2025 Por Luana Silva Biografia: Advogada, Pós Graduanda em Direito Previdenciário, Penal e Processual Penal.

O dia 11 de agosto ocupa um lugar especial na memória jurídica brasileira. Foi nessa data, em 1827, que Dom Pedro I sancionou a lei que instituiu os primeiros cursos jurídicos no Brasil, em São Paulo e Olinda, marco inaugural da educação superior no país. Ao instituir os cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, o Império buscava não apenas formar operadores do Direito, mas também estabelecer os pilares intelectuais para a construção de uma nação independente, autônoma e soberana.

Passados quase dois séculos, a efeméride convida à reflexão: como evoluiu a formação jurídica no Brasil? Quais os desafios e caminhos da educação jurídica em nosso tempo? Qual o papel de Pernambuco, berço de um dos cursos pioneiros, na consolidação de um modelo de ensino que dialogue com as demandas da contemporaneidade?

É nesse contexto que se propõe uma reflexão crítica e propositiva sobre os rumos da formação jurídica no país, o perfil do profissional do Direito e o papel das instituições de ensino jurídico, especialmente em Pernambuco, na construção de um saber jurídico comprometido com a democracia, a justiça social e os direitos humanos.

A Fundação dos Cursos Jurídicos e o Projeto de Nação

A criação dos cursos de Direito em 1827 representou mais que a institucionalização do ensino jurídico: foi parte de um projeto político-cultural de emancipação. O Brasil, recém-independente, precisava de quadros intelectuais para ocupar os espaços do Estado, organizar as estruturas administrativas e formar uma elite letrada que fosse capaz de elaborar leis, julgar conflitos e consolidar a soberania nacional.

Na época, a escolha por Olinda e São Paulo não foi aleatória. Olinda, em Pernambuco, já era um centro cultural efervescente, berço de movimentos de contestação política como a Revolução Pernambucana de 1817. A Faculdade de Direito de Olinda, depois transferida para o Recife, tornou-se um centro irradiador de pensamento jurídico, político e social, influenciando decisivamente a formação do Estado brasileiro e de suas instituições.

A tradição crítica, a sensibilidade social e a vocação libertária dos pensadores pernambucanos ajudaram a moldar um perfil jurídico distinto, que ainda hoje ecoa na formação dos profissionais do Direito em nosso Estado.

A Educação Jurídica no Século XXI: Entre a Tradição e a Inovação

O ensino jurídico brasileiro evoluiu, mas carrega ainda muitos dos traços de sua origem. A tradição dos manuais, da oralidade das aulas, do bacharelismo elitista e do apego ao texto legal permanece viva em muitos cursos. Ao mesmo tempo, vivemos uma era marcada por transformações tecnológicas, mudanças nas estruturas sociais, pluralidade de valores e desafios inéditos no campo da justiça.

Nesse cenário, a formação jurídica precisa ir além da técnica e do conhecimento dogmático. O jurista do século XXI deve ser um profissional crítico, sensível às desigualdades sociais, preparado para atuar em um ambiente jurídico multifacetado, globalizado e permeado por questões interdisciplinares.

Isso exige uma mudança no paradigma do ensino: é preciso valorizar o pensamento crítico, a pesquisa aplicada, a ética profissional, a interdisciplinaridade e, sobretudo, o compromisso social do Direito. O profissional jurídico não pode ser apenas um aplicador de normas, mas sim um agente de transformação social.

O Perfil do Jurista Contemporâneo: Formação Técnica, Ética e Humanista

Se no passado o jurista era preparado principalmente para integrar os quadros do Estado, atualmente ele é chamado a lidar com as complexas demandas da sociedade civil. A crescente judicialização da vida, o protagonismo assumido pelo Poder Judiciário, o fortalecimento dos direitos fundamentais e os novos conflitos que emergem das relações digitais impõem a necessidade de um novo perfil profissional no campo jurídico.

Esse novo jurista deve dominar com profundidade as técnicas jurídicas, mas também precisa ser capaz de interpretar os contextos sociais e culturais em que essas normas se inserem. O Direito deve ser compreendido não apenas como um sistema fechado de regras, mas como um instrumento de mediação de conflitos e promoção da justiça. Por isso, torna-se essencial que o profissional do Direito consiga dialogar com outras áreas do saber, como a sociologia, a filosofia, a economia, a tecnologia e a psicologia, ampliando sua visão e capacidade de atuação.

Além disso, é indispensável o compromisso com a ética profissional, com a defesa intransigente dos direitos humanos e com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Diante desse cenário, a formação jurídica precisa ser repensada desde suas bases. É urgente promover uma mudança curricular que ultrapasse a mera memorização de conteúdos, priorizando o desenvolvimento de habilidades analíticas, comunicacionais, relacionais e práticas que realmente preparem o jurista para os desafios contemporâneos.

O Papel das Instituições Jurídicas Pernambucanas

Pernambuco, com sua longa tradição jurídica, tem a responsabilidade histórica de liderar esse movimento de renovação. A Faculdade de Direito do Recife (FDR), sucessora direta do curso fundado em Olinda, foi e continua sendo um dos principais polos formadores de juristas no Brasil. Grandes nomes do pensamento jurídico, filosófico e político nacional passaram por suas salas: Tobias Barreto, Clóvis Beviláqua, Pontes de Miranda, Paulo Freire, Silvio Romero, entre tantos outros.

Essa herança, porém, não pode ser apenas celebrada — deve ser mobilizada para enfrentar os desafios do presente. As faculdades jurídicas em Pernambuco devem buscar currículos atualizados e comprometidos com a realidade social e com os desafios contemporâneos; investir em uma formação docente sólida, que valorize a pesquisa, a extensão e a inovação pedagógica; ampliar o acesso ao ensino jurídico, garantindo diversidade e inclusão; estabelecer parcerias com instituições públicas, ONGs, movimentos sociais e empresas, desenvolvendo projetos que articulem o saber jurídico com a prática cidadã; além de estimular uma produção científica crítica, voltada para os problemas concretos da população pernambucana e brasileira.

A interiorização do ensino jurídico em Pernambuco também merece destaque. Universidades públicas e privadas têm levado cursos de Direito a regiões antes desassistidas, ampliando o acesso ao saber jurídico e contribuindo para o desenvolvimento local.

Educação Jurídica e Responsabilidade Social

O jurista contemporâneo não pode se formar alheio à realidade em que está inserido. A educação jurídica precisa fomentar a consciência de que o Direito é, antes de tudo, um instrumento de transformação social. A prática jurídica, seja na advocacia, no Judiciário, no Ministério Público, na Defensoria ou em outras frentes, deve ter como norte a dignidade da pessoa humana, a defesa dos direitos sociais e o combate às desigualdades.

Nesse sentido, práticas como os escritórios-modelo, os núcleos de prática jurídica, os projetos de extensão e as clínicas jurídicas universitárias assumem papel fundamental. São espaços onde o saber teórico se encontra com a realidade concreta, onde estudantes se deparam com a complexidade da vida e aprendem a pensar o Direito como instrumento de escuta, acolhimento e justiça.

A educação jurídica em Pernambuco tem exemplos notáveis de iniciativas nesse campo, que precisam ser reconhecidas, incentivadas e replicadas.

Conclusão

Celebrar o 11 de agosto é mais do que reverenciar a memória dos cursos jurídicos: é renovar o compromisso com uma formação jurídica de qualidade, inclusiva, crítica e socialmente comprometida. É reconhecer que o saber jurídico deve ser colocado a serviço da justiça, da democracia e da dignidade humana.

Pernambuco, com sua tradição vanguardista, tem papel central nesse processo. Que possamos, a partir de nossas instituições, construir um modelo de educação jurídica que forme juristas atentos às dores do mundo, capazes de escutar, interpretar, transformar — e, sobretudo, de defender os valores que fazem do Direito um instrumento de emancipação.

Que o 11 de agosto seja, todos os anos, um convite à reflexão e à ação.

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