Leslie Marina Novaes

11 de agosto: Um olhar crítico sobre os cursos jurídicos e o fortalecimento da educação jurídica

Postado em 13 de agosto de 2025 Por Leslie Marina Novaes  Advogada, professora da UNIBRA e vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-PE.

Tradicionalmente, o dia 11 de agosto é celebrado como o Dia do Advogado, marcando a fundação dos primeiros cursos jurídicos no Brasil em 1827. Mais do que uma mera data comemorativa, esta é uma data propícia para a reflexão profunda sobre o estado atual da educação jurídica no país, e, em particular, em Pernambuco. Nesse momento, é necessário que, ao invés de celebrar o passado, se volte o olhar crítico para o presente e o futuro da formação do profissional do Direito. Desta forma, o presente trabalho propõe uma análise das deficiências e dos desafios enfrentados pelos cursos jurídicos no Brasil, ao mesmo tempo em que aponta caminhos para o fortalecimento da educação jurídica, visando garantir que os futuros operadores do Direito estejam verdadeiramente preparados para as complexas demandas sociais contemporâneas e para o exercício de uma profissão que exige constante atualização, ética e compromisso social.   Com a ampla expansão dos cursos de Direito no Brasil (e Pernambuco não é exceção), têm-se ocorrido críticas severas por sua excessiva academicidade e por uma dicotomia preocupante entre a teoria e a prática. Um dos pontos nevrálgicos da crítica aos atuais cursos jurídicos reside na sua aparente lentidão em acompanhar as transformações sociais e tecnológicas aceleradas. E como o Direito é o espelho da sociedade, está em constante mutação, haja vista o surgimento de novas áreas como o Direito Digital, a proteção de dados, o Direito Ambiental e a crescente complexidade das relações econômicas e sociais, sendo, portanto, fundamental que a educação jurídica promova o desenvolvimento do senso crítico, da empatia, da responsabilidade social e de uma sólida base ética. 

No entanto, muitas instituições de ensino superior ainda operam com metodologias pedagógicas e currículos engessados ao não incorporarem adequadamente essas inovações às suas grades curriculares. O resultado é a formação de bacharéis que, embora detentores de vasto conhecimento teórico, carecem de experiência prática em peticionamento, argumentação oral, negociação, gestão de conflitos e, sobretudo, de uma compreensão mais aprofundada das complexas realidades sociais que impactam diretamente o exercício do Direito. Esse somatório acaba capacitando de maneira incompleta o futuro profissional, tornando-o menos competitivo e menos apto a contribuir efetivamente para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.    Mas as deficiências da educação jurídica não se limitam somente à metodologia ou à atualização curricular. Um perigo crescente e que merece atenção redobrada, reside na forma como a polarização político-partidária e os vieses ideológicos podem permear o ambiente acadêmico e acabarem por comprometer o profissionalismo e a ética dos futuros operadores do Direito. O papel da educação jurídica é o de formar indivíduos com capacidade de análise desapaixonada e que estejam aptos a estudar e compreender temas de todas as esferas, independentemente de suas convicções pessoais. Afinal de contas, o futuro profissional do Direito não pode se dar ao luxo de escolher apenas os assuntos que lhe agradam ou que confirmam suas preconcepções. Sua missão primordial é a defesa incondicional da Constituição e do fortalecimento das instituições democráticas do Brasil. E isso só é possível através de estudos aprofundados e com um olhar desarmado para as ideias divergentes, bem como a compreensão de que o Direito, em sua essência, exige imparcialidade e compromisso com os princípios da justiça, não com ideologias. A formação deve, portanto, incutir a responsabilidade de transcender as preferências individuais em prol do ordenamento jurídico e do bem comum.

Diante desse cenário de desafios, o fortalecimento da educação jurídica no Brasil exige uma reorientação profunda e para isso, é importante que as instituições de ensino revisitem e modernizem suas metodologias pedagógicas, fazendo a transição de um modelo meramente conteudista e expositivo para abordagens mais ativas e participativas. Isso implica em investir, por exemplo, na aprendizagem baseada em problemas (ProblemBased Learning, PBL), em estudos de casos reais, em simulações de audiências e júris, e na expansão de núcleos de prática jurídica que funcionem como verdadeiros laboratórios de atuação profissional, não apenas como espaços para o cumprimento de carga horária. A integração da teoria com a prática deve ser o pilar central, permitindo ainda que os alunos desenvolvam habilidades como a pesquisa jurídica aplicada, a redação de peças processuais eficazes, a sustentação oral persuasiva e a capacidade de negociação, aspectos cruciais que a memorização de artigos da legislação pátria por si só não confere. Além disso, a inserção de disciplinas voltadas à gestão de escritórios, tecnologia jurídica (LegalTech) e inovação no Direito podem preparar o futuro profissional para um mercado de trabalho em constante evolução.

Paralelamente à modernização metodológica, o fortalecimento da educação jurídica passa também pelo reforço de sua dimensão humanística e ética, com a promoção de um ambiente acadêmico que estimule verdadeiramente o senso crítico e a pluralidade de ideias, combatendo os riscos da polarização e dos vieses ideológicos através de um corpo docente que seja capacitado a mediar debates complexos, a apresentar diferentes perspectivas teóricas e a fomentar a análise desapaixonada dos temas. As universidades devem se reafirmar como espaços de diálogo e de construção do conhecimento, onde o aluno é incentivado a questionar, a pesquisar a fundo e a formar suas próprias convicções a partir de um estudo rigoroso e de uma compreensão aprofundada da Constituição e dos princípios democráticos. Isso significa também a necessidade de ampliar o leque de disciplinas que abordem a filosofia do Direito, a sociologia jurídica, a economia e a psicologia, oferecendo ao acadêmico de Direito uma visão holística da sociedade e dos impactos de suas decisões, reforçando o que fora supracitado, de que a sua lealdade primeira é com a Constituição Federal e com o fortalecimento das instituições brasileiras.    Além disso, a promoção de uma pesquisa jurídica aplicada, que dialogue com os problemas reais da sociedade, em conjunto com a valorização da extensão universitária que conecte a academia com as comunidades, são igualmente essenciais para que o ensino jurídico não se torne uma torre de marfim, mas sim um agente transformador. Somente através de um corpo docente qualificado, metodologias inovadoras e um ambiente que valorize o pensamento crítico e a responsabilidade social, é que as faculdades de Direito poderão cumprir sua missão de formar profissionais capazes de contribuir ativamente para uma sociedade que garanta direitos e oportunidades iguais para todos, consolidando um Estado Democrático de Direito pleno.

E em última análise, a verdadeira a transformação da educação jurídica no Brasil, que preze a formação de profissionais do Direito preparados e éticos, passa invariavelmente pela valorização dos professores. Eles são a espinha dorsal de qualquer processo educacional e portanto, investir em sua capacitação contínua, em melhores condições de trabalho e no reconhecimento do seu papel fundamental é imprescindível para a construção de qualquer profissional de excelência. É o professor que detém a chave para estimular no aluno a paixão pelos estudos e pela pesquisa, independentemente de sua futura trajetória, seja na advocacia, na magistratura, no Ministério Público ou em áreas correlatas. E para que se tornem profissionais de sucesso e capazes de transcendam a mera técnica, os estudantes precisam ser constantemente estimulados a aprofundar seus conhecimentos, a desenvolver a capacidade de escrita e de análise crítica. Por mais que o mundo se modernize e a tecnologia avance, o Direito permanecerá sendo uma área que exige dedicação intensa à leitura, à pesquisa e acima de tudo, a formação de mentes abertas, dispostas a dialogar e a compreender as complexas nuances da sociedade. Somente assim será possível formar operadores do Direito que serão os verdadeiros agentes da mudança que tanto se almeja para o país. 

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