Arthur Lins E jose carlos

37 anos da constituição cidadã e o papel da advocacia na defesa do estado democrático  de direito

Postado em 08 de outubro de 2025 Por Arthur Lins de Andrade Marcolino Graduando em Direito pela Faculdade Santíssima Trindade (FAST), com experiência em estágios nos escritórios Anderson Ribeiro Advogados & Associados e João Varella Advogados Associados. Apaixonado por Direito Civil e PenalPor José Carlos da Silva Filho Graduando em Direito na (FICR). Atuou com estagiário no TRT6, UPE, UFPE e FADE, além de ser: ex-membro discente do DCA- UFPE, pesquisa nas áreas de Direito constitucional, penal, trabalho, necropolítica e comportamento organizacional, é bolsista CNPq.

Em  5  de  outubro  de  1988,  o  Brasil  promulgava  a  Constituição  Federal  que  marcaria  o  renascimento  da  democracia  após  um  longo  período  de  autoritarismo.  Batizada  de  “Constituição  Cidadã”  por  Ulysses  Guimarães,  ela  simbolizou  a  reconstrução  da  vida  política,  a  valorização  dos  direitos  humanos  e  a  refundação  das  instituições  republicanas.  Trinta  e  sete  anos  depois,  a  Carta  Magna  continua  sendo  o  esteio  da  ordem  democrática  e  da  convivência  civilizada.  Contudo,  o  tempo  presente  exige  uma  reflexão  sobre  o  papel  da  advocacia  —  enquanto  função  essencial  à  administração  da  justiça  —  na  preservação  desse  pacto  constitucional,  especialmente  em  tempos  de  crise  institucional,  desinformação  e  ameaças  ao  Estado de Direito.

A  Constituição  de  1988  nasceu  de  um  movimento  de  abertura  política  e  de  intensa  participação  popular.  O  processo  constituinte  foi  marcado  pela  pluralidade  e  pela  presença  de  diversos  segmentos  da  sociedade  civil,  que  reivindicavam  o  reconhecimento  de  direitos  e  garantias  historicamente  negados.  Bonavides  (2019)  afirma  que  a  Carta  de  1988  “restituiu  à  soberania  popular  o  seu  lugar  de  origem”,  consolidando  uma  democracia  que  se  pretende  substantiva,  voltada  não  apenas  à  organização  do  poder,  mas  à  promoção  da  dignidade  humana.  Essa  perspectiva  confere  à  Constituição  um  caráter  dirigente,  como  explica  Canotilho  (2003),  no  sentido  de  que  ela  não  se  limita  a  ser  uma  norma  jurídica  suprema,  mas  um projeto político de transformação social.

No  texto  constitucional,  a  advocacia  foi  reconhecida  de  modo  inédito  como  função  essencial  à  administração  da  justiça.  O  artigo  133  da  CF/88  dispõe  que  “o  advogado  é  indispensável  à  administração  da  justiça,  sendo  inviolável  por  seus  atos  e  manifestações  no  exercício  da  profissão,  nos  limites  da  lei”.  Trata-se  de  uma  inovação  de  profundo  significado  democrático.  Ao  atribuir  à  advocacia  esse  status  constitucional,  o  legislador  reconheceu  que  não  há  justiça  sem  defesa,  nem  Estado  de  Direito  sem  a  atuação  livre,  técnica  e  ética  dos  advogados e advogadas.

Essa  prerrogativa  não é  um  privilégio  corporativo,  mas  uma  garantia  da  cidadania.  Como  ensina  Moraes  (2022),  o  advogado  “atua  como  defensor  não  apenas  de  interesses  individuais,  mas  do  próprio  sistema  jurídico-constitucional,  funcionando  como  guardião  da  legalidade  e  mediador  entre  o  cidadão  e  o  Estado”.  Assim,  o  exercício  da  advocacia  se  confunde  com  a  própria  efetividade  dos  direitos  fundamentais,  pois  é  por  meio  dela  que  o  cidadão encontra voz e proteção diante do poder.

A  Constituição  de  1988  estabeleceu  uma  arquitetura  institucional  pautada  na  separação  dos  poderes,  na  independência  judicial  e  na  garantia  de  direitos.  Todavia,  a  concretização  desses  valores  depende,  em  grande  medida,  da  advocacia.  É  o  advogado  quem  provoca  o  Judiciário,  quem  formula  a  argumentação  jurídica,  quem  assegura  o  contraditório  e  a  ampla  defesa,  e  quem  sustenta  a  inviolabilidade  da  liberdade  e  da  dignidade  humana.  O  papel  da  advocacia,  portanto,  transcende  a  mera  representação  técnica:  é  um  instrumento  de  concretização da democracia constitucional.

Ao  longo  dos  37  anos  da  Constituição,  a  advocacia  brasileira  esteve  presente  em  momentos  cruciais  da  defesa  do  Estado  de  Direito.  Nas  décadas  que  se  seguiram  à  redemocratização,  advogados  e  entidades  como  a  Ordem  dos  Advogados  do  Brasil  (OAB)  desempenharam  papel  determinante  em  episódios  como  o  impeachment  de  presidentes,  o  combate  à  corrupção,  a  defesa  das  prerrogativas  profissionais  e,  sobretudo,  na  resistência  a  retrocessos  institucionais.  A  OAB,  inclusive,  foi  uma  das  entidades  que  mais  contribuíram  para  o  processo  constituinte  de  1987-1988,  apresentando  propostas  que  resultaram  em  garantias  expressas  no  texto  constitucional,  como  os  direitos  fundamentais,  o  habeas  data  e  o  controle da constitucionalidade das leis.

Em  tempos  de  instabilidade  política  e  ascensão  de  discursos  antidemocráticos,  o  papel  da  advocacia  se  torna  ainda  mais  relevante.  A  polarização  social  e  o  crescimento  da  desinformação  têm  colocado  em  risco  princípios  básicos  do  Estado  de  Direito,  como  o  respeito  ao  devido  processo  legal  e  à  presunção  de  inocência.  Barroso  (2022)  observa  que  a  Constituição  de  1988  é  “um  pacto  civilizatório,  um  compromisso  coletivo  de  que  o  poder  deve  estar  submetido  ao  direito  e  de  que  a  dignidade  humana  é  o  centro  do  ordenamento”.

Nesse  contexto,  a  advocacia é  chamada  a  reafirmar  sua  função  contramajoritária,  atuando  como barreira jurídica e moral contra o arbítrio, seja ele estatal, político ou midiático.

O  Supremo  Tribunal  Federal  (STF)  tem  reconhecido  a  importância  da  advocacia  para  a  proteção  da  Constituição.  Em  diversos  precedentes,  o  Tribunal  destacou  que  a  atuação  do  advogado  é  essencial  à  própria  existência  do  contraditório  e  da  ampla  defesa.  Na  ADI  1.127/DF,  o  STF  reafirmou  que  “as  prerrogativas  da  advocacia  não  são  privilégios  pessoais,  mas  instrumentos  indispensáveis  à  administração  da  justiça”.  Essa  visão  reforça  a  ideia  de  que  a  advocacia  é  uma  função  pública  com  papel  constitucional,  e  que  qualquer  tentativa  de  restringi-la atinge diretamente os fundamentos democráticos da República.

Entretanto,  a  advocacia  também  enfrenta  desafios  internos  e  éticos  que  comprometem sua  credibilidade  social.  A  mercantilização  da  profissão,  a  banalização  de  litígios  e  a  atuação  política  desmedida  de  alguns  profissionais  geram  distorções  que  fragilizam  a  imagem  institucional  da  advocacia.  Nesse  ponto,  é  preciso  resgatar  o  ideal  republicano  que  inspirou  o  artigo  133:  o  advogado  como  servidor  da  justiça,  comprometido  com  a  verdade  e  com  o  bem  comum.  A  ética  profissional,  a  qualificação  técnica  e  o  compromisso  com  os  direitos  humanos  são  as  bases  para  que  a  advocacia  continue  sendo  uma  força  de  equilíbrio  e  legitimidade dentro do sistema de justiça.

Com  a  expansão  das  tecnologias  digitais,  surgem  também  novas  dimensões  para  a advocacia  constitucional.  A  proteção  de  dados,  o  uso  de  inteligência  artificial  no  Judiciário  e  o  acesso  à  informação  pública  são  temas  que  demandam  atuação  técnica  e  comprometida  com  os  valores  democráticos.  O  advogado  contemporâneo  deve  ser  um  intérprete  do  direito  e  também  um  defensor  da  democracia  digital.  Como  adverte  Sarlet  (2023),  “a  proteção  dos  direitos  fundamentais  na  era  digital  depende  de  uma  nova  advocacia,  capaz  de  compreender  a  interdependência  entre  liberdade,  privacidade  e  cidadania”.  Assim,  a  advocacia  se  reinventa  como  guardiã  das  garantias  constitucionais  em  um  mundo  cada  vez  mais  mediado  pela  tecnologia.

A  atuação  da  OAB  também  merece  destaque  nesse  contexto.  Ao  longo  das  últimas  décadas,  a  entidade  manteve-se  como  uma  das  vozes  mais  firmes  em  defesa  da  Constituição.

Durante  crises  institucionais, como  as  ocorridas  entre  2016  e  2023,  a  Ordem  reiterou  sua  missão  histórica  de  defender  a  legalidade  democrática  e  as  instituições  da  República.  Esse  protagonismo  remonta  à  própria  fundação  da  OAB,  cuja  trajetória  se  confunde  com  a  luta  contra  regimes  autoritários  e  pela  consolidação  do  Estado  Democrático  de  Direito.  Como  afirma  Streck  (2022),  “a  advocacia  é  o  primeiro  bastião  contra  o  autoritarismo,  e  a  Constituição é o escudo que a protege”.

Aos  37  anos  da  Constituição  Cidadã,  é  preciso  reconhecer  que  sua  sobrevivência  e  efetividade  dependem  da  vigilância  constante  da  sociedade  e,  em  especial,  da  advocacia.  A  defesa  da  Constituição  não  se  resume  à  atuação  judicial;  envolve  a  promoção  da  cultura  constitucional,  a  educação  jurídica,  a  participação  em  debates  públicos  e  o  compromisso  com  a  verdade  e  a  transparência.  Cada  advogado,  ao  exercer  sua  profissão  com  ética  e  coragem,  torna-se um agente da democracia.

Os  desafios  que  se  impõem  ao  Brasil  contemporâneo  —  desigualdade  social,  ataques às  instituições,  tentativas  de  manipulação  do  sistema  de  justiça  e  discursos  de  ódio  —  exigem  da  advocacia  uma  postura  ativa  e  comprometida  com  o  constitucionalismo  democrático.  Hesse  (1991)  lembra  que  a  força  normativa  da  Constituição  só  se  realiza  quando  há  vontade  de  cumpri-la.  Essa  vontade,  no  caso  da  advocacia,  manifesta-se  na  atuação  cotidiana  em  defesa  dos  direitos,  no  enfrentamento  da  injustiça  e  na  preservação  do  devido  processo  legal,  mesmo contra o clamor popular ou o poder político.

Celebrar  os  37  anos  da  Constituição  é,  portanto,  celebrar  a  resistência  da  democracia  e  o  papel  essencial  da  advocacia  na  sua  manutenção.  Sem  advogados  independentes,  não  há  justiça;  sem  justiça,  não  há  Constituição  viva.  O  artigo  133  da  CF/88,  mais  do  que  um  dispositivo,  é  uma  declaração  de  princípios:  o  advogado  é  indispensável  à  administração  da  justiça  porque  é  dele  que  depende  a  concretização  das  liberdades  e  garantias  individuais  que  sustentam  o  Estado  de  Direito.  Como  já  afirmou  o  ministro  Celso  de  Mello,  “a  advocacia  é  o  instrumento  de  defesa  da  cidadania  contra  as  opressões  do  poder  e  contra  os  excessos  do  Estado”.

Trinta  e  sete  anos  depois,  o  Brasil  ainda  enfrenta  os  desafios  da  consolidação  democrática.  A  Constituição  de  1988  segue  como  um  farol  de  direitos,  e  a  advocacia,  como  sua  guardiã  natural.  É  pela  palavra  do  advogado,  pelo  argumento  jurídico  e  pela  coragem  ética  que  a  Constituição  se  renova  a  cada  dia  nos  tribunais,  nas  praças  e  nas  instituições.  A  defesa  intransigente da Carta de 1988 é, em última instância, a defesa da própria liberdade.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto.  Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos  fundamentais e a construção do novo modelo . 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

BONAVIDES, Paulo.  Curso de Direito Constitucional . 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2019.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes.  Direito Constitucional e Teoria da Constituição . 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

HESSE, Konrad.  A Força Normativa da Constituição . Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991.

MORAES, Alexandre de.  Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional . 13. ed.

 São Paulo: Atlas, 2022.

SARLET, Ingo Wolfgang.  A Eficácia dos Direitos Fundamentais . 17. ed. Porto Alegre: Livraria do  Advogado, 2023.

STRECK, Lenio Luiz.  Verdades e Mentiras sobre a Constituição de 1988 . São Paulo: Tirant Lo  Blanch, 2022.

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