Avanços significativos foram conquistados no reconhecimento dos direitos da população LGBTI+ no Brasil. Decisões históricas do Supremo Tribunal Federal, como a equiparação da união estável homoafetiva à heterossexual e a criminalização da LGBTIfobia, representaram marcos fundamentais que tiraram da invisibilidade milhões de pessoas e lhes conferiram proteção legal. No entanto, é imperativo reconhecer que, apesar desses progressos, a jornada rumo à cidadania plena está longe de ser concluída.
Barreiras sutis, mas persistentes, continuam a desafiar a autonomia e a dignidade de pessoas LGBTI+. Entre elas, destaca-se a excessiva dependência de diagnósticos médicos para a efetivação de direitos fundamentais. Essa lógica, que transforma a medicina em um filtro autoritário (em vez de um apoio à autodeterminação), é apenas uma faceta de um cenário mais complexo. Este artigo busca ir além do diagnóstico, explorando os desafios jurídicos e sociais que ainda permeiam a realidade LGBTI+, e, sobretudo, destacando o papel transformador da advocacia na construção de um Direito verdadeiramente inclusivo, que assegure a autonomia e a dignidade de cada indivíduo.
Ainda que a LGBTIfobia tenha sido equiparada ao crime de racismo, a violência e a discriminação seguem como realidades brutais e cotidianas. Exemplo disso é o recente caso de um homem que assassinou a namorada trans, em São Paulo, alegando “receio” de expor a relação. Ou o caso do jovem manauara, Fernando, que foi espancado até a morte após questionar ofensas homofóbicas.
Também recebi, por meio do meu Instagram (@emersonrs_adv), o relato de um seguidor que foi vítima de homofobia em seu local de trabalho por parte de um cliente — e teve como resposta de seu supervisor apenas a orientação para “deixar para lá”. Agressões físicas, verbais e psicológicas, somadas à discriminação no mercado de trabalho, em espaços públicos e até no ambiente familiar, demonstram que a legislação, por si só, não é suficiente.
É nesse cenário que a atuação da advocacia se mostra vital. O advogado torna-se um agente de proteção e reparação, atuando na denúncia de crimes de ódio, no acompanhamento de inquéritos e ações judiciais, e na busca por indenizações que, embora não apaguem a dor, possam atenuar o sofrimento e funcionar como ferramenta pedagógica. A interpretação e a aplicação estratégica das leis existentes (como a Lei Maria da Penha para mulheres lésbicas e bissexuais ou a extensão das medidas protetivas a casais de homens em relações domésticas) revelam a capacidade do Direito de se adaptar e acolher a diversidade das vivências.
Além das violências explícitas, a efetivação de direitos já reconhecidos encontra obstáculos na prática. Questões como o uso do nome social e a retificação do registro civil, embora garantidas judicialmente, ainda enfrentam resistências em escolas, hospitais e ambientes de trabalho. A assessoria jurídica torna-se indispensável para garantir que esses direitos sejam respeitados, evitando constrangimentos e violências institucionais.
Os direitos reprodutivos e familiares também demandam atenção contínua. Temas como o acesso à inseminação artificial, o reconhecimento de múltiplas parentalidades e a adoção por casais LGBTI+ exigem constante atualização do ordenamento jurídico para refletir a pluralidade das configurações familiares contemporâneas. Já o direito à saúde integral — especialmente da população trans, bem como no tocante à prevenção e ao tratamento do HIV/AIDS e à saúde mental — requer políticas públicas específicas efetivas. Aqui, novamente, a advocacia pode atuar de forma incisiva na defesa do acesso universal, digno e humanizado a esses serviços.
Neste panorama, a advocacia desponta como agente insubstituível de transformação social. Sua atuação vai muito além do litígio: a advocacia estratégica, ao levar casos emblemáticos ao Judiciário, contribui para a criação de precedentes e jurisprudências que moldam o Direito e ampliam a proteção aos direitos LGBTI+. Já a advocacia consultiva e preventiva cumpre papel crucial ao orientar empresas, escolas, hospitais e órgãos públicos sobre a legislação vigente e sobre boas práticas de inclusão e respeito à diversidade.
A formação e a capacitação permanentes dos próprios profissionais do Direito sobre os direitos LGBTI+ são igualmente essenciais. A Ordem dos Advogados do Brasil, por meio de suas comissões temáticas e publicações, tem responsabilidade central na promoção desse debate e na disseminação do conhecimento jurídico que pavimenta o caminho para um Direito mais justo e plural.
Em suma, a construção da cidadania plena da população LGBTI+ no Brasil vai muito além da superação de diagnósticos médicos. Ela exige o enfrentamento de uma série de desafios jurídicos e sociais que ainda atravessam a vida dessas pessoas. O Direito, nesse contexto, deve ser mais que um instrumento de regulação: precisa consolidar-se como ferramenta de emancipação. E a advocacia, com seu compromisso ético e técnico com a dignidade humana, é a ponte entre a norma e a vida real — forjando, todos os dias, uma sociedade em que a autonomia, o respeito e a cidadania sejam inegociáveis para todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Por isso, digo: cidadania não se concede — se constrói. E o Direito, quando guiado pela dignidade, pode ser o alicerce dessa construção.
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