A pobreza energética no Brasil configura-se como um fenômeno multifacetado, com impactos severos na saúde, estabilidade econômica e sustentabilidade ambiental. Não se limita à ausência de conexão à rede elétrica, mas abrange acessibilidade financeira, confiabilidade e qualidade do serviço de energia. O Brasil, apesar de possuir uma matriz predominantemente renovável, com mais de 88% da eletricidade oriunda de fontes limpas, enfrenta desafios relevantes no combate à pobreza energética, evidenciando que o problema reside menos na geração e mais na distribuição equitativa e acessibilidade, bem como no alcance da chamada “última milha” até populações vulneráveis.
O enfrentamento desse cenário demanda políticas públicas que vão além do aumento da oferta de energia, exigindo investimentos em infraestrutura, mecanismos de apoio econômico às populações vulneráveis e programas inovadores que fechem a lacuna entre a riqueza energética nacional e a privação individual. Nesse contexto, o Observatório Brasileiro de Erradicação da Pobreza Energética (OBEPE), lançado em 15 de maio de 2025, representa um avanço estratégico no monitoramento do acesso a serviços energéticos no território nacional. O OBEPE estrutura-se a partir de uma multiplicidade de indicadores — padrões de consumo, renda, escolaridade, características da moradia, dados climáticos e índices de desenvolvimento humano —, consolidando diferentes bases públicas em uma plataforma interativa e unificada. Tal abordagem viabiliza análises integradas entre regiões, estados e grupos sociais, promovendo políticas baseadas em evidências para erradicação da pobreza energética no país.
A integração de dados multidimensionais, adotada pelo OBEPE, representa não só um salto metodológico, mas também político: ao associar variáveis de consumo, dados socioeconômicos e indicadores ambientais, o Observatório supera a definição restrita da pobreza energética como mera “falta de conexão”, permitindo uma compreensão mais precisa e sistêmica dessa realidade. O acesso à energia elétrica é fundamental para a dignidade da pessoa humana, mostrando que o acesso universal e igualitário à energia se configura não apenas como serviço público, mas direito essencial para a realização de diversos direitos sociais, conforme reconhecido nos tratados internacionais de direitos humanos e na Constituição Federal.
O OBEPE foi criado em 15 de maio de 2025, resultado da colaboração entre o Ministério de Minas e Energia (MME), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e MRC Consultoria. Sua missão é monitorar o acesso aos serviços energéticos em todo o Brasil, permitindo ajustes dinâmicos nas políticas públicas através de um acompanhamento contínuo. O Observatório incorpora indicadores de consumo de energia, renda, escolaridade, composição familiar, além de fatores geográficos e ambientais, capturando a complexidade da pobreza energética. Um de seus objetivos centrais é consolidar bases de dados públicas em uma plataforma unificada, permitindo análises comparativas entre diferentes realidades regionais e sociais.
Posicionando-se como instrumento estratégico na formulação de políticas públicas, o OBEPE fornece informações qualificadas para caracterização precisa da pobreza energética, cumprindo papel essencial na Política Nacional de Transição Energética (PNTE). Ao alinhar-se à PNTE, o Observatório reafirma o compromisso de oferecer subsídios técnicos ao MME na formulação de políticas que assegurem acesso justo, seguro e sustentável à energia. Sua criação expressa o entendimento de que a pobreza energética, longe de ser apenas uma questão assistencial, é componente crítico do desenvolvimento sustentável e da justiça energética. A integração de dados orienta a alocação de recursos de modo mais eficiente e equitativo, consolidando o Brasil como referência em justiça energética abrangente.
A pobreza energética no Brasil manifesta-se em um espectro amplo: ausência de acesso, dependência de combustíveis poluentes, infraestrutura deficitária e baixos níveis de renda. Em regiões como o semiárido, os custos de energia chegam a consumir em média 12,13% da renda familiar de famílias de baixa renda, obrigando 22% dos brasileiros e até 28% dos habitantes dessas regiões a reduzirem a compra de alimentos básicos para pagar pela energia em casa. A pobreza energética, portanto, persiste mesmo em locais com acesso universal à rede, devido ao alto custo da energia, expondo famílias a escolhas entre alimentação e eletricidade.
Essa combinação de fatores configura uma “tempestade perfeita”, exigindo esforços intersetoriais, cooperação internacional e adaptação climática como pilares para a resiliência energética.
O acesso à energia revela-se, assim, um multiplicador de direitos e oportunidades, cuja ausência aprofunda desigualdades e compromete a dignidade.
Embora o “acesso à energia” não esteja explicitado autonomamente nos tratados internacionais, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC, 1966), ratificado pelo Brasil, embasa esse direito por meio de conexões implícitas com moradia adequada, saúde, trabalho e educação. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH, 1948) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José, 1969) também dão suporte normativo, ao vincularem padrões de vida digna e saúde ao acesso à energia. A jurisprudência brasileira e interpretações sistemáticas reconhecem, assim, o acesso à energia como direito habilitador, fundamental à dignidade.
A Constituição de 1988 consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento (Art. 1º, III), permitindo que o acesso à energia seja entendido, pela doutrina e jurisprudência, como indispensável para a concretização dos direitos sociais elencados no Artigo 6º (educação, saúde, alimentação, moradia, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e infância, assistência aos desamparados). O direito à energia, embora não expresso, é condição habilitadora transversal para a efetividade desses direitos, tornando-se um imperativo constitucional. Discussões legislativas recentes buscam incluir explicitamente o acesso à energia como direito social, fortalecendo seu status jurídico e a obrigação estatal de universalização.
O direito ao acesso à energia elétrica concretiza-se, no Brasil, por meio de normas como a Resolução Normativa ANEEL nº 1.000/2021, que garante o direito à conexão, inclusive gratuita em casos de baixa renda ou populações indígenas e quilombolas. A resolução regula os critérios e responsabilidades para conexão e manutenção do serviço, além de impor transparência e soluções digitais para simplificação do processo de acesso. A Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE) é outro instrumento chave, beneficiando mais de 17 milhões de domicílios com descontos tarifários de até 100% para consumo reduzido, protegendo famílias vulneráveis de reajustes e promovendo justiça social. O benefício é concedido automaticamente a partir do Cadastro Único, reduzindo barreiras burocráticas e ampliando o acesso.
Entre os desafios, destacam-se a baixa renovabilidade no setor de transportes, os altos custos de expansão da infraestrutura para regiões remotas (especialmente na Amazônia) e a persistência de custos elevados que comprometem a acessibilidade econômica. A mera conexão física, portanto, não resolve o problema se não vier acompanhada de políticas que garantam acessibilidade e qualidade do serviço.
Diversos programas públicos buscam superar esses obstáculos:
Tais iniciativas evidenciam o compromisso em promover justiça energética, desenvolvimento humano, fortalecimento dos serviços públicos e proteção das identidades culturais. Conforme destacado por representantes do Ministério de Minas e Energia, a erradicação da pobreza energética envolve não só conexão física, mas também apoio às economias locais e engajamento comunitário.
O acesso à energia elétrica, no Brasil, é mais que serviço público: constitui pilar da dignidade humana e condição para a efetivação de direitos sociais fundamentais. A pobreza energética, em sua complexidade, transcende a ausência de conexão, incluindo acessibilidade econômica, confiabilidade e qualidade do serviço, com efeitos severos sobre saúde, economia, meio ambiente e inclusão social.
A fundamentação jurídica do direito à energia, embora ainda em evolução, é robusta, ancorando-se em tratados internacionais e na Constituição Federal, especialmente no princípio da dignidade da pessoa humana. O OBEPE emerge como ferramenta estratégica inovadora, integrando dados multidimensionais e orientando políticas públicas baseadas em evidências.
Apesar dos avanços regulatórios e dos programas em curso, desafios persistem — especialmente em relação à universalização do acesso e à equidade na distribuição dos benefícios da transição energética. As perspectivas para superar a pobreza energética dependem da continuidade e aprimoramento das políticas, da capacidade de adaptação a choques econômicos e climáticos, e do fortalecimento do arcabouço legal e institucional.
A consolidação do OBEPE, o aperfeiçoamento da Tarifa Social e a ampliação de programas integrados são fundamentais para garantir que o acesso à energia seja efetivamente reconhecido, promovido e protegido como direito fundamental. Uma transição energética justa e sustentável exige esforços coordenados, superando o foco apenas na oferta e priorizando a inclusão e o bem-estar de toda a população brasileira.
Quer ter acesso ao OBEPE e às informações e tutoriais já desenvolvidos pela EPE? Acesse pelo link https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/obepe-observatorio-brasileiro-de-erradicacao-da-pobreza-energetica
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