Hiago Britto

Entre a Constituição cidadã e os riscos autoritários: A necessidade de vigilância democrática no Brasil

Postado em 17 de setembro de 2025 Por Hiago Britto Advogado, pós graduando em Processo Civil e Direito Civil e em Licitações públicas e contratos Administrativos, membro da comissão de Direito de Família e de Diversidade da OAB PE.

Na semana em que se comemora o dia internacional da democracia, é urgente a reflexão da efetividade democrática em nosso país. A modernidade apresenta desafios de ordem inédita e complexa. O avanço acelerado da tecnologia, da inteligência artificial e a lógica algorítmica que rege as redes sociais têm provocado transformações profundas na organização social, acentuando fenômenos como a disseminação de discursos radicais e a polarização política. Esses fatores impõem aos operadores do Direito, advogados, magistrados, membros do Ministério Público e demais atores jurídicos, a necessidade de redobrada vigilância e atuação firme em defesa do Estado Democrático de Direito.

A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, consolidou o processo de redemocratização no Brasil, após um longo período de regime autoritário. Sua promulgação representou um marco histórico, fruto do esforço coletivo de homens e mulheres que lutaram pela restauração da democracia e pela efetivação dos direitos fundamentais. Nesse contexto, o discurso de Ulysses Guimarães, na sessão solene de promulgação, sintetiza de forma emblemática o significado político e jurídico da nova ordem constitucional:

“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério. Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia bradamos por imposição de sua honra. Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.” (Guimarães, 1988, s.p.).

  “Traidor da Constituição é traidor da Pátria” traduz a centralidade do texto constitucional como fundamento da ordem democrática. Nessa perspectiva, destaca-se o papel da advocacia, reconhecida pelo artigo 133 da Constituição como função essencial à administração da justiça. A valorização dessa função constitucional decorre do entendimento de que não há democracia sem advocacia livre, assim como não há advocacia livre sem democracia.

Nos últimos anos, o Brasil vivenciou episódios que evidenciam a fragilidade e a necessidade de constante preservação da ordem democrática. A tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, qualificada pela Ministra Rosa Weber como “o dia da infâmia”, demonstrou o risco permanente de retrocessos institucionais. A invasão e depredação das sedes dos Poderes da República representaram atentado direto contra o Estado Democrático de Direito, com o objetivo de instaurar uma ruptura autoritária.

É amplamente reconhecido que a intenção subjacente aos eventos de 8 de janeiro era criar uma situação de caos, a qual poderia ser utilizada como justificativa para a intervenção das Forças Armadas, anulando, assim, a eleição de Lula. O ocorrido em 8 de janeiro é resultado de anos de ataques à democracia brasileira, representando um evento complexo que demandará anos para ser plenamente compreendido.

A concepção das Forças Armadas como um poder moderador e as diversas

ingerências dos militares na política são elementos fundamentais para a ocorrência do 8 de janeiro de 2023. A ideia de um poder moderador permeia o imaginário militar e setores da sociedade. Os militares viam nos atos antidemocráticos, o exercício da liberdade de manifestação, quando na Democracia a liberdade de manifestação não pode ser utilizada para restringir direitos fundamentais de terceiros. (Silva; Oliveira 2023)

Na história brasileira, é recorrente a impunidade dos crimes cometidos por agentes do Estado, como por exemplo nos crimes contra os Direitos Humanos cometidos durante o regime militar (1964-1985), com a lei de anistia “Ampla, geral e irrestrita” que beneficiou membros do antigo regime. Torna-se imperativo que os eventos de 8 de janeiro não sejam esquecidos e que todos os agentes envolvidos sejam devidamente punidos, a não responsabilização favorece os propósitos antidemocráticos e autoritários e uma ruptura institucional pode ocorrer no futuro, e estaremos fadados a repetir o passado. É essencial que se faça justiça para evitar a repetição desses eventos. Deve-se seguir a responsabilização penal daqueles que conspiraram, planejaram e executaram. Esta pode ser a última oportunidade para punir aqueles que atacam e buscam a destruição da democracia. Somente através da responsabilização adequada dos culpados será possível fortalecer o sistema democrático.

A recente resposta institucional, conduzida pelo Supremo Tribunal Federal, representou marco relevante no fortalecimento da democracia brasileira, ao condenar um ex-presidente da República e militares envolvidos na tentativa golpista. Tratou-se da primeira vez em que o país responsabilizou criminalmente agentes políticos por atos dessa natureza, afirmando que sem justiça não há paz social, tampouco estabilidade democrática. A advertência do promotor Julio César Strassera, durante o julgamento dos militares da ditadura argentina “Esta é nossa oportunidade. Talvez seja a última” revela-se aplicável ao contexto brasileiro: a oportunidade de consolidar um sistema democrático imune a retrocessos autoritários.

Nesse cenário, o Brasil projeta-se no âmbito internacional como exemplo de que os ataques à ordem democrática não permanecerão impunes. A proteção da Constituição e das instituições republicanas exige vigilância constante, sendo responsabilidade não apenas das instituições jurídicas, mas também da sociedade civil. O risco do autoritarismo é permanente, e a história demonstra que sua ascensão se dá, muitas vezes, em momentos de descuido ou complacência.

Assim, a defesa da democracia deve ser compreendida como tarefa contínua, estruturada na observância da Constituição, na efetividade da justiça e na atuação vigilante da cidadania. Somente a partir da consolidação de instituições sólidas, do respeito ao texto constitucional e da preservação do Estado Democrático de Direito será possível assegurar um futuro de liberdade e de estabilidade democrática para as próximas gerações.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal do Brasil. Brasília, 1988.

DISSE, J. D. S. C. “Argentina, 1985”: o discurso de Julio Strassera na íntegra –Nunca mais! Disponível em: <https://kikacastro.com.br/2023/01/19/discurso-strassera-texto-video/>. Acesso em: 15 setembro. 2025.

SILVA, D.; OLIVEIRA, M. A TENTATIVA DO PUTSCH BOLSONARISTA: O 08 DE JANEIRO

DE 2023 VISTO POR UMA TEORIA CONSTITUCIONAL A SERVIÇO DO ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/>. Acesso em: 16 maio. 2024.

WEBER, R. Pronunciamento da Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Rosa Weber, por ocasião da última sessão presidida por ela antes da aposentadoria. Disponível em: <https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/DiscursoRW_despedida.p df>. Acesso em: 22 maio. 2024.

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