Introdução
A dissolução de uma união conjugal é sempre um processo delicado, marcado por amoldamentos emocionais, patrimoniais e familiares. No entanto, um dos desdobramentos mais graves e silenciosos é o afastamento de pais em relação aos filhos. Trata-se de um fenômeno que não pode ser diminuído ao campo privado: ele envolve questões jurídicas, sociais e éticas, impactando diretamente os direitos fundamentais da criança e do adolescente. Afinal, por que tantos pais se afastam dos filhos após a separação do casal?
A confusão entre conjugalidade e parentalidade
Um dos principais motivos é a ineptidão de muitos homens de dissociar o término da relação conjugal da continuidade do vínculo parental. O filho, por vezes, passa a ser visto como extensão da ex-companheira, tornando-se, injustamente, alvo indireto de ressentimentos. Essa distorção leva ao afastamento afetivo e ao descumprimento de deveres que são permanentes, mesmo após o fim da relação entre os pais.
Heranças culturais e estereótipos de gênero
A sociedade brasileira ainda carrega resíduos de um modelo patriarcal em que a maternidade é entendida como natural e a paternidade como opcional. Esse padrão cultural leva muitos homens a se considerarem dispensados do exercício ativado da paternidade quando a figura materna está presente. Tal concepção não apenas reforça desigualdades de gênero, mas também viola o princípio constitucional da proteção integral e prioritária da criança e do adolescente art. 227 da CF/88.
Conflitos judiciais e obstáculos de convivência
Outro fator relevante são os litígios decorrentes da separação. Disputas em torno da guarda ou da regulamentação de visitas podem transformar o filho em instrumento de vingança ou de poder. Embora existam casos de real obstrução, é preciso reconhecer que, muitas vezes, o afastamento decorre da falta de empenho do próprio pai em superar obstáculos jurídicos e emocionais. A parentalidade não pode ser vista como um “direito disponível”, mas como um dever jurídico inalienável.
Aspectos jurídicos do abandono paterno
Do ponto de vista normativo, o Código Civil em seus arts. 1.583 a 1.589 e o Estatuto da Criança e do Adolescente em seus arts. 4º e 22 são claros: a separação dos pais não altera os direitos e deveres para com os filhos.
O abandono afetivo tem sido reconhecido pela jurisprudência como ato ilícito passível de indenização, nos termos do art. 186 do Código Civil, por violar direitos da personalidade e comprometer o desenvolvimento integral da criança. O Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento no sentido de que “amar é faculdade, cuidar é dever”, deixando claro que a ausência de convivência e cuidado gera consequências jurídicas.
O papel da advocacia e da OAB
A advocacia exerce papel efetivo na promoção de uma cultura de responsabilidade parental. Mais do que conduzir ações de guarda, alimentos ou regulamentação de visitas, cabe aos advogados e às instituições, como a OAB, fomentar a conscientização de que a paternidade é permanente e independe do estado civil dos pais.
Ao trazer o tema para o debate público, reafirma-se que o cuidado com os filhos não é um favor, mas um direito da criança e um dever do pai.
Conclusão
O abandono paterno após a separação conjugal resulta de um conjunto de fatores: dificuldades emocionais, heranças culturais, conflitos mal resolvidos e ausência de responsabilização. Enfrentar essa realidade exige não apenas o rigor da lei, mas também uma transformação cultural que reafirme a importância da paternidade responsável.
Afinal, o fim de uma relação conjugal pode extinguir o vínculo entre os cônjuges, mas jamais deve extinguir o compromisso de ser pai.
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