Rogerio Ceni de Melo

Compliance criminal: Instrumento de prevenção e proteção contra atos ilícitos no âmbito empresarial

Postado em 05 de novembro de 2025 Por Rogério Ceni de Melo Acadêmico de Direito pela UNIFACOL (4º período). Estagiário no escritório Luiz Maranhão Advocacia. Atua em estudos com ênfase no Direito Empresarial, Tributário e Compliance.

Ao se falar em corrupção no Brasil, é comum que o imaginário coletivo a associe imediatamente a grandes escândalos envolvendo empresas públicas e a administração estatal. Casos amplamente divulgados pela mídia consolidaram a percepção de que a corrupção é um fenômeno intrinsecamente ligado ao setor público. No entanto, essa visão é parcial. A criminalidade empresarial também se manifesta com força no setor privado, por meio de práticas como lavagem de dinheiro, suborno, fraudes contábeis, má governança, desvio de ativos, violação de dados e condutas antiéticas de colaboradores e gestores.

Esses ilícitos privados, ainda que muitas vezes despercebidos pela opinião pública, geram impactos econômicos e sociais significativos, comprometendo a concorrência leal, a confiança nos mercados e a estabilidade das instituições. A corrupção corporativa não se limita à relação empresa-Estado; ela pode ocorrer entre particulares, corroendo a integridade das relações comerciais e a ética nos negócios.

Diante desse cenário, surge o compliance criminal como resposta técnica e institucional ao desafio de prevenir e mitigar riscos penais empresariais. Mais do que um instrumento burocrático, trata-se de um modelo de gestão de integridade, sustentado por controles internos, políticas corporativas e cultura organizacional voltada à legalidade e à ética.

1. O conceito e a função preventiva do compliance criminal

O compliance criminal, especificamente, refere-se às medidas internas destinadas a prevenir, detectar e reagir a condutas que possam configurar ilícitos penais, como corrupção, fraude, lavagem de dinheiro ou crimes financeiros. Não se limita à proteção da pessoa jurídica, abrange também a prevenção da responsabilidade penal de seus dirigentes e administradores, consolidando o que a doutrina denomina cultura da responsabilidade penal empresarial.

Rogério Sanches Cunha define o instituto como “o conjunto de ações e planos adotados por pessoas jurídicas para garantir que cumpram as exigências legais e éticas de seu setor, evitando e remediando adequadamente fraudes e atos de corrupção”. Em linha semelhante, Saad-Diniz sustenta que o compliance criminal constitui uma política de prevenção da criminalidade empresarial, incorporando mecanismos de controle interno e incentivos ao cumprimento de deveres de colaboração com o Estado.

2. Fundamentação normativa e alcance jurídico no Brasil

A Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) introduziu a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica por atos lesivos contra a administração pública e previu, em seu artigo 7º, inciso VIII, que a existência de programas de integridade efetivos é fator atenuante na aplicação de sanções. Trata-se, portanto, de reconhecimento legal expresso do valor preventivo do compliance.

Já a Lei nº 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro) impõe deveres de identificação de clientes, manutenção de registros e comunicação de operações suspeitas, reforçando a obrigação das empresas de implementar controles internos.

O artigo 13, §2º, do Código Penal também serve de fundamento, ao dispor que a omissão é penalmente relevante quando o agente “podia e devia agir para evitar o resultado”. É com base nesse dispositivo que se discute a responsabilidade penal do compliance officer, profissional encarregado de supervisionar o cumprimento das normas de integridade. Contudo, sua responsabilização somente é admissível quando possui dever jurídico e meios efetivos para agir, não se confundindo com uma responsabilidade objetiva ou automática.

Por sua vez, o Projeto de Lei nº 455/2016, ainda em tramitação, propõe tipificar a corrupção privada no Código Penal, estendendo o alcance repressivo para o âmbito empresarial. A tendência legislativa, portanto, é de ampliar o espectro de criminalização das condutas corporativas e consolidar o compliance como instrumento de defesa institucional.

3. O compliance criminal e a governança corporativa

O compliance não é apenas um conjunto de regras, mas uma estrutura viva de governança, que exige comprometimento da alta direção (tone at the top), treinamentos periódicos, canais de denúncia, due diligence de terceiros e políticas claras de sanção disciplinar. A efetividade do programa depende da sua aderência à cultura organizacional e da sua capacidade de responder a riscos reais.

A doutrina de Klaus Tiedemann denomina esse fenômeno de “cultura da responsabilidade penal empresarial”, na qual a empresa deixa de ser mero objeto da persecução penal e se converte em sujeito ativo de prevenção. Essa mudança de paradigma reflete a evolução do Direito Penal Econômico, que passa a atuar não apenas de forma reativa, mas preventiva e estratégica.

A consolidação do compliance criminal implica o fortalecimento de uma cultura de autocontrole corporativo. Ao implantar políticas de integridade, a empresa demonstra boa-fé objetiva, diligência e compromisso com a ética, elementos que podem servir como atenuantes em eventual responsabilização. O compliance criminal, portanto, não é apenas uma ferramenta de proteção, é expressão de maturidade institucional e de cidadania corporativa.

Conclusão

Os escândalos de corrupção envolvendo grandes estatais projetaram a imagem de que o crime econômico é um problema restrito ao setor público. Todavia, a realidade empresarial demonstra que a corrupção e os ilícitos corporativos também prosperam no setor privado, exigindo mecanismos próprios de controle e responsabilização.

O resultado esperado é a redução da exposição penal e reputacional, a proteção do patrimônio e da marca e a criação de valor sustentável, fatores essenciais para empresas que pretendem competir em ambientes regulatórios rigorosos e mercados globalizados.

A efetividade do compliance, entretanto, não depende apenas de regulamentos, mas de comprometimento institucional e mudança de mentalidade. Empresas que incorporam a integridade como valor estratégico não apenas se protegem de sanções, mas constroem confiança, atraem investimentos e contribuem para a consolidação de um ambiente empresarial mais ético, competitivo e sustentável.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Lei de prevenção à lavagem de dinheiro.

BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Lei Anticorrupção.

BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.

CUNHA, Rogério Sanches; SOUZA, Renée do Ó. Compliance Penal. São Paulo: JusPodivm, 2022.

PAIVA PENTEADO, Breno. A importância do compliance sob a ótica do Direito Penal empresarial. Migalhas, São Paulo, 24 abr. 2024.

TIEDEMANN, Klaus. Empresarial Criminal Law and Corporate Responsibility. Freiburg: Nomos Verlag, 2013.

SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance e Direito Penal: fundamentos de política criminal empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

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