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O STJ como primeira instância efetiva: Um alerta à advocacia

Postado em 12 de maio de 2025 Por Rilbany Costa Urban Advogada e professora

Entre nós, advogados, cresce a convicção de que o Superior Tribunal de Justiça tem se transformado na verdadeira instância de julgamento do país. Não se trata de exagero retórico. É constatação prática, alimentada pela repetição de decisões superficiais e genéricas nas instâncias ordinárias. O que deveria ser um segundo grau de jurisdição qualificado tem, com frequência, se limitado a uma passagem formal, quase burocrática, rumo a Brasília.

Quantos de nós já nos deparamos com acórdãos que simplesmente ignoram os fundamentos centrais da apelação? Quantos memoriais, cuidadosamente elaborados, são solenemente desconsiderados? Em muitos casos, o julgamento colegiado é substituído por decisões padronizadas, em que o contraditório, embora formalmente garantido, é esvaziado em sua essência. Essa dinâmica impõe à advocacia um ônus desproporcional: somos levados ao STJ não para discutir direito federal, mas para buscar, pela primeira vez, uma análise jurídica séria e comprometida com o mérito do caso.

Os dados[i] confirmam essa distorção. Em abril de 2024, o STJ recebeu 54.127 novos processos — um aumento de quase 64% em relação ao mesmo mês de 2023 e de 78% frente a abril de 2022. Com base na média mensal registrada em 2024 (aproximadamente 39.700 processos), projeta-se que o primeiro semestre de 2025 ultrapasse a marca de 240 mil novos processos, consolidando uma tendência de crescimento constante da demanda. O STJ segue batendo recordes de distribuição, não por ser instância de exceção, mas por ser, em muitos casos, o primeiro tribunal a enfrentar com profundidade os argumentos das partes.

Esse descompasso revela não apenas a sobrecarga da Corte Superior, mas um déficit de comprometimento das instâncias ordinárias com a entrega de uma jurisdição efetiva. A crescente cultura de julgamento abreviado, na qual o despacho-padrão substitui a análise e o cumprimento das metas do CNJ se torna mais importante que o processo, contribui para o esvaziamento do segundo grau de jurisdição como espaço de revisão qualificada. Trata-se de uma lógica perversa, na qual os tribunais locais abdicam de sua função constitucional e deslocam para o STJ o dever de fazer justiça no caso concreto.

Essa inversão de papéis impõe à advocacia um ônus imenso. Para obter um julgamento técnico, detalhado e minimamente comprometido com a realidade fática do processo, somos forçados a atravessar toda a via recursal. Investimos tempo, recursos e energia — não para discutir teses relevantes em sede de recurso especial, mas para obter, enfim, um juízo jurídico sério sobre o mérito do caso. É o STJ que, muitas vezes, pela primeira vez, analisa com profundidade os autos. Isso não é natural. Isso é sintoma de um colapso funcional nas instâncias ordinárias.

Essa realidade afeta diretamente nossa prática profissional. Prolonga o trâmite processual, eleva os custos envolvidos e impõe desgaste emocional ao advogado que atua com lealdade, técnica e responsabilidade. Além disso, compromete a credibilidade da própria atuação, na medida em que o jurisdicionado — perplexo — não compreende como é possível que seus fundamentos sequer tenham sido considerados em segunda instância. A sensação de invisibilidade, experimentada por quem busca a tutela de um direito, recai sobre nós, que servimos de ponte entre o cidadão e o Judiciário.

Não se trata de atacar o Judiciário, mas de exercer, com legitimidade, o papel que nos cabe como advogados: reivindicar, com firmeza e argumentos, que cada instância jurisdicional exerça sua função constitucional com responsabilidade. O STJ está sufocado — e está assim não apenas pela litigiosidade brasileira, mas pelo esvaziamento da jurisdição ordinária. E o ponto nevrálgico é este: mesmo quando há omissão gritante na análise de fundamentos, o STJ, amparado pela Súmula 7, não pode corrigir o erro cometido antes. O resultado é um ciclo perverso, em que a justiça é negada nas instâncias inferiores e trancada na superior. A falha não é processual — é de mentalidade.

Como classe, precisamos defender com mais veemência o julgamento fundamentado em todas as fases do processo. Precisamos expor, com técnica e coragem, os vícios das decisões genéricas, das omissões reiteradas e do esvaziamento do contraditório. Precisamos lembrar, todos os dias, que não lutamos apenas por uma tese — lutamos pelo direito de sermos ouvidos com seriedade. É hora de resgatar a força da advocacia como voz ativa na construção de uma jurisdição qualificada. A justiça não pode começar apenas em Brasília. Ela começa no peticionamento inicial — e deve seguir, passo a passo, com respeito, escuta e comprometimento em cada juízo.


[i] https://justica-em-numeros.cnj.jus.br/painel-estatisticas/

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