“Sabemos que um traço essencial de uma civilização digna desse nome é a noção de respeito da dignidade da pessoa humana; por outro lado, é idéia pacifica a de que para defender os direitos da pessoa humana, bem como para defender a liberdade, devemos estar sempre preparados para oferecer a própria vida.”[1]
O presente escrito visa o retorno de garantias fundamentais firmados na Constituição Federal de 1988. Certamente é um artigo que busca o resgate de garantias e direitos fundamentais já exercidos e principalmente positivados no núcleo do Direito Constitucional Nacional. O professor João Camilo de Oliveira Torres escreveu sobre a essência do conservadorismo “poderíamos definir o conservadorismo do seguinte modo: é uma posição política que reconhece que a existência das comunidades está sujeita a determinadas condições e que as mudanças sociais, para serem justas e válidas, não podem quebrar a continuidade entre o passado e o futuro”[2].
O filosofo Olavo de Carvalho arremata: “o termo “conservador” denota a adesão a princípios e valores atemporais que devem ser conservados a despeito de toda mudança histórica, quanto mais não seja porque somente neles e por eles a História adquire uma forma inteligível”[3]
Durante anos, algumas garantias e direitos fundamentais foram consolidados não apenas no âmbito acadêmico, mas também, legislativo e jurídico. Direitos e garantias que foram construídos hermeneuticamente de forma sólida e com ampla participação dos mais diversos setores da sociedade civil. Garantias como a liberdade de expressão, positivada no Art. 5º, da CF, a liberdade de manifestação política, art. 5º, IV da CF, liberdade de impressa, art. 220 da CF, liberdade acadêmica e educacional art. 225 da CF, o devido processo legal, a ampla defesa e garantia de acesso ao interior teor do processo aos advogados. Todos esses direitos e garantias estavam consolidados de forma profunda no âmbito jurídico.
Todos as garantias e direitos alinhados são derivados do direito natural, ou seja, da perspectiva que são oriundos de uma ordem transcendental que infundiu no gênero humano de forma inalienável. Não sendo licito qualquer diminuição ou cancelamento do direito natural, assim ensina Tomás de Aquino:” Deve-se dizer que como a lei escrita não dá força ao direito natural, assim também não pode diminuir-lhe nem suprimir-lhe a força; pois a vontade humana não pode mudar a natureza. Portanto, se a lei escrita contém algo contra o direito natural, é injusta e não tem força para obrigar”[4].
Com esse exercício das liberdades foi construída a tese jurídica da proibição do retrocesso. Isso significa que uma vez alcançada um núcleo pragmático do exercício do direito ou garantia fundamental não poderia o Poder Legislativo, Executivo ou Poder Judiciário dar um alcance menor, reduzido ou que obstruísse o exercício dessas garantias sob pena de violação e agressão direta aos direitos fundamentais, podendo inclusive ser causa de intervenção federal, nos termos do art. 34, VII, “b” da CF e início de processo de impeachment, art. 4, III e art. 13 da Lei n.: 1.079/1950.
Essas liberdades são tão caras para o direito constitucional que o prof. Nelson Saldanha ensina com clareza “A estruturação liberal do constitucionalismo estabeleceu como valor primacial a liberdade: em torno deste valor girou a própria concepção dos direitos, objeto de proteção e efetivação por parte da ordem política. A ordem política e a constituição não teriam outra missão do que a de garantir as liberdades. Os direitos públicos são “a própria liberdade garantida em suas diversas manifestações pela lei fundamental do país.”[5]
O resgate de antigas garantias, todas elas voltadas para a liberdade, se torna necessária. Em pleno século XXI, é necessário um artigo contra o totalitarismo de ideologia socialista hoje presente na República Federativa do Brasil, com seu principal executor, o Supremo Tribunal Federal e Poder Executivo Federal com as negligencias funcionais do Poder Legislativo Federal.
Para que o totalitarismo se torne realidade social, adotamos os pontos prescrito pelo prof. José Pedro Galvão de Sousa: “Três aspectos importantes a considerar nos Estados totalitários do nosso tempo são os seguintes: 1) formação de uma casta dominante que tem nas mãos o aparelhamento do Estado (na ex-URSS, foi a Nomenclatura); 2) polícia política, servindo-se habitualmente de métodos de tortura; 3) supressão total da liberdade de pensamento e monopólio estatal da cultura, do ensino e dos meios de comunicação de massa.”[6]
Assistimos com tristeza à destruição do sistema jurídico nacional e principalmente do núcleo democrático da Constituição Federal. Decisões teratológicas, com nítida finalidade de proteção ideológica da parte favorecida inquéritos instaurados sem fim claro e sem prazo para finalização, assim como instaurado pelo próprio órgão julgador, mudança radical de jurisprudências e decisões anteriores para fins de nítida perseguição política ideológica, o cerceamento do direito de defesa, impossibilitando ou dificultando o advogado de ter acesso aos autos de forma total, a instauração de ações judiciais e perseguição contra empresas jornalísticas que no pleno exercício do seu dever de informar. A criação “legislativa” por parte do Poder Judiciário em efeitos gerais, abstratos, de natureza típica do Poder Legislativo.
A violação ao princípio da personalidade da pena, dosimetria e culpabilidade nos atos políticos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023, uma nítida inclinação de mudança agressiva fora do histórico penal brasileiro aplicando para esse fato a teoria objetiva do direito penal do inimigo. Teoria não aceita no regime Constitucional vigente por afrontar a dignidade da pessoa humana e garantias processuais mínimas.
A discriminação no julgamento do ocorrido em 8 de janeiro de 2023 ocorre devido ao que as pessoas representam (conservadores em sua maioria) e não pelos fatos e responsabilidades individuais, é uma grave violação ao conceito de justiça e nítida violação aos direitos humanos.
Importante são as considerações da professora Fernanda Otero Costa quanto a impossibilidade e inconstitucionalidade de aplicação da teoria do direito penal do inimigo: “Por meio da criação de inimigos, os elementos fundadores e justificadores de discursos como o se segurança nacional, e lei e ordem passam a se incorporar no cotidiano de toda a sociedade. Para que sejam determinados os temidos inimigos, impossíveis de serem reconhecidos a priori, é necessário a mitigação de direitos fundamentais- árdua e historicamente conquistadas- não só dos inimigos, mas de todo e qualquer cidadão.”
E arremata a penalista: “E, mesmo que fosse possível distinguir os inimigos dos cidadãos, não seria lícito dispensar um tratamento diferenciado aos primeiros que diminuísse as suas garantias penais e processuais penais. Ainda que o inimigo possa existir no ponto de vista fático, não poderíamos tratá-lo como inimigo do ponto de vista normativo. O inimigo não é um outro alheio, um outro absoluto e distante dos demais.”[7]
A mudança de paradigma do sistema processual e penal da necessidade da culpabilidade, para a aplicação da objetividade própria do direito penal do inimigo não foi recepcionada pelo modelo constitucional. Não tendo legitimidade de mudança de sistema, via indireta por interpretação subjetiva valorativa dos membros do Supremo Tribunal Federal.
Com a adoção da teoria dos três poderes, caberia ao Poder Legislativo impedir o avanço da juristocracia-socialista hoje implantada no Brasil. Nos termos do art. 85 e 86 da Constituição Federal de 1988. Omissões essas que acabou por tornar o próprio poder legislativo federal “refém” do Supremo Tribunal Federal. A prisão, condenação do parlamentar Deputado Daniel Silveira entrará para os anais da história constitucional como a diminuição da soberania do parlamento. Garantias de liberdade parlamentar, a livre expressão, positivado no art. 53 da Constituição Federal que poderiam no máximo chegar a ter uma responsabilização civil pelos supostos excessos.
Naquela deveria ter prevalecido a soberania do parlamento, a dignidade do Poder Legislativo. Como ensina Tomás de Aquino “o homem só é obrigado a obedecer aos princípios seculares na medida requerida pela justiça. Assim, quando os chefes não possuírem um mandado justo, mas usurpado, ou quando os preceitos deles forem injustos, os súditos não tem nenhuma obrigação de lhes obedecer, a não ser talvez por acidente, para evitar um escândalo ou um perigo”[8].
O professor Nelson Saldanha ensina sobre o Estado Democrático de Direito e quanto a soberania do parlamento “ num regime realmente democrático os autores da lei serão representantes legítimos do povo e trabalharam num contexto onde o legislativo possua total prestigio; e o seu prestigio será o prestigio da lei, será também o prestigio da própria ordem jurídica.”[9]
Desde fevereiro de 2020 tem se criado via Supremo Tribunal Federal, por meio do ativismo judicial, um “Estado Novo,” sem a participação popular e sem o exercício da democracia. Desde então, normas e decisões que caberiam ao Poder Executivo, foram cerceadas com nítida violação à discricionariedade administrativa e absoluta violação a separação dos poderes. O que atrai o ensinamento do pernambucano Nelson Saldanha “por tudo que foi visto, entende-se que há no Estado de Direito um aspecto formal, correspondente a presença de um estatuto jurídico dominante, e um aspecto material, correspondente ao atendimento de exigência de conteúdo. Essas exigências se prendem politicamente ao problema da legitimidade do poder, como se prendem à questão dos valores jurídicos especiais assumidos pelo Estado, no sentido formal, onde a presença de uma legalidade poderá ser mera aparência, um Estado pode intitular-se de direito, sem entretanto carregar conteúdos materialmente validos. Sem ser, portanto, Estado de Direito propriamente dito”.[10]
Entendemos “Estado Novo” como uma ruptura jurídica não apenas de iniciativa do Poder Executivo ou Legislativo, que são as formas típicas de ruptura, mas também do Poder Judiciário quando é adotado a juristocracia como forma de definição dos poderes, direitos fundamentais e exercício dos direitos políticos. Uma reinterpretação de institutos e direitos fundamentais de forma de reduzir ou diminuir seu exercício, a instauração de medo social para opositores políticos, e plena fiscalização policial do Poder Executivo e Legislativo, configura a criação de um Estado Novo sem alteração legislativa, mas por meio de técnica de interpretação constitucional modificativa e ampliativa do próprio Poder Judiciário. No final até as decisões típicas do poder executivo, como a nomeação de um cargo discricionário e de confiança terá que passar pela autorização do Poder Judiciário, ou quando é necessário a adaptação de projetos legislativos ou a sua recusa, quando o Poder Judiciário sinaliza a sua “inconstitucionalidade hipotética”.
O “Estado Novo” criado pelo Supremo Tribunal Federal tem violado prerrogativas institucionais dos parlamentares federais, como a imunidade parlamentar e julgamento de admissibilidade pela respectiva casa legislativa, processos criminais em que a figura do juiz e promotor/acusador se confundem e muitas vezes com ações investigativas coercitivas que afrontam o garantismo penal adotado entre os penalistas.
O “Estado Novo” afirmamos com as diversas variações de interpretação no texto da Constituição ao ponto de desconfigurar o seu sentido histórico, real e social. técnicas de interpretação evolutivas devem sempre ser aplicadas para uma promoção da segurança jurídica, e não para a destruição do passado e formação de “novo direito constitucional socialista”. Núcleos semânticos garantidores de direitos, como o devido processo legal, culpabilidade precisa e fato com culpabilidade foram substancialmente anulados com a finalidade de diminuir o movimento social popular em volta da ideologia conservadora e seus políticos identitários.
No “Estado Novo”, membros da Suprema Corte têm apresentado manifestações político-ideológicas claras e opositoras ao conservadorismo e muitas vezes agressivas, em ofensa à necessidade de imparcialidade jurisdicional, o que acaba afetando o princípio do juiz natural, garantido constitucionalmente. A imparcialidade como núcleo da democracia e do juiz natural, pode ser fundado na passagem bíblica, Deuteronômio, 1, 16 “ouvi-os, e jugai segundo a justiça, quer se trate de um cidadão, quer de um estrangeiro”.
No “Estado Novo”, o Supremo Tribunal Federal tem o poder de realizar “pressão” politica em partidos e figuras politicas para que determinadas decisões políticas sejam realizadas ou retardadas, como por exemplo, o projeto legislativo LEI nº 5064 de 2023 que prevê a Anistia dos processados e condenados nas manifestações politicas ocorridas no dia 8 de janeiro de 2023.
Um batom é considerado arma de crime, e uma pichação um crime contra o Estado Democrático De direito. A medida é uma diminuição significativa da luta e história para que o cidadão pudesse se manifestar e viver um Estado Democrático de Direito. Uma redução significativa, para que um “novo normal”, sem oposição e com penas graves sejam aplicadas a opositores, como cassação de mandados parlamentares e prisões (naturais de crimes políticos), e com isso diretamente provocando o medo para aqueles que identificam com a ideologia conservadora.
O conceito de Estado Democrático de Direito foi “sequestrado” para atender uma ideologia jurídico-socialista que foi incorporado dentro do Supremo Tribunal Federal. Por fim, e seguindo a tradição jurídica, o presente manifesto se incorpora do mais nítido direito de resistência. Direito que tem legitimidade e guarida constitucional. Resistimos ao retorno do Estado Policial, resistimos a diminuição de eficácia e aplicação dos direitos fundamentais, resistimos ao “Estado Novo” criado não por manifestação popular ou exercício de cidadania mas por usurpação e manipulação do Poder, resistimos por sermos brasileiros, patriotas e operadores do direito com o maior respeito a tradição jurídica, ao Estado Democrático de Direito e a Constituição Federal de 1988.
[1] Maritan, Jacques. Os Direitos do Homem e a Lei Natural. Ed. Livraria José Olympio: Rio de Janeiro, 1967, Pg.16
[2] Pg. 40.
[3] Carvalho, Olavo. O dever de Insultar: Carta de um terráqueo ao planeta Brasil, Vol VI. Vide Editorial: Campinas/SP, 2016Pg.39.
[4] Aquino, Tomas. Suma Teologica. Vol.VII. São Paulo: Loyola, pg.93.
[5] Saldanha, Nelson. Estado de Direito, Liberdades e Garantias. Sugestões Literarias S/A: São Paulo, 1980.Pg. 38
[6] Sousa, José Pedro, Clovis Lema Garcia, José Fraga Teixeira de Carvalho. Dicionário de Política. Ed. Centro Dom Bosco: Rio de Janeiro, 2021,Pg. 923.
[7] Costa, Fernanda Otero. Aquém da Paz e Além da Guerra. Doutrinas Essenciais- Direito Penal e Processual Penal, Vol. I – Teoria Geral do Direito Penal. Org. Gustavo Henrique Badaró. São Paulo: Revista dos Tribunais , 2015.
[8] Aquino, Tomas. Suma Teologica. Vol.VII. São Paulo: Loyola, pg.567.
[9] Saldanha, Nelson. Estado de Direito, Liberdades e Garantias. Sugestões Literarias S/A: São Paulo, 1980.Pg Pg.13.
[10] Saldanha, Nelson. Estado de Direito, Liberdades e Garantias. Sugestões Literarias S/A: São Paulo, 1980.Pg.22/23.
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