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A Judicialização das eleições municipais: impactos na democracia local e desafios institucionais

Postado em 04 de junho de 2025 Por Joseane Oliveira da Silva Advogada. Especialista em Direito Eleitoral, Pós Graduanda em Direito Público.

1. Introdução
O Brasil, enquanto república federativa, atribui papel central aos municípios na implementação de políticas públicas e na prestação de serviços essenciais à população. As eleições municipais, portanto, são fundamentais para a vida democrática. Contudo, observa-se um crescente fenômeno de judicialização desses pleitos, que afeta diretamente a estabilidade política e administrativa dos entes locais. Este artigo se propõe a investigar as causas dessa judicialização, suas implicações e os desafios institucionais dela decorrentes.

2. Conceito de Judicialização das Eleições
A judicialização da política ocorre quando questões eminentemente políticas são transferidas ao Judiciário para solução. No âmbito eleitoral, ela se manifesta na intensificação de demandas judiciais que buscam interferir ou redefinir os rumos das eleições, muitas vezes com base em questões formais, legais ou procedimentais. Essa prática, embora prevista em nosso ordenamento, levanta importantes questionamentos sobre os limites da atuação judicial frente à soberania popular. Como advogada com atuação no Direito Público e Eleitoral, observo com preocupação como essa transferência de decisões da arena política para a judicial pode afastar o eleitor do centro do processo democrático.

3. Causas da Judicialização nas Eleições Municipais
Diversos fatores contribuem para o aumento da judicialização nos pleitos municipais. Em primeiro lugar, a própria estrutura normativa brasileira, notadamente a Constituição Federal de 1988 e a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), conferem à Justiça Eleitoral competências amplas de fiscalização e repressão de ilícitos eleitorais. Ademais, a Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010) introduziu um rol extenso de inelegibilidades que se tornaram objeto de contestações judiciais recorrentes.

Outros fatores incluem o uso abusivo da máquina pública, a compra de votos, o financiamento irregular de campanhas, a desinformação e a manipulação de dados em redes sociais. A intensa disputa por cargos locais, onde os efeitos da vitória ou derrota impactam diretamente comunidades inteiras, também estimula a utilização do Judiciário como estratégia política. Segundo relatório do TSE de 2022, mais de 35% dos processos judiciais eleitorais tramitaram nas zonas eleitorais municipais, evidenciando o foco da judicialização nas instâncias locais.

Como afirma Gomes (2022, p. 58), “a judicialização excessiva tende a comprometer a autonomia da vontade popular, deslocando o centro decisório do eleitor para o julgador, o que exige reflexão crítica sobre os limites da intervenção jurisdicional”.

4. Consequências para a Democracia Local
A judicialização excessiva pode gerar instabilidade institucional. Prefeitos eleitos sob júdice assumem mandatos fragilizados, com incertezas que comprometem a governabilidade e a execução de políticas públicas. Além disso, o excesso de recursos e a demora nos julgamentos eleitorais geram insegurança jurídica, afetando a confiança da população nas instituições democráticas.

Não raro, observa-se a reversão de resultados eleitorais anos após o pleito, o que esvazia o princípio da soberania popular e compromete o planejamento das gestões municipais. Casos emblemáticos, como os julgamentos que resultaram na cassação de prefeitos após mais de dois anos de mandato, demonstram os efeitos deletérios dessa morosidade. Há também o risco de politização do Judiciário, quando este é pressionado a decidir em meio a disputas partidárias e interesses locais.

Segundo Kildare Gonçalves Carvalho (2020, p. 119), “a morosidade processual, especialmente quando culmina na cassação tardia de mandatos, é incompatível com os princípios da celeridade e da segurança jurídica, pilares fundamentais do processo democrático”.

5. O Papel da Justiça Eleitoral
A Justiça Eleitoral brasileira, considerada uma das mais avançadas do mundo, tem papel fundamental na garantia da lisura dos pleitos. Sua estrutura especializada e sua atuação preventiva e repressiva são essenciais à manutenção do Estado Democrático de Direito. Entretanto, é preciso zelar pelo princípio da intervenção mínima, garantindo que as eleições se resolvam prioritariamente no campo político, pela livre manifestação do voto.

O fortalecimento de mecanismos de resolução rápida de conflitos, o incentivo à transparência nas campanhas e o uso responsável da advocacia eleitoral são medidas que podem contribuir para um processo eleitoral mais equilibrado. Ressalte-se, ainda, a importância da profissionalização dos juízes eleitorais de primeira instância, muitas vezes afastados da realidade política local por falta de formação específica.

Nesse sentido, Barroso (2010, p. 35) observa que “o protagonismo judicial em matéria eleitoral deve ser exercido com parcimônia, de modo a não esvaziar a soberania do voto popular nem substituir a política pela jurisdição”. Essa advertência reforça a necessidade de equilíbrio entre o controle judicial e o respeito à legitimidade democrática.

6. Propostas para Mitigar a Judicialização Excessiva
Para conter os excessos da judicialização eleitoral, propõe-se:

  • Revisão da legislação eleitoral para simplificação dos critérios de inelegibilidade e maior objetividade nas normas;
  • Aperfeiçoamento da formação dos julgadores eleitorais, com foco em cursos permanentes de capacitação oferecidos pela Escola Judiciária Eleitoral;
  • Criação de mecanismos de resolução extrajudicial de litígios eleitorais, como câmaras de conciliação em temas de propaganda;
  • Incentivo à educação política da população e dos candidatos, fomentando a cultura da legalidade e do respeito às regras do jogo democrático;
  • Prazos processuais mais céleres para julgamento de causas eleitorais, notadamente aquelas que envolvem o registro de candidatura e a diplomação.

Em experiências internacionais, como na Alemanha e no Chile, observa-se a adoção de mecanismos que privilegiam a solução administrativa de impugnações e um calendário rígido para decisões antes da diplomação, o que poderia inspirar mudanças no modelo brasileiro.

7. Considerações Finais
A judicialização das eleições municipais é um fenômeno complexo, que reflete tanto o amadurecimento da democracia brasileira quanto suas fragilidades institucionais. A atuação da Justiça Eleitoral deve ser firme na repressão a ilícitos, mas sempre equilibrada, respeitando os limites do Judiciário e a vontade popular.

Como advogada, compreendo que o fortalecimento da democracia local depende de uma atuação jurídica comprometida com a ética, o respeito à legalidade e o reconhecimento da pluralidade política. A advocacia eleitoral deve ser instrumento de equilíbrio, não de conflito.

Cabe aos operadores do Direito, especialmente os advogados e advogadas eleitorais, atuar com responsabilidade, promovendo a legalidade, a estabilidade institucional e o respeito à democracia. Somente com uma cultura política mais madura e com instituições fortalecidas poderemos reduzir a dependência do Judiciário como instância de solução das disputas políticas e garantir um processo eleitoral verdadeiramente representativo, justo e eficiente.

Referências

  • GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. São Paulo: Atlas.
  • CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Eleitoral Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey.
  • Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Jurisprudência e estatísticas eleitorais. Disponível em: www.tse.jus.br
  • BARROSO, Luís Roberto. Judicialização da vida: o Supremo Tribunal Federal e o governo das leis. Belo Horizonte: Fórum.
  • COSTA, Valdir Pucci. A Justiça Eleitoral e a Democracia. Brasília: Fórum Eleitoral, 2021.
  • DECISÃO DO TSE no REspe 0600123-75.2020.6.17.0000 (cassação após dois anos de mandato).
  • RELATÓRIO DE ESTATÍSTICAS ELEITORAIS – TSE, 2022.

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