carlos santana

O Processo (in)Devido e (i)Legal

Postado em 18 de junho de 2025 Por Carlos Sant’Anna  é Advogado e Presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.

Nos autos, há testemunhas protegidas por sigilo absoluto, relatórios de inteligência sem contraditório e denúncias construídas com base em pressupostos vagos, como “atmosfera delitiva” ou “comprometimento com uma causa golpista”. As prisões foram preventivamente determinadas antes de o sujeito saber que havia contra ele uma investigação. Aos advogados, restou o ofício ingrato de argumentar sem acesso pleno aos elementos de prova e aos autos, vistas ou cópia, só se soubesse o que queria, mesmo sem ver os autos, em verdadeiro exercício de adivinhação.

As sessões de julgamento, públicas apenas no nome, seguiram roteiros já desenhados. A acusação ganhava ares de verdade oficial e o papel do advogado era tolerado como um rito formal, não como instrumento efetivo do direito de defesa. A presunção de inocência nem de perto guarda qualquer espaço para uma expectativa diferente de uma punição exemplar. Recorrer, em muitos casos, era como gritar em um desfiladeiro: havia eco, mas não resposta.

Ficou comum a fase da instrução processual sempre conduzida por autoridades com laços diretos com o poder político do momento. Flagrante a devassidão entre quem investigava, acusava e, no fim, julgava. A imparcialidade, condição caríssima para um processo que se diz legal, era uma palavra bonita, mas de valor meramente retórico. O que se buscava não era o devido processo legal, mas uma encenação de legalidade para legitimar condenações já decididas antes do processo.

Aos advogados que ousavam insistir no amparo da Constituição, sobravam indeferimentos, audiências sigilosas, ausência de intimações de testemunhas, pedidos de ofícios ignorados e uma vigilância não declarada as partes e ao seu defensor. Argumentar era ato de coragem. Defender-se, um luxo reservado a poucos atrevidos ou insanos?

Vistas aos autos, só era possível com autorização expressa da autoridade que havia decretado a prisão. O mesmo que acusava, julgava, punia, e quando em dia que estava tomado de forte comoção, autorizava a defesa a existir.

Nada disso, porém, foi suficiente para gerar qualquer escândalo. Ao contrário: a narrativa oficial da imprensa livre, vende ordem, progresso e punição aos inimigos da pátria. Qualquer crítica sempre tratada como cumplicidade com o “delito maior” ou o “próprio criminoso”. Questionar passou a ser motivo para o defensor se “habilitar” no processo agora como parte, ré, claro.

Aos observadores que tem acesso a imprensa brasileira, aos olhos desta última, tudo dentro da mais perfeita e harmoniosa legalidade, desde que não se olhe nos autos. É só não perguntar pelos fundamentos, pelas provas, pelo contraditório.

Se você leitor, me deu o privilégio de tê-lo comigo até aqui, preciso confessar que não estamos falando de nenhum processo em tramitação no STF, peço desculpas se a conclusão levou a este equívoco. Em verdade, trato até aqui de episódios processuais e procedimentais que marcaram um passado não muito distante da história brasileira, ocorridos sob a tutela dos Atos Institucionais que vão do 1 ao 17. Um tempo de exceção que dizem, ficou para trás.

Qualquer semelhança com tempos atuais é mera coincidência retórica, ou, quem sabe, obra de liberdade poética. Afinal, em nossa tão festejada democracia não há lugar para um processo que não seja legal. Será?

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