Aline Lopes

A figura da mãe solo e a responsabilidade civil do abandonador

Postado em 18 de junho de 2025 Por Aline Maria Lopes da Silva Analista Jurídica, Pós graduanda em Direito das Famílias e Sucessões, Pós graduanda em Direito Público: Administrativo, Constitucional e Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

A realidade da mãe solo no Brasil é um retrato escancarado das desigualdades estruturais de gênero e da omissão paterna institucionalizada. Por trás de estatísticas alarmantes, que revelam milhões de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento e uma esmagadora maioria de lares chefiados por mulheres, há uma silenciosa violência emocional: o abandono afetivo.

Embora a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente reconheçam o direito à convivência familiar como um direito fundamental, a prática social demonstra que a ausência paterna ainda é tratada com permissividade. A omissão do genitor vai muito além da falta de pagamento de pensão alimentícia. Trata-se da violação direta do direito ao afeto, ao cuidado e à presença, valores constitutivos da formação da personalidade da criança.

Foi ainda em 2020, ao desenvolver minha monografia intitulada “A Figura da Mãe Solo e a Responsabilidade Civil do Abandonador”, que iniciei um estudo mais aprofundado sobre o tema. Hoje, anos depois, a relevância e a urgência da discussão apenas se acentuaram, diante da permanência dessa realidade nas famílias brasileiras.

É nesse cenário que emerge a necessidade de se consolidar a responsabilidade civil do abandonador. O argumento de que “não se pode obrigar alguém a amar” tem sido, por muito tempo, o escudo dos que preferem ignorar as consequências psíquicas devastadoras da ausência paterna. No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro é claro ao impor aos pais o dever de cuidado, de atenção e de participação na vida dos filhos. Não se trata de obrigar ao amor, mas de responsabilizar juridicamente a escolha consciente de não cuidar.

As mães solo, além de enfrentarem jornadas exaustivas de trabalho e criação, acumulam a responsabilidade emocional de suprir uma ausência que não escolheram. Muitas vivem situações de vulnerabilidade social, enfrentam discriminação no mercado de trabalho e carregam o peso do julgamento moral. A responsabilização civil do genitor ausente é, portanto, mais do que uma medida indenizatória: é um instrumento de justiça social.

A jurisprudência recente, como as decisões do STJ que reconhecem o dever de indenizar por abandono afetivo, sinaliza um amadurecimento importante do Judiciário. Da mesma forma, o Projeto de Lei nº 3.012/2023 representa um avanço legislativo ao reforçar os mecanismos de combate ao abandono afetivo, ainda que precise de maior debate sobre sua efetividade prática.

Os opositores dessa responsabilização alegam o risco de mercantilização do afeto. Contudo, esse argumento ignora o caráter educativo e reparatório da indenização por dano moral. O valor pecuniário não substitui o afeto ausente, mas representa o reconhecimento jurídico de uma lesão real e mensurável à dignidade da pessoa humana.

Enquanto o Direito não se posicionar de forma firme contra essa omissão reiterada, estaremos perpetuando a cultura da irresponsabilidade paterna e da invisibilização da luta diária das mães solo. A responsabilização civil por abandono afetivo não é uma solução mágica, mas é um passo essencial para dar voz às vítimas e sinalizar que o descaso emocional também fere direitos fundamentais. Por fim, é necessário que operadores do Direito, legisladores e sociedade civil reconheçam que a figura da mãe solo não pode continuar arcando sozinha com o ônus da parentalidade. O Direito precisa assumir seu papel transformador, promovendo a responsabilização daquele que, por escolha, virou as costas para a p

A Editora OAB/PE Digital não se responsabiliza pelas opiniões e informações dos artigos, que são responsabilidade dos autores.

Envie seu artigo, a fim de que seja publicado em uma das várias seções do portal após conformidade editorial.

Gostou? Compartilhe esse Conteúdo.

Fale Conosco pelo WhatsApp
Ir para o Topo do Site